segunda-feira, 19 de novembro de 2012

TERRORISMO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO:O que é o MOVADEF?


O MOVADEF em ação na capital peruana.













Na minha recente viagem ao Peru, tomei um pouco de conhecimento da realidade andina, lendo jornais e vendo o noticiário local. Pude perceber que, se no Brasil, o tema político da vez é o julgamento do "Mensalão", no Peru o que mais se discute são as ações do MOVADEF. Pra quem não sabe, MOVADEF (Movimiento pela Anistia y Derechos Fundamentales) é uma sigla que vem estremecendo a classe política no Peru recentemente, além de se tornar uma ameaça à credibilidade do governo do atual presidente de esquerda no país, Ollanta Humala. É um movimento surgido nas universidades peruanas (em especial na tradicional Universidade de San Marcos, situada na capital, Lima, conhecida por  suas manifestações estudantis), e que conta com o apoio de dissidentes políticos residentes no exterior e ex-integrantes do movimento terrorista de extrema-esquerda, Sendero Luminoso, famoso por seus atentados, assassinatos e ações criminosas na década de oitenta do século passado.

Panfleto do Sendero na década de 80.
Mas o que era o Sendero Luminoso e por que este grupo gera tanto arrepio até hoje na memória dos peruanos? Imagine uma época, um mundo diferente, dividido numa guerra velada entre duas potências mundiais ideologicamente distintas: de um lado, o bloco norte-americano, liderado pelos EUA, e de outro o bloco soviético, capitaneado pela extinta União Soviética. Nesse mundo dividido, com guerras e revoluções como  na Coréia, em Cuba, no Vietnã e ditaduras a pulular por toda a América Latina, (principalmente na América do Sul), surge, no final dos anos setenta, um professor universitário baixinho e carismático, famoso por ministrar aulas lotadas de Filosofia, com seus óculos de aros grossos, fala articulada e fã do líder comunista chinês, Mao-Tsé Tung, pregando uma revolução socialista no estilo maoísta, convocando nas universidades estudantes e na área rural camponeses, para que se iniciasse uma luta armada contra o governo. Esse homem seria Abimael Guzmán, fundador do Sendero Luminoso, mais conhecido na clandestinidade pelo seu codinome: camarada Gonzalo. Através de Guzmán, começa-se a pregar um discurso ideológico radicalizado, como um arremedo da doutrina maoísta aplicado à realidade andina, chamado de "pensamento Gonzalo".

O Sendero Luminoso,numa das épocas mais violentas da história peruana.
Seguiu-se durante toda a década de 80 (e eu me recordo disso), uma série de atentados, explosões, assassinatos de políticos e camponeses, e destruições, tudo levado a cabo pelos militantes do Sendero, em sua maioria estudantes universitários e ex-sindicalistas, seguidores de Guzmán. Os caras chegavam a matar cachorros de rua e empalá-los nos postes da cidade,  com placas aludindo ao nome de políticos da situação que estariam com os dias contados. O Sendero Luminoso foi um retrato violento do seu tempo, de radicalismos e do extremismo das ideologias. As ações sanguinárias dos militantes senderistas poderiam fazer tremer de medo um militante italiano das Brigadas Vermelhas (movimento terrorista de extrema-esquerda que chegou a matar o primeiro-ministro da Itália, Aldo Moro). O problema da contradição do  discurso senderista e a real faceta de seu líder, que de grande ideólogo marxista-leninista, com a apresentação de seus crimes, revelou-se  um verdadeiro psicopata, foi no trato com o principal segmento popular que o Sendero pretendia insuflar. Ao invés de mobilizar camponeses, ganhando sua simpatia com o apoio as suas reivindicações populares, os militantes do Sendero Luminoso quiseram conquistar o apoio dos trabalhadores do campo à força, muitas vezes com coletivização forçada de terras sob sua vigilância, e justiciamentos, com assassinato de camponeses que se recusassem a aceitar as ordens dos militantes senderistas. Segundo a Comissão da Verdade peruana, na época que existiu, o Sendero Luminoso foi responsável por ao menos de 75% das mortes violentas de camponeses humildes, vivendo na zona rural.

A prisão de Guzmán foi o fato político da década no Peru.
Tal realidade, narrada acima, durou mais de uma década, até que no mandato do presidente peruano Alberto Fujimori, após um sagaz trabalho de inteligência, foi finalmente capturado e preso o líder do movimento, Abimael Guzmán. Mostrado ao mundo preso dentro de uma jaula, com a tradicional roupa listrada dos presidiários, um enraivecido Guzmán protestava das condições vergonhosas em que era apresentado ao mundo, mostrado como um animal, e isso suscitou debates na mídia do mundo inteiro acerca do respeito aos direitos humanos e a preservação do princípio da dignidade humana, uma vez que o líder senderista foi apresentado como um bicho, irritado e indignado, bradando contra seus captores, face as condições desrespeitosas em que se encontrava.  Enquanto isso, naquele momento, graças à exposição pública de Guzmán como um troféu, Fujimori galvanizava apoio político para seu projeto duradouro de poder, perpetuando-se no governo através de uma ditadura branca, pelo controle e futura dissolução do Congresso, e por um governo autoritário, com forte apoio militar, montado por um Estado Policial, interessado não apenas em prender terroristas, mas também em eliminar qualquer foco oposicionista que contrariasse o governante peruano, descendente de japoneses.

O ex-presidente Fujimori, em sua prisão hospitalar.
Mas, nos últimos anos, com uma economia em frangalhos, uma crise social demasiada e uma epidemia de cólera que dizimou o país, mostrando a fragilidade da saúde pública no Peru, Fujimori acabou sendo deposto e fugindo do país, após ser acusado de atos de corrupção. Ele chegou a viver durante um tempo no Japão, donde pediu a cidadania japonesa, posteriormente negada, até ser extraditado novamente para seu país de origem e julgado por seus crimes. Assim como Guzmán, Fujimori hoje vive trancado dentro de uma cela, enfermo, mas com melhores e privilegiadas condições carcerárias do que os terroristas que ele aprisionou, carregando o ônus político de ter sido, ao mesmo tempo, o governante que derrotou o Sendero Luminoso, mas também aquele que acabou atrás das grades junto com seus inimigos políticos; num Peru atrasado e repleto de desigualdades, mas esperançoso de retomar o rumo do desenvolvimento, assim como os demais países sul-americanos, como Venezuela e Brasil.

A polícia peruana é chamada a se mobilizar, a cada ato do MOVADEF.
O que parecia ser apenas um triste pedaço da recente história peruana, acabou por se tornar um problema de Estado, com o surgimento do Movimento Anistia e Direitos Fundamentais. A tese principal de seus integrantes é de que Abimael Guzmán já permaneceu tempo demais na prisão, os tempos são outros, o Peru já vive dias de uma democracia plena, e durante o período autoritário governado por Alberto Fujimori,viveu-se um regime de exceção, um simulacro de democracia, onde o ex-presidente manipulava as eleições e, nesse panorama, o líder do Sendero foi capturado na condição de preso político. É como preso político que os militantes protosenderistas buscam a libertação de seu líder, assim como os familiares de Fujimori, seus dois filhos, Kenji e Keyko (esta última, candidata derrotada à presidente, nas últimas eleições), ambos deputados no congresso peruano, buscam a liberdade de seu pai, alegando, nesse caso, razões hunanitárias, face um câncer desenvolvido pelo idoso ex-presidente, durante sua permanência na prisão. No caso da MOVADEF, a imprensa do país tem sido muito mais intransigente e alarmista, surgindo a cada dia no noticiário um fato novo associado ao movimento, num sensacionalismo que estimula o retorno de uma cultura do medo no solo peruano, a fim de agitar a população sobre um clima de pré-instabilidade institucional. O lema é: “não esqueçamos do que aconteceu conosco. Não deixemos o passado voltar!”.

A polêmica sobre o MOVADEF já atingiu em cheio o governo do presidente Humalla, principalmente através dos meios de comunicação (em especial o diário El Comercio, principal jornal do Peru) que fazem oposição ostensiva ao governante de esquerda, por sua suposta leniência e até mesmo colaboração com os manifestantes protosenderistas. A última notícia que ganhou as manchetes na semana passada, e chamou minha atenção quando eu estava lá, foi a destituição do então embaixador do Peru na Argentina, Nicolás Lynch, pelo fato de ter sido divulgada gravação em que o representante diplomático recebia na embaixada, em Buenos Aires, um grupo de militantes do MOVADEF, para uma breve conversa de cinco minutos. Na ocasião, o diplomata respondeu à imprensa, dizendo que a embaixada do Peru era um lugar aberto a todos os peruanos. Isso foi suficiente para que a imprensa local bombardeasse a conduta do embaixador, exigindo sua renúncia, fato que foi por ele praticado após dois dias de intensa pressão no governo. O primeiro-ministro peruano, Juan Jiménez, foi obrigado a também ir aos meios de comunicação, para criticar publicamente a conduta de Lynch, apesar de entender que a lógica do governo  ainda é a de manter diálogo com seus movimentos sociais e políticos. Quanto ao presidente, restou uma  nota lacônica na imprensa, e o compromisso do governo de defender a democracia, ao mesmo tempo que mantém a promessa de combater o terrorismo. 

No Brasil, parecemos estar distantes da realidade peruana, tendo em vista que aqui, os grupos considerados subversivos de esquerda foram eliminados muito antes, com a prisão ou aniquilação física de todos os seus integrantes na década de setenta, além do movimento no Brasil ter se iniciado num contexto de apoio popular extremamente reduzido a grupos de esquerda, apesar do apoio maciço de um grande contingente de estudantes universitários na gênese de pequenos grupos armados como a ALN, a VPR, o MR-8 e a MOLIPO. Além disso, no Brasil não tivemos um ex-presidente atrás das grades, como aconteceu no Peru com Fujimori, ao mesmo tempo vítima e  algoz do Sendero Luminoso, mas com uma gestão tão controvertida que, apesar de seus méritos por ter erradicado o movimento e prendido Guzman, acabam por ser apagados devidos às denúncias de violação dos direitos humanos em seu governo, e pelos escandalosos atos de corrupção que o levaram a prisão.

A imprensa peruana não perdoa, por meio de suas charges.
Há setores da imprensa peruana que defendem abertamente políticas de lei e ordem, como a prisão de todos os manifestantes e integrantes do MOVADEF, como também a expulsão de estudantes e professores das universidades que compartilharem do mesmo pensamento, sob pena de fechamento dessas instituições de ensino. De qualquer forma, é uma saída truculenta, assim como truculentas são as soluções pregadas pela Nova Direita latino-americana, difundida através dos meios de comunicação, sempre dirigida furiosamente a movimentos sociais com ideologia de esquerda ou comprometidos com alguma bandeira ideológica de cunho marxista. No Brasil, por exemplo, é comum em certos periódicos como as revistas Veja ou Época, ver artigos inflamados de articulistas, defendendo a criminalização de movimentos como os sem-terra ou os sem-teto, ou acusando de terroristas movimentos de pertencimento étnico que defendem a devolução de terras públicas à famílias indígenas ou quilombolas. No Peru, o problema não é ser contrário ao MOVADEF, mas sim como lidar na institucionalidade com movimentos que reacendem velhas polêmicas.


O governo peruano tem resistência em combater o MOVADEF, até porque não há a necessidade de colocar na ilegalidade um movimento que sequer ganhou status legal. O procurador-geral do governo do Peru salientou que o MOVADEF é um grupo informal, formado por professores e estudantes de universidade que consideram Abimael Guzman um “grande filósofo”, e que consideram que sua condição carcerária atual é desnecessária ou extrema. Independentemente do que pensam os militantes do movimento e se é certo  ou errado o que eles defendem, a verdade é que o MOVADEF, ao menos no momento, é uma espécie de senderismo desarmado, onde seus integrantes chocam parte da sociedade peruana, muito mais por suas ideias do que por suas ações. Será que isso é tão perigoso para a democracia e para o Estado de Direito?


Em seu editorial, publicado em 10 de novembro de 2012, o jornal El Comercio afirmou que MOVADEF e democracia são termos antinômicos. Tais grupos deveriam ser combatidos, assim como os movimentos de neonazistas ou movimentos totalitários de inspiração fascista, por serem antidemocráticos. Não poderiam ser admitidos na democracia, onde prevalece a regra de obtenção de apoio da maioria através do voto, onde grupos que defendem a subjugação do outro por meio do tolhimento de direitos, limitando ou eliminando, inclusive, a liberdade de uns em detrimento de outros, podem chegar ao poder somente porque foram eleitos pelo voto. Desta forma, não poderia ser legítimo, eleger “democraticamente” representantes de um movimento, partido ou governante que, após eleitos, restaurassem a escravidão, mandassem aqueles que pensam ou são diferentes para um campo de concentração ou então eliminassem a liberdade de expressão, cumprindo com as promessas contidas em seu programa partidário. Tal argumento busca derrubar a tese do governo peruano de dialogar com o MOVADEF, desde que esse grupo aceite participar do jogo democrático e renuncie a sua ideologia que prega, dentre outras coisas, a luta armada. É um argumento, aparentemente, difícil de contestar.

Guzmán no tribunal,em última de suas aparições públicas.
Entretanto, se eu penso num regime constitucional essencialmente democrático, que eu também devo conceber, no âmbito da liberdade de expressão como direito fundamental, a possibilidade de grupos que apresentam um discurso antidemocrático e até mesmo violento, de terem espaço no debate,  no Brasil a experiência dos últimos vinte anos de democracia demonstrou ser possível a manutenção na legalidade de partidos de linha trotskista, como o PSTU, que defendem uma ruptura completa da ordem institucional burguesa, através de processos revolucionários violentos, como a luta armada, inclusive com a eleição de representantes seus nas últimas eleições municipais. Como impedir que esses grupos ou legendas existam sem comprometer a democracia que eu tanto defendo? Será que não voltaríamos a um Estado-policial, sob o pretexto de garantir a segurança dos cidadãos diante da ameaça de retorno dos prototerroristas?

Entendo que no Peru, assim como no Brasil, e em qualquer outra nação latino-americana que já passou por dolorosos períodos de exceção autoritária, a alternativa ao regime democrático atual não é outra, a não ser o caminho do diálogo. Somente com diálogo será possível estabelecer um ponto em que, tanto liberais, quanto conservadores, moderados e militantes de extrema-esquerda possam coabitar o mesmo espaço político, sem que isso comprometa a manutenção de direitos fundamentais.Acredito que, por mais equivocados que estejam (e bota equivocados nisso), os militantes universitários do MOVADEF merecem, sim, ser ouvidos, mesmo que seja o tempo suficiente para que seus interlocutores digam o quanto eles estão errados. Trata-se de um processo democrático de convencimento, defendido por filósofos consagrados na modernidade, como Habermas, que sentiu na pele, o quanto movimentos políticos antidemocráticos como os nazistas, fizeram desaparecer a democracia na Alemanha, simplesmente porque, ao chegar ao poder, não apresentaram o mesmo comprometimento com o texto constitucional, que seus opositores no debate político. Mas mesmo assim a Nova Direita e saudosos da nazismo existem na Alemanha de hoje,sem que isso comprometa a firmeza de suas instituições democráticas, erguidas dos destroços de uma nação reconstruída no pós-guerra. Se não é bom, que ao menos o MOVADEF possa ser escutado, para entendermos o quanto eles são ruins. Acredito que, nem por isso, facínoras como Abimael Guzmán ou Alberto Fujimori sairão tão cedo da prisão. É pagar pra ver!



sábado, 3 de novembro de 2012

VIOLÊNCIA EM SÃO PAULO: Há algo de podre no Reino da Dinamarca (ou as diferenças entre o crime organizado no Rio e em São Paulo)

Durante as últimas décadas era comum o Rio de Janeiro ser apresentado como a "pátria do crime" pelas imagens sensacionalistas da Rede Globo de Televisão, numa "cidade maravilhosa" rodeada de "comandos" e "falanges", como numa guerrilha urbana em que os morros cariocas encontravam-se repletos de criminosos fortemente armados. Já em São Paulo, na "capital do progresso", a criminalidade encontrava-se então restrita à longínqua periferia, dos conjuntos residenciais e subúrbios das Zonas Leste e Norte de São Paulo, bem distantes do burburinho da Avenida Paulista, e de seu frêmito de carros velozes e de vidros fechados, de seus executivos endinheirados.
 
A polícia paulista agora é alvo dos criminosos. No mínimo,
há cada 32 horas, um policial  é assassinado no Brasil.
Pois parece que a situação agora é diferente, tendo em vista os recentes (e aterrorizantes) casos de assassinatos de policiais e aumento desordenado da taxa de homícidios nas últimas semanas em São Paulo, como que para afrontar a política de bons resultados obtida anteriormente pela gestão do governador tucano Geraldo Alckmin, com redução dos índices de homicídios no começo de sua gestão. Pela primeira  vez, um secretário de segurança entra em confronto direto com um ministro da justiça, num bate-boca desenfreado através da mídia entre o secretário paulista, Antonio Ferreira Pinto e o ministro José Eduardo Cardozo. Entre acusações mútuas de que, por um lado o estado de São Paulo não recebeu ajuda do governo federal para conter a violência no estado, e de outro, o argumento da União de que o governo paulista recusou esse auxílio, tão somente por arrogância, o que se deixou pairar no ar foi uma impressão de completo descontrole do governo de Alckmin, em conter uma violência que vem recheando as páginas policiais dos jornais, e que serve de fator de preocupação não apenas para o Brasil, mas para o mundo inteiro, tendo em vista a quantidade de investidores estrangeiros que vem dia a dia ao país (sobretudo banqueiros e representantes de empresas internacionais que vem a São Paulo), e que, com certeza, permanecem amedrontados diante de cenas de tanta violência e medo, com assassinatos de policiais à luz do dia. Afinal, se o Estado não consegue proteger sequer seus agentes de segurança, o que será do cidadão comum?
 
Entretanto, é preciso salientar algumas diferenças entre a criminalidade no Rio e em São Paulo que talvez ajudem a esclarecer, para alguns curiosos sobre o tema, de um breve ponto de vista criminológico, o que realmente está em jogo para a eficácia dos serviços de segurança pública em ambas as metrópoles. Sabe-se que no Rio de Janeiro a criminalidade desenvolveu mais nos morros, face à acidentada geografia da capital fluminense, com um relevo propício à proliferação de bocas de fumo e sedes de organizações criminosas de grupos armados, montadas como bunkers, e de difícil acesso por grandes viaturas ou veículos blindados, propiciando um clima de guerrilha que muito lembrou as escaramuças entre a polícia e traficantes em outras metrópoles latino-americanas como Bogotá ou Cidade do México, ou um cenário bélico típico de conflitos como a Guerra da Bósnia. Para o Rio de Janeiro, a alternativa das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) pareceu ser uma das mais acertadas para a ocupação dessas áreas conflituosas, o que trouxe uma certa credibilidade (e votos) ao governo carioca; algo que agora sente falta o governo paulista, do governador Alckmin.
 
A FACE DO MEDO: Marcola: um
dos fundadores e líderes do PCC.
Jà em São Paulo, se no Rio organizações como o Comando Vermelho já eram velhas conhecidas da crônica policial, na década de noventa do século passado surgiu em São Paulo o Primeiro Comando da Capital (ou PCC), organização criminosa montada nos presídios, e liderada por bandidos como Marcos Willians Herbas Camacho, o "Marcola", atualmente preso no Presídio de Segurança Máxima de Presidente Venceslau. Diferentemente de seus colegas de crime no Rio, atuando de fora das instituições prisionais, os criminosos do PCC vieram direto dos presídios, e de lá se organizaram, mostrando todas as defiências e fragilidade do sistema penitenciário paulista. Se o Rio tinha os seus furos como nas rebeliões do Presídio de Bangu I, os presídios paulistas eram verdadeiros "queijos suiços", montados sobre uma rede de corrupção e impunidade.
 
Por falar em corrupção, o que vem sofrendo tristemente os profissionais da segurança pública (principalmente a PM), são as sequelas de uma das polícias mais organizadas, mas também mais mal remuneradas, violentas e corruptas, como a Polícia de São Paulo.As primeiras grandes ações do PCC que paralisaram a capital paulista nos últimos dez anos, deu-se em represália à ação extorsiva de grupos de policiais corruptos lotados em ambas as organizações policiais estaduais (Polícia Civil e Militar), que em muito contribuíram para o cenário de violência e terror, com ônibus queimados, delegacias metralhadas e policiais baleados, num clima de guerra ou de briga de gangues, que em muito comprometeu a eficácia das ações policiais em solo paulista.
 
O secretário de segurança de São Paulo quis comprar
briga com o governo federal por conta da violência.
Acabou tendo que engolir a ajuda governamental e
receber a pecha de arrogante.
(retirado de noticias.r7.com)
Quanto à eficácia da ação policial na resolução do problema, as opiniões se dividem entre os especialistas, cada qual recomendando ações mais ostensivas da polícia (os defensores de um policiamento mais baseada na linha da lei e da ordem, com um forte auxílio do Exército e da PM), enquanto que outros defendem uma ação maior dos serviços de inteligência policial, e não apenas o emprego armado de efetivos (aqui residem aqueles que defendem uma intervenção policial nos moldes europeus, onde prevalecem as organizações policiais de natureza civil, como a Polícia Civil e a Polícia Federal). De qualquer forma, após muitas controvérsias, finalmente o governo paulista aceitou o auxílio do governo federal, mediante  uma estrutura montada em parceria, no sentido de coibir as ações dos criminosos desde sua origem, nos principais pontos da cidade de onde podem ter partido as ordens para o homicídio de diversos policiais ou de possíveis colaboradores da polícia, numa ação criminosa plenamente intimidatória, típica de grupos altamente organizados.
 
O ministro da justiça, José Eduardo Cardozo. Sem soluções
mágicas para a crise da segurança em São Paulo.
(retirado de oglobo.globo.com)
Dentro dessa Caixa de Pandora que se tornou a segurança pública no Brasil, donde podem partir inúmeras soluções, de boas a ruins, o que se espera no momento é que o noticiário desaqueça de informações tensas, enquanto que as organizações policiais fazem o seu trabalho. Na verdade retomo aqui a velha crítica da reforma estrutural, como forma de solucionar os candentes problemas que assolam a segurança pública, mormente na coibição de atos de corrupção e valorização profissional, com o desmanhe do conluio entre redes criminosas e "bandas podres" de determinadas corporações policiais, além de uma opção racional pela desmilitarização e maior qualificação dos policiais, a fim de que conflitos entre bandidos não virem um mero cenário de guerra, e  evitar que determinados integrantes das corporações policiais se comportassem como se estivessem numa briga de gangues. Todas essas mudanças estruturais partem de investimentos, de novas prioridades do governante e da necessidade de questionamentos acerca dos paradigmas culturais de violência e truculência policial que hoje permeiam o imaginário dos integrantes das corporações policiais. Que venham os bandidos, mas também que venham soluções racionais para o problema da criminalidade, que tanto assola a população e prolifera condutas criminosas como as que aconteceram recentemente na metrópole paulista.