quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A morte de uma juíza no Rio de Janeiro reacende o debate: porque existem tantos bandidos dentro da polícia brasileira?


Juíza Patrícia Acioli, assassinada no último dia 12 de agosto.
 No dia 12 de agosto, balas de calibre .40, de uso privativo da polícia, terminaram com a vida da juíza Patrícia Acioli, de 47 anos, responsável pela 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, vítima de um atentado, quando chegava em sua casa, em Niterói. Patricia era uma incansável inimiga das milícias,  que depois das redes de narcotráfico, passaram a proliferar como uma praga no Rio de Janeiro. Ela se encontrava na lista dos "marcados para morrer", quando resolveu desafiar o novo poder paralelo que se desenvolve na zona cinzenta da criminalidade na metrópole carioca.

O noticiário divulgou à exaustão, mas não custa volta a comentar: a Polícia Militar do Rio de Janeiro, infelizmente, não tem o controle sobre a sua banda podre, sendo incapaz de lidar com os diversos grupos criminosos, gangues e quadrilhas formadas por policiais corruptos, que infestam à corporação. Tendo a repetir nos meus escritos que a policia brasileira (seja militar, civil ou federal) é formada majoritariamente por homens e mulheres honestos, corajosos, e que sofrem as vicissitudes de não terem salários adequados à nobreza e perigos de sua profissão, bem como padecem da ausência de condições dignas de trabalho.

Entretanto, essa mesma realidade, em alguns casos, produz um efeito colateral perigosíssimo: o surgimento de milícias como forma inicial de policiais exercerem um emprego paralelo, ou adiquirem uma fonte de renda alternativa. O problema de se ter policiais atuando fora do serviço oficial, realizando atividades com emprego de armas, valendo-se do porte de armamento que legalmente possuem, acaba por gerar um fenômeno já bem conhecido da literatura criminal: o gangsterismo; ou seja, homens armados agindo pela força, vendendo proteção ou serviços. Essa realidade não é específica da cena carioca, mas sim existente há mais de meio século em diversos países e regiões, especialmente no hemisfério norte. As máfias começaram assim, e dessa forma, como máfia fardada, as milícias brotam como um câncer no interior das polícias, como um efeito colateral da crise do desajustado modelo profissional de polícia estabelecido nos anos anteriores, e seus resultados são alarmantes.


Indignação e tristeza é pouco para se definir o que sente
a família da juíza assassinada e o Judiciário fluminense acerca
da ação criminosa das milícias no Rio de Janeiro. Balas não irão
nos acovardar!
Conhecidos criminólogos e estudiosos da polícia, como os consagrados autores Jerome Skolnik e David Bayley, os chamados "papas" do policiamento comunitário, já alertavam sobre o problema da corrupção policial. A corrupção acontece como todo modelo desgastado implamentado pelo Estado liberal, em que se concebia inicialmente uma polícia de Estado, e não uma polícia de sociedade. Assim como no Estado capitalista, os interesses clientelistas e fisiológicos em torno do lucro, acabaram por tecer redes delituosas em que as relações de poder submetem o interesse público a interesses privados. Da mesma forma, na polícia, os tentáculos nefastos do clientelismo e da vantagem a qualquer preço forçaram determinados setores da sociedade a cobrar pelos serviços de policiais fora do expediente, como se para essa clientela fosse estabelecido o seguinte acordo: "vocês nos pagam pelo serviço pessoal que nós fazemos a vocês, que o Estado não dá conta, e nós lhe vendemos segurança!". Desta forma, as milícias puderam prosperar na periferia carioca, sob o pretexto de afugentar a criminalidade, quando policiais passaram a agir como pistoleiros, varrendo as ruas da bandidagem em troca de um soldo, funcionando como uma espécie de pistoleiros extraoficiais, propiciando um cenário para a criação das maléficas milícias que a juíza Acioli insistia em combater.

Os bandidos, agora, estão dentro do próprio Estado.
A origem das milícias tem um forte componente cultural, concentrado na difusão ideológica da tese da "faxina social". Ocorre quando policiais, fora do serviço, sob o pretexto de proteger a sociedade, começam a matar bandidos. De grupo de exterminio o agrupamento formado por esses policiais se transforma em milícia, quando o serviço de homens armados passa a ser disputado tanto por membros da comunidade, interessados em eliminar desafetos, como pelos próprios traficantes, que passam também a se tornar clientes dos milicianos, pagando uma "taxa" para sua manutenção. Na consolidação do aparato miliciano, a organização passa a controlar o comércio e a prestação de serviços dentro da comunidade, desde entrega de água e botijões de gás até serviços de TV a cabo e internet. No estágio final de organização da milícia, para dar uma roupagem institucional à organização criminosa, seus integrantes começam a se candidatar a cargos eletivos ou passam a apoiar candidatos vinculados às milícias, financiando campanhas de deputados e vereadores. Parte dessa realidade foi mostrada pelo diretor de cinema, José Padilha, em seu célebre filme: Tropa de Elite 2.

Como combater as milícias? Como fazer com que tais organizações criminosas não proliferem e causem mais vítimas, atentando de forma vil e repugnante contra agentes do Estado, chegando a ameaçar ou matar juízes e promotores? As raízes do problema estão na forma como se constituiu o Estado e no exaurimento de um modelo policial de sociedades capitalistas de modernidade tardia, como a brasileira, que não comportam mais uma polícia de Estado. O efetivo controle da sociedade civil, acerca da gestão do aparato policial, por meio de Conselhos de Segurança, talvez seja uma das propostas iniciais que, se não combatem definitivamente as milícias, ao menos contribuem para denunciá-las, quando são abertos canais diretos de diálogo e comunicação entre as instituições estatais e os representantes das comunidades. O combate à corrupção policial sempre fez parte da história da polícia e da ação do Judiciário, no sentido de coibir abusos e impedir distorções como a formação de grupos armados por policiais à paisana. Resta agora ao Estado assumir também a responsabilidade de proteger seus agentes públicos,  encarregados da responsabilização de criminosos que se escondem por detrás de fardas, já que não consegue, ainda, proteger toda a sociedade. Disso depende a própria sobrevivência da vida social.