quinta-feira, 31 de março de 2011

RACISMO E HOMOFOBIA OU CRIMINALIZAÇÃO DA OPINIÃO: O mundo segundo Bolsonaro

Nas vésperas da aprovação da PL 122 no Senado Federal, que trata da criminalização da homofobia e diante da legislação vigente acerca dos crimes de racismo e as modificações nos últimos anos do Código Penal, com a criação da figura típica "injúria qualificada, mediante racismo", prevista  no art. 140, §3º, considerei, no mínimo, curiosas as declarações do folclórico deputado federal, Jair Bolsonaro, na última segunda-feira (dia 28 de março) no programa de televisão CQC.

No programa da rede Band, liderado por Marcelo Tas, existe um quadro onde famosos e personalidades nacionais são entrevistadas por populares, num divertido quiz, onde são feitas as perguntas mais inusitadas, respondidas pelos entrevistados das mais bizarras formas. No caso, o entrevistado da semana foi o deputado do PP carioca, Jair Bolsonaro, capitão do exército da reserva, apologeta da ditadura militar e uma das mais reaçonárias vozes presentes no Congresso Nacional.

O controvertido parlamentar, ao ser entrevistado, difundiu suas escabrosas ideias, já há muito conhecidas pela opinião pública, revelando um nível de atraso e anacronismo que fariam corar um general da reserva. Bolsonaro reproduz ( ou quer reproduzir) a ideologia que motiva seu eleitorado: em sua maioria, militares da reserva, oficiais ou praças com visões alienadas ou distorcidas sobre o Brasil, ainda envoltos sob os fantasmas da Guerra Fria e com a visão esclerosada de que o país ainda vive a luta contra o "inimigo interno", sob as luzes da Lei de Segurança Nacional. Seria até divertido, se não fosse irritante ver a forma chauvinista, autoritária, desbocada, machista e petulante com que Bolsonaro trata seus ouvintes e antagonistas, rendendo-lhe diversos processos, protegido sob o invólucro da imunidade parlamentar que sempre o defendeu, por manifestar suas ideias odiosas, mas constitucionalmente asseguradas, em função do cargo que ocupa.

Uma das novas enrascadas que o deputado do PP se meteu, não foi chamar, em rede nacional de televisão, a atual presidente da república de terrorista, e nem de ter mostrado sua desafeição (e a de muitos de seus aposentados colegas de farda) à figura do ex-presidente Lula, além de achar que tortura é válida e que lugar de bandido é no cemitério. Nada disso! O problema do deputado é quando ele se enrolou ao tratar do tema dos direitos dos homossexuais, da existência de cotas em universidade, e da forma extremamente mal educada que respondeu a uma pergunta da cantora e atriz, Preta Gil, filha do famoso ex-ministro da Cultura. Quando Preta perguntou ao deputado se este permitiria que a filha namorasse com um negro, ele respondeu da seguinte forma: "Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu."

A resposta de Bolsonaro bombou no dia seguinte na imprensa brasileira, com várias declarações de uma humilhada Preta Gil, dizendo que iria processar o deputado por racismo. Bolsonaro, por sua vez, através de sua assessoria e em diversos meios de comunicação, divulgou que entendeu mal a pergunta formulada pela cantora, tendo em vista que a pergunta anterior feita a ele, tratava de homossexualismo, e ele argumentou que julgava que a pergunta feita por Preta dizia respeito ao mesmo assunto. De qualquer forma, o fato de Bolsonaro alegar que, uma vez sendo contra as cotas para negros nas universidades, não pegaria um avião pilotado por um cotista ou não seria operado por um médico na mesma condição, já deu o que falar, e ameaças de novos processos.

Sim, muitos podem considerar o deputado Bolsonaro uma figura desagradável. Entretanto, é importante notar que a truculência verbal faz parte do populismo de vários políticos e é uma forma de se criar uma persona, um personagem que arrebate votos, pois na miríade de pensamentos, ideologias, opiniões, culturas e posições divergentes que fazem a representatividade do Congresso, Bolsonaro apenas reproduz o mesmo pensamento preconceituoso de uma parcela da sociedade brasileira. Ora, é exatamente esse setor da sociedade que garantiu as várias reeleições do parlamentar para a Câmara Federal, e que agora levaram para a política seus filhos (um, deputado estadual, o outro vereador no Rio de Janeiro). Sob os slogans do conservadorismo e na defesa de valores tradicionais como a família e a segurança, o deputado Bolsonaro apenas reproduz parte de uma sociedade, que, é sim, muito chata, mas que não se pode soterrar, em prol da democracia, da convivência entre diferentes, e da defesa da constitucional liberdade de expressão.

Bolsonaro é um fascista. Assim como é boa parte de seu eleitorado.Mas mesmo os fascistas que não admitem a tolerância, devem ser tolerados. É o preço que tem que se pagar numa democracia, para que este regime político seja digno desse nome. A própria atual Secretária Nacional de Direitos Humanos, a ministra Mária do Rosário, foi vítima dos abusos de Bolsonaro, numa discussão que pode ser vista até hoje no youtube, quando a então deputada federal entrou numa discussão, nos corredores do Congresso, com o espevitado deputado, e este maldosamente criticou a família da deputada, após ser questionado  por suas posições políticas, uma vez que a deputada vivenciou um triste episódio familiar, envolvendo prostituição infantil e o deputado, covardemente fez alusão ao episódio, com o fim de acabar com a discussão.




Sei que muitas pessoas tem vontade de dar um soco em Bolsonaro e que o deputado representa a voz políticamente incorreta, que faz zombarias com a Comissão de Mortos e Desaparecidos da Ditadura Militar, colocando posters odiosos em seu gabinete, como aquele que trata dos restos mortais dos militantes políticos, mortos no Araguaia, ostentando um desenho de um cachorro e a seguinte frase: "Desaparecidos do Araguaia: quem procura osso é cachorro!". É de um mal gosto e  imbecilidade extremos, mas se Malufs e Tiriricas podem estar no Congresso, por que não tipinhos escrotos como Bolsonaro?!

Entendo ainda que vox populi est vox Dei, e se o eleitorado abriu caminho para que sujeitos como Jair Bolsonaro estivessem no Congresso, republicanamente esse eleitorado deve ser respeitado. Nos Estados Unidos, vemos como a direita religiosa, republicana e ultrareaçonária ganha espaço, no governo democrático de Obama, entre prefeitos, governadores e parlamentares eleitos, e o máximo que podemos fazer é respeitar (mesmo que discordando) da opção de seus eleitores. A pergunta que não quer calar é, se dentro de nossa legislação, Bolsonaro cometeu ou não um crime. E nessa discussão, temos que saber até que ponto é possível criminalizar a opinião.

A Constituição do Brasil assegura como direitos fundamentais a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando direito à indenização em caso de dano material ou moral (art. 5º, inciso X); mas também assegura a livre manifestação do pensamento (inciso IV), como um direito de importância semelhante aos anteriores. Isso significa dizer que, a menos que se comprove que o distinto parlamentar danificou a imagem e a honra pessoal de pessoas como Preta Gil, a manifestação de seus reaçonários pensamentos é livre, porque a norma constitucional assegurou isso a ele, como também a qualquer cidadão, estejamos gostando ou não. É nesse sentido que entro em desacordo com alguns defensores da criminalização da homofobia, enquanto manifestação de pensamento (mormente no caso de pastores evangélicos, que condenam a homossexualidade em programas de televisão), tendo em vista que isso não se equipara ao triste episódio na avenida Paulista, onde um casal de homossexuias foi agrido em via pública, por conta da covardia homofóbica.

O que se pune são atos de ódio, mas o discurso de ódio, não. É em discursos do ódio entoados por Bolsonaro, em direção a homossexuais, esquerdistas ou negros, que se pode ver até onde vai a extensão da liberdade de pensamento assegurada por lei, e até que ponto isso pode se tornar um ilícito penal. O próprio Bolsonaro alega que não é, nem de longe, racista ou homofóbico, e que as baboseiras que falou num canal de televisão apenas reproduzem suas convicções ideológicas e a liberdade que ele tem de expressá-las, já que esse direito é assegurado constitucionalmente. E nisso, sou obrigado a concordar. Nem sempre queremos ouvir o que não gostamos de ouvir, mas a possibilidade de que alguém fale o que os outros não gostam tem que ser respeitada, sob pena de vivermos um autoritarismo às avessas, na ditadura do politicamente correto, em que todos são obrigados a dizer o que somente nós queremos ouvir. O que seria totalmente antidemocrático.

Baseado, portanto, num pressuposto de intervenção penal mínima, entendo que a indignada Preta Gil, tem que se valer, sim, dos meios legais disponíveis e de seu direito de ação, para cobrar a responsabilidade do deputado Jair Bolsonaro, no âmbito cível, acerca de eventual declaração individual dele, que tenha afetado sua honra ou imagem pessoal. Mas sou plenamente contrário a advogar a tese de que o parlamentar deve ser responsabilizado, por um flagrante delito de racismo, ou injúria qualificada mediante esse componente odioso, uma vez que entendo que, no anacronismo e atraso de suas infelizes frases, Bolsonaro, por mais reaçonário que seja, não pretende lesar individualmente quem quer seja, pela idiotice de suas afirmações. É saudável num Estado Democrático de Direito que pensemos assim, mesmo que seja para muitos, dolorido, ter que aguentar tipos como o deputado federal carioca, que só podem ser silenciados pelo bom senso das urnas, e não por processos judiciais. A solução não-penal ainda é a melhor alternativa e a que pesa mais no bolso, diante de cretinos tagarelas, que no auge de sua estupidez, ruminam discursos esclerosados de quem há muito, ocupa com seus pijamas, o salão dos aposentados do antigo regime militar. O Exército Brasileiro deu uma grande mostra de respeito à democracia, e de uma visão projetada para o futuro e não para o passado, quando extinguiu a comemoração do 31 de março (data do golpe militar de 64), das comemorações da instituição. Resta saber se figuras como Bolsonaro, finalmente serão esquecidas, quando as areias da história sepultarem de vez suas patéticas afirmações estapafúrdias, sem que seja necessário mover processo criminal algum. Por que no te calas, Bolsonaro? Que as urnas dêem a resposta!!

ATENTADO A BLOGUEIRO NO RIO DE JANEIRO: Manifestação de ideias não pode ser calada através de balas!

Quando assisti ao filme V de Vingança, baseado na famosa HQ de Alan Moore, salvo algumas diferenças da adaptação dos quadrinhos, gostei muito de uma cena quando o personagem V, protagonista da estória, é cercado pelos bandidos chefiados por Mr. Creedy, e após ser baleado diversas vezes por seus algozes, recusa-se a morrer, derrubando seus  oponentes armados, um por um, até chegar ao chefão do grupo, e antes de dar o golpe fatal no líder do grupo, segue-se o seguinte diálogo:

-Mr. Creedy: Por que você não morre? Por que você não morre?
-V: Porque por detrás desta máscara não existe apenas carne. Existe uma ideia, e ideias, Sr. Creedy, são a prova de balas.-

Inicio meu comentário com essa cena de filme, para relatar o triste, escabroso e inaceitável acontecimento do último dia 23 de março, em Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, quando foi vítima de um atentado o blogueiro, jornalista e advogado, Ricardo Gama, recebendo vários tiros de homens dentro de um carro que o avistaram, sem que a vítima ao menos pudesse se defender. Gama foi alvejado com três tiros, nas costas e na cabeça, mas socorrido no Hospital Copa D'Or, apresenta atualmente estado estável, sem risco de morte.

Ricardo Gama tem um interessante blog, http://ricardo-gama.blogspot.com/, onde tece críticas, por vezes pesadas, à administração pública fluminense, cobrando iniciativas de prefeitos, governadores, e interpretando criticamente as ações da polícia carioca. Por mais que você possa concordar ou discordar dele, é óbvio que qualquer pessoa com uma mente minimamente civilizada, vá defender o direito à liberdade de expressão, e deixar que alguém, mediante um blog na internet, professe as suas ideias. É evidente que podem surgir sanções civis e ser buscada a responsabilidade de quem fere a honra, a reputação e a credibilidade das pessoas injustamente, através de um meio virtual, mas as soluções para isso podem e são buscadas na esfera cível, com as devidas ações judiciais e o direito à indenização. O que eu não posso  tolerar é que voltemos a um regime de exceção, onde a censura possa ser exercida através de homens encapuzados, à espreita dentro de carros, na calada da noite, prontos a liquidar com vários tiros aqueles que desagradam aos incomodados de plantão.

O blog de Ricardo faz um jornalismo por vezes investigativo, noutras sensacionalista e rocambolesco, como são os tablóides e as boas tiras de jornal. É uma forma nova de fazer jornalismo, inaugurada com a internet e difundida no mundo inteiro, onde profissionais, intelectuais e artistas divulgam suas ideias e dão a sua própria versão da notícia. Sei muito bem como isso funciona, pois, afinal, como blogueiro amador, também aprecio essa forma magnifícia de liberdade de expressão que é poder difundir minhas opiniões, ideias e versão dos fatos, através desse meio tecnológico. Mas também sei que o emprego da rede virtual para propagação de ideias também pode gerar perigos, aumentando os riscos de se atingir setores que não reagem bem, diante de críticas por vezes ácidas, apesar de construtivas. Daí é que vem a celebridade daqueles que tem coragem (ou loucura) de se fazer conhecer pela forma contundente em que expõem suas ideias, mesmo correndo o risco de serem, como foi no caso de Ricardo Gama, atacados injustamente por aqueles que querem ver essas vozes se calar.

É fato que nós só começamos a nos interessar e conhecer o trabalho do outro quando aparecem fatos trágicos nos jornais. A celebridade não vem de um trabalho sério, franco e honesto, que merece ser respeitado, mas sim das páginas policiais. Foi assim que, tomando meu café de manhã no dia de hoje, ao ligar a televisão, soube do triste episódio envolvendo Ricardo Gama, e ao ligar a internet obtive mais informações sobre o duro atentado sofrido pelo blogueiro. Independente da orientação ideológica ou da vinculação político-partidária de Gama, considero um hediondo crime contra a humanidade calar com tiros as vozes dissonantes.

A política é uma arte pedregosa, e mais espinhosa ainda pode ser a tarefa do blogueiro, na sua crítica à forma de fazer política. Os blogueiros de hoje são os revolucionários de ontem, como foi Marat, o l'ami du peuple, articulista virulento contra o Antigo Regime do século XVIII, que foi morto com uma facada no coração dentro de uma banheira, na época da Revolução Francesa, por Charlotte Corday, influenciada por seus inimigos. Os blogueiros políticos, jornalistas virtuais, amadores ou não, são os que fazem das teclas de seu computador uma arma, cujos petardos não mancham de sangues tronos ou governos, mas somente trazem à tona a verdade. E a verdade dói para muitos integrantes da classe política, que não admitem ser questionados. Vivemos ainda durante um ranço autoritário, onde qualquer forma de contestação pode ser vilipendiada criminosamente, por meio de capangas armados, pagos a soldo míúdo para calar a oposição que vem das ruas, que surge nas telas dos computadores. Ricardo Gama foi mais uma vítima desse tipo de conduta criminosa. Nesse caso, os criminosos tem um alvo errado, pois inatingível: ao tentar assassinar as ideias, tenta-se matar o propagador delas. Mas as ideias tem vida própria, são inalcançáveis, podem ser compartilhadas por muitos, em inúmeros lugares. Daí ser impossível matar a consciência crítica e a ideia de contestação, quando ela pode estar na cabeça de vozes que não podem se calar.

Não adianta os covardes algozes de Ricardo Gama, muito provavelmente pagos por um mandante mais covarde ainda, acharem que podem calar outros blogueiros, que na liberdade de seus laptops, dão uma de Julian Assange, desnudando as entranhas das estripulias de líderes e governantes. Tenta-se matar um Gama, aparecem outros, aos milhares, enchendo a rede virtual que é infinita, exercitando um direito seu que é a liberdade de expressão, constitucionalmente assegurada; pois, como eu disse, não se matam ideias. Desejo uma boa recuperação ao blogueiro e energia para as próximas lutas. Saudações, Ricardo Gama!