No momento em que escrevo chovem mensagens por toda a internet, majoritariamente de pavor e indignação, e minoritariamente de apoio ao procedimento da Polícia de São Paulo, que em outubro de 2009, sob o pretexto de solucionar um caso de corrupção policial, agiu da forma mais ilegal, amadora, inconstitucional e abusiva possível. Trata-se de um vídeo, mostrando uma escrivã de polícia, acusada de corrupção, acuada numa repartição pública, por seus colegas da corregedoria, algemada à força e despida violentamente, para horror dos defensores dos direitos humanos ou dos direitos da mulher, tudo para ver se os policiais encontravam dinheiro escondido nas roupas íntimas da mulher, a fim de flagranteá-la em crime de corrupção.
O vídeo, disponibilizado no youtube e divulgado à exaustão pelos meios de comunicação, ocorreu no 25º Distrito Policial de Parelheiros, zona sul de São Paulo, e mostra bem o nível de despreparo, falta de qualificação profissional, ignorância quanto a aspectos básicos da lei, direitos constitucionais e até mesmo......medo. Isso mesmo, medo, porque na careta assustada do jovem delegado, visto no vídeo, que conduziu a operação, tudo se tratava de cumprir as ordens (a qualquer custo) do delegado divisionário ao qual estavam subordinados os policiais. Cenas de vexame explícito, muito mais para a polícia do que para a pobre mulher, que mesmo acusada (e se for o caso, condenada) por corrupção, tinha a obrigação sim, de responder a um processo criminal e ser responsabilizada penalmente, uma vez comprovada sua autoria num crime; mas nunca, repito, nunca, aviltada na condição humilhante a que se submeteu, tendo por algozes os próprios colegas.
É de extrema arrogância e autoritarismo os nobres representantes da Corregedoria de Polícia de São Paulo corroborarem a conduta de seus policiais, num ato extremamente grave, condenado nacionalmente, quiçá mundialmente. As cenas dantescas de ver uma mulher acuada, sem possibilidade de resistência, obrigada a ficar "pelada" na frente de marmanjos com distintivos da polícia civil, só revela o nível de despreparo de nossa Polícia Judiciária e de que, até que ponto, os manuais de conduta profissional ensinados nas academias de polícia, são rasgados à exaustão. Qualquer estudante de direito de primeiro ano, e até leigos na área jurídica, sabem que é um direito do cidadão, o cumprimento do princípio constitucional da igualdade; ou seja tratar iguais como iguais e desiguais como desiguais, além de assegurar a inviolabilidade da intimidade de uma pessoa, e nem será ela submetida a tratamento desumano ou degradante.
Na abordagem da escrivã, suspeita de corrupção e com suposto dinheiro ou documentos comprometedores escondidos em suas vestes, percebe-se no vídeo que os delegados que estavam presentes na delegacia, ficam se perguntando se o ato de revistar a suspeita, tirando suas roupas, é legal ou não. Escuta-se na gravação que a escrivã questiona a conduta policial e alega constrangimento ilegal ter que se submeter aquele tipo de revista, negando-se a tirar a roupa. Nesse momento, um dos delegados diz que, podia sim, fazê-la tirar a roupa, citando o artigo 244 do Código de Processo Penal; mas o que diz o Código?
O CPP estabelece textualmente no seu artigo 244 que: A busca pessoal indenpenderá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso da busca e apreensão.
Ora, é lógico que a aplicação de qualquer artigo do Código de Processo Penal, ou de qualquer outra norma do ordenamento jurídico, deve ser vista em consonância com os princípios constitucionais. A lei determina a busca pessoal, mas a Constituição assegura o direito à intimidade e veda tratamento degradante. Portanto, ao analisar ambos os dispostivos (norma processual-penal e norma constitucional) é evidente que a Constituição predomina como vetor de orientação na aplicação da norma infraconstitucional, devendo o agente público que a aplica levar em conta tudo o que dispõe expressamente a regra constitucional. No caso da escrivã, ou de qualquer outra pessoa que venha a ser submetida a uma revista por agentes policiais, a busca de documentos e armas escondidos no traje dessa pessoa pode ser feita, desde que não se exponha a pessoa suspeita a tamanho constrangimento que comprometa sua dignidade (e, portanto, afronte norma constitucional). É uma questão de hermenêutica, do ponto de vista técnico, e uma questão de bom senso, do ponto de vista prático. Sob que pressões estavam sujeitos os policiais da Corregedoria, no momento em que procederam com a abordagem na escrivã em conduta suspeita? Será que a necessidade de filmar tudo, para que depois tal filmagem fosse mostrada aos superiores hierárquicos, não seria uma determinante na condtua dos policiais, porque queriam mostrar serviço, pegando a suspeita com a boca (no caso as calças) na botija? Tal fato permanece um mistério ou sepultado em alguma gaveta, pois a própria Corregedoria isentou de responsabilidade seus policiais.
Na abordagem da escrivã, suspeita de corrupção e com suposto dinheiro ou documentos comprometedores escondidos em suas vestes, percebe-se no vídeo que os delegados que estavam presentes na delegacia, ficam se perguntando se o ato de revistar a suspeita, tirando suas roupas, é legal ou não. Escuta-se na gravação que a escrivã questiona a conduta policial e alega constrangimento ilegal ter que se submeter aquele tipo de revista, negando-se a tirar a roupa. Nesse momento, um dos delegados diz que, podia sim, fazê-la tirar a roupa, citando o artigo 244 do Código de Processo Penal; mas o que diz o Código?
O CPP estabelece textualmente no seu artigo 244 que: A busca pessoal indenpenderá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso da busca e apreensão.
Ora, é lógico que a aplicação de qualquer artigo do Código de Processo Penal, ou de qualquer outra norma do ordenamento jurídico, deve ser vista em consonância com os princípios constitucionais. A lei determina a busca pessoal, mas a Constituição assegura o direito à intimidade e veda tratamento degradante. Portanto, ao analisar ambos os dispostivos (norma processual-penal e norma constitucional) é evidente que a Constituição predomina como vetor de orientação na aplicação da norma infraconstitucional, devendo o agente público que a aplica levar em conta tudo o que dispõe expressamente a regra constitucional. No caso da escrivã, ou de qualquer outra pessoa que venha a ser submetida a uma revista por agentes policiais, a busca de documentos e armas escondidos no traje dessa pessoa pode ser feita, desde que não se exponha a pessoa suspeita a tamanho constrangimento que comprometa sua dignidade (e, portanto, afronte norma constitucional). É uma questão de hermenêutica, do ponto de vista técnico, e uma questão de bom senso, do ponto de vista prático. Sob que pressões estavam sujeitos os policiais da Corregedoria, no momento em que procederam com a abordagem na escrivã em conduta suspeita? Será que a necessidade de filmar tudo, para que depois tal filmagem fosse mostrada aos superiores hierárquicos, não seria uma determinante na condtua dos policiais, porque queriam mostrar serviço, pegando a suspeita com a boca (no caso as calças) na botija? Tal fato permanece um mistério ou sepultado em alguma gaveta, pois a própria Corregedoria isentou de responsabilidade seus policiais.
Ora, talvez para alguns representantes da Polícia Civil, ou ainda para muitos "policiais" equivocados, em virulentas manifestações pela internet, a ação dos policiais civis na DP de Parelheiros tenha sido a única possível, ou o mal necessário, diante da injusta insistência da escrivã acuada em flagrante delito, que não queria "entregar o jogo". Ora, sem nem entrar no mérito da necessidade de uma policial feminina na equipe que procedeu com a prisão da escrivã e sua posterior exclusão dos quadros da polícia, o que se vê na conduta policial é a existência de uma subcultura dominante, muito presente no interior da polícia paulista (e nas várias polícias do país), fulcrada em valores tradicionais de um positivismo cego, no autoritarismo herdado de regimes arbitrários do passado, e numa caquética e antiquada visão do trabalho policial, que posterga as normas constituconais em prol da eficiência, do serviço policial burro, sem questionamento, no rigor do cumprimento de ordens superiores, mesmo que essas ordens sejam manifestamente ilegais.
Ora, pergunto do nível de formação formulada nas academias de polícia, em especial na ACADEPOL de São Paulo, que eu conheci e é tida como uma das melhores do país, quando a praxe cotidiana do trabalho policial parece que em nada se assemelha ao que é estudado pelos concursandos nos cursos de formação feitos pela academia. Em sua tese que acabou transformada em livro, o sociólogo Guaracy Mingardi, em Tiras, Gansos e Trutas, mostra bem o cotidiano da polícia judiciária, no mais populoso estado federado do país e numa das mais metrópoles do mundo, informando que a velha visão do "tira" ainda está presente na realização da atividade policial em São Paulo, e, nesse sentido, o trato com a marginalidade deve ser feito num pé de igualdade do que se faz nos filmes policiais, doa a quem doer, mesmo que ao arrepio de preceitos constitucionais. Preceito constitucional? Constituição? Pra que isso? Parece que para alguns membros da Polícia Civil de São Paulo, a Constituição de 1988 só veio mesmo para atrapalhar o serviço da prestativa polícia paulista (afinal, delegados não podem mais expedir mandados de busca e apreensão), e, conforme os dizeres da distinta corregedora de polícia, entrevistada pela imprensa, após a divulgação das imagens da escrivã transtornada, falar mal pelos jornais da atuação dos valorosos policiais da Corregedoria de Polícia, é um desserviço à atividade policial.
Desserviço é a polícia atuar como bem entenda, sem a menor capacidade de iniciativa e de reflexão crítica, com seus policiais obrigados a cumprir ordens superiores, como se elas não fossem embasadas em lei, mas fossem a própria lei. É o Código Penal, no seu artigo 22, que estabelece que não é lícito ao servidor público cumprir ordem manifestamente ilegal, por conta de sua obediência hierárquica. Além disso, no caso de se apontar alguma das excludentes do subsequente artigo 23 (legítima defesa, estado de necessidade ou estrito cumprimento do dever legal), o parágrafo único do dispositivo legal é bem claro, quando diz que o excesso será punido, seja doloso ou culposo. No caso da prisão da escrivã, quando os agentes de polícia a a agarraram e a despiram à força, será que eles não sabiam que estavam cometendo um ato ilegal? Então, se sabiam, por que não recuaram?
A polícia brasileira, em especial, a polícia civil com seu passado bacharelista, formada no positivismo jurídico-penal lombrosiano, ainda sente uma enorme dificuldade de se adaptar ao novo marco institucional instaurado com a Constituição de 1988 e com o atual Estado Democrático de Direito. Se falamos em Estado Democrático, ou, simplesmente, democracia, parece que muitos administradores do aparato policial fazem ouvidos moucos diante de tais palavras; seja porque não as entendem, por estarem tão bitolados numa subcultura fechada e repressivista; seja porque não tem o menor compromisso com o ideário democrático, porque não é o seu. Afinal, poderiam dizer: "polícia é polícia", e o resto é lorota de bandido ou militante dos direitos humanos, defensor de bandidos.
Eis que a atual Ministra dos Direitos Humanos, a gaúcha Maria do Rosário, teceu pesadas críticas contra a atuação da polícia civil, no caso da prisão da escrivã em São Paulo, e o atual secretário de segurança paulista, apressou-se em afastar os policiais envolvidos, inclusive os delegados responsáveis pela delegacia distrital e pela unidade da corregedoria presentes no fato, respectivamente. Na verdade, muito ou pouco adiantará a punição desses policiais, se a Polícia de São Paulo não se libertar das amarras que a deixam tão autoritária e criticada, quando deveria ser a mais elogiada, tendo em vista a responsabilidade de seus mais de 10 mil policiais no combate ao crime, na metrópole paulista, e seu histórico de organização, como uma das políciais mais antigas e mais emblemáticas do modelo de policiamento brasileiro. Se Felinto Müller, Sergio Paranhos Fleury e outros representantes da velha polícia da história, são hoje representantes do passado, no estágio atual de desenvolvimento da polícia brasileira, devem entrar novos, atuantes e honrados delegados e agentes policiais na corporação, radicalmente compromissados com os ideiais legalistas e constitucionais que embasam a atividade da polícia no Brasil, como também nas sociedades modernas do mundo. Chega de palhaçada! Chega de abusos! Chega da atuação irritantemente comprometedora e antiprofissional de despreparados policiais. Acorda Brasil! Acorda Polícia de São Paulo!