sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

POLÍCIA: Reformas na polícia em 2011.Será possível!?

2010 está terminando.Mais um ano que se passa rapidamente, mais mudanças que se esperam na necessária reforma do aparato estatal brasileiro. Começaremos o ano com uma nova presidente, novos governadores, um novo Congresso Nacional e novos legislativos estaduais. Será um ano de preparativos e definições para uma Copa do Mundo que se anuncia daqui há 3 anos e meio, uma Olimpíada que ocorrerá em pouco mais de cinco anos, e pouco tempo para uma avalanche de tranformações que o Estado e a sociedade brasileira necessitam desde a redemocratização, há quase trinta anos, quando a Constituição de 1988 foi finalmente promulgada.

Entre Tropas de Elite, 9mm São Paulo Forças Tarefa e Federais* da vida vivemos uma realidade que em muito transpõe a ficção da literatura policial. São milhões de brasileiros vivendo uma relação polícial X cidadão, por metro quadrado, que necessitam que as polícias brasileiras atuem sob uma nova perspectiva, revisando velhas práticas imediatistas e anacrônicas, conduzindo a um novo modelo de aparelho policial e uma nova forma de se estabelecer uma política criminal, consentânea à realidade de uma sociedade democrática. Não obstante a desigualdade social, não se pode mais conceber uma polícia de classe, tão somente destinada a cumprir a velha função de controle social somente dos excluídos, dirigindo suas armas e algemas para pretos, pobres e despossuídos. O obsoleto modelo do inquérito policial, na vetusta legislação processua penal brasileira, e a forma de investigação baseada muito mais na informação desencontrada de informantes ou na confissão obtida mediante tortura, nas políticas criminais de "pé na porta" dos tempos autoritários, não pode mais receber guarida em nossas organizações policiais. Mas como mudar isso?

Creio que qualquer iniciativa de mudança acaba por envolver pessoas e mentalidades. São conhecidos na bibliografia criminal, diversas obras que tratam sobre as polícias, dizendo quase sob a forma de um mantra, que a reforma do aparato policial passa por eliminar as velhas práticas, afastando-se os velhos policiais, comprometidos com práticas atrasadas e autoritárias, dando-se espaço a novas concepções de membros da corporação mais jovens. Recordo-me até hoje que, certo dia, logo após ter sido nomeado delegado, reuni-me em uma mesa de bar com um jovem filho de um delegado aposentado, que ficou contrariado comigo quando eu dizia que os policiais da velha geração, por força da cultura vivenciada na época, eram apegados à práticas autoritárias (apesar de dizer que ele não tinha a mínma culpa disso). Parecia quase uma ofensa aos ouvidos dos nossos nobres delegados mais antigos, eu dizer que o modelo de polícia que eles concebiam, não era mais adequado à sociedade de nossos tempos. Havia uma resistência incrível à mudança, a um projeto de transformação social, como se isso significasse uma ameaça à manutenção de privilégios. Eu não estava ali para atacar ninguém, muito pelo contrário, mas tive o atrevimento de abrir minha boca, apenas para dizer o óbvio: a história segue seu curso. Sempre temos que evoluir!

Neste final de ano, conforme as Leis Orgânicas de muitas polícias (especialmente da polícia judiciária), está havendo a formação de novas cúpulas da segurança pública, com novos agentes públicos a exercerem funções de liderança, e, consequemente, haverá a  troca de comando nas corporações. No Rio Grande do Norte, recentemente, após um controverso período de adiamentos e incertezas, foi eleito um novo Conselho Superior de Polícia-o Consepol. Trata-se da instãncia máxima e representativa da polícia civil do RN, conforme dispõe a Lei nº 270, de 2004, e através deste órgão colegiado, são discutidas as questões mais relevantes da categoria, assim como são estabelecidas as diretrizes da ação policial para todo o estado potiguar. Criada tardiamente, após mais de vinte anos de lutas, a Lei Orgânica da Polícia Civil do RN introduziu o CONSEPOL, como uma iniciativa de democratizar a instituição policial, marcada por anos de mandonismo, autoritarismo e submissão aos chefes políticos locais. Com o CONSEPOL, a velha cúpula da polícia judiciária, egressa da ditadura militar, não poderia mais dar as cartas de cima para baixo, num velho modelo de aparato policial baseado numa lógica eminentemente repressiva e não investigatória, num jogo desigual de interesses minoritários prevalecendo sobre os majoritários; e toda uma nova geração de delegados, escrivães e agentes pôde se candidatar nos processos eletivos da corporação, podendo conquistar uma vaga no conselho.

O dia 22 de dezembro de 2010 irá figurar na história da polícia civil do Rio Grande do Norte como uma data histórica, quando pela primeira vez, numa eleição da instância máxima da polícia, nenhum integrante remanescente da velha ordem, a chamada "velha polícia", conseguiu se eleger para compor um dos quadros do órgão superior da polícia civil. Agora todas as diretrizes, deliberações, projetos, propostas de transformação e alterações de estrutura da polícia passarão por delegados mais jovens, identificados ideologicamente com um modelo de sociedade que em muito difere daquele pensado pelos integrantes da velha geração. São novos profissionais, já formados sob a cultura jurídica da Constituição de 1988, com uma sólida formação no cumprimento dos preceitos constitucionais, e não mais aqueles venhos integrantes do aparato policial, viciados num conhecimento eminentemente prático e deturpado acerca da atividade policial. Passou-se o tempo da "polícia pé na porta", a "polícia dos calças pretas", e surge a polícia cidadã, a polícia do mandado. Para arrepio daqueles comprometidos apenas com a satisfação de seus próprios interesses, parece que se deu uma renovação geral nos quadros da polícia civil, que se resume nisso: o novo chegou, o velho acabou! Se no final  de 2010 cantamos o singelo verso: "Adeus Ano Velho, Feliz Ano Novo...", parece-me que na realidade da polícia do Rio Grande do Norte, o velho está, definitivamente, dando adeus e cedendo espaço ao novo. As coisas são assim! A vida é assim, e, que bom que seja assim!

Para 2011, o novo CONSEPOL tem uma série de desafios, tanto de conteúdo estrutural, como de conteúdo subjetivo, no sentido de arejar mentalidades e construir uma nova cultura policial para o aparato de segurança do Estado. As dificuldades passam desde uma  nova sede para a instituição, a reformulação e modernização da academia de polícia, a urgentíssima supressão da necessidade de novos equipamentos, além da efetiva renovação tecnológica do aparato, com a implantação de um sistema moderno, informatizado, de feitura de inquéritos e realização de boletins de ocorrência. Os meios de comunicação precisam ser dinamizados e é mais do que fundamental uma integração maior entre as delegacias e uma coordenação de atividades por meio das diretorias, órgãos administrativos e chefias de divisão. A polícia civil do Rio Grande do Norte é uma das mais jovens do país, e uma das que tem o menor contingente de policiais, e urge a necessidade de novos concursos, novas contratações de delegados, escrivães e agentes, além do cumprimento efetivo, por parte do governo, dos acordos e ajustes salariais para a categoria. Além disso, é necessário quebrar como uma separação hierárquica por vezes autoritária e não funcional, que impedia o acesso dos representantes da base (delegados e agentes que trabalham nas unidades-fim), às decisões da cúpula ou ambientes herméticos, de portas fechadas, que impossibilitavam servidores de serem recebidos por seus superiores. Se o Conselho Superior de Polícia surgiu para democratizar a polícia, é necessário que esse processo de democratização continue e não retroceda, criando a polícia civil extensos canais de diálogo entre seus integranres, e com a própria comunidade. A necessidade de inserção de policiais civis no policiamento comunitário e a criação de novas unidades policiais que atendam as demandas sociais não só de policiamento, mas também na resolução de conflitos  diversos, também deve ser uma das preocupações dos novos e jovens dirigentes que a a polícia civil do RN terá a partir de 2011.O horizonte é de muito trabalho, mas, ao menos, trabalho realizado por quem realmente vê o aparato policial com outros olhos.

Sou esperançoso de que, realmente, possamos ter um novo modelo de polícia para a sociedade brasileira nos próximos anos, e talvez não peque pelo excesso de otimismo. Na minha experiência trabalhando em parceria com o governo federal, pude ver a ponta do iceberg de um prometido movimento de reforma policial, através das iniciativas do PRONASCI, com a série de programas que foram desenvolvidos pelo Ministério da Justiça nos últimos anos, e pelo empenho de muitos profissionais sérios na formação e aprimoramento de muitos policiais. Creio que a boa semente foi lançada e alguns de seus pequenos frutos já podem ser colhidos, mas muito, creio que 90% ainda tem que ser feito, até que tenhamos um modelo totalmente desapegado do vetusto panorama institucional que tínhamos até anos recentes. A legislação e a polícia brasileira evoluem a pequenos passos de tartaruga, enquanto que a sociedade moderna avança a galope, em direção ao seu destino democrático, competindo aos governantes e agentes públicos, ampliar seus horizontes para mudanças que efetivamente virão. Quanto aos velhos e mal humorados representantes da velha ordem, creio que só existe um destino: a merecida aposentadoria.

* Filmes e séries de TV de sucesso nacional, retratando o consagrado gênero do filme policial, retratando a realidade das polícias brasileiras (polícia militar, civil e polícia federal).

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

SEGURANÇA GLOBAL: A prisão do criador do WikiLeaks é a globalização do Estado Policial

Julian Assange era um completo desconhecido da opinião pública, pra quem não lê continuamente jornais e revistas, ou não seja interessado em política internacional; mas, a partir de sua prisão na Inglaterra, virou o primeiro "preso político digital" em nosso mundo globalizado.

A história de Assange começou a partir de seu site na internet: o WikiLeaks. Assim como seu similar na internet, o Wikipédia, o WikiLeaks é uma enciclopédia virtual destinada a revelar vazamentos dos governos (principalmente do governo norte-americano), levando a público casos comprometedores de erros militares, fofocas diplomáticas e opiniões emitidas nos bastidores da política, que somente são captadas pelas parabólicas da contrainformação. No site você pode encontrar documentos outrora sigilosos, dôssies, relatos de espionagem, vídeos proibídos, correspondências secretas e todo tipo de furo ou vazamento no intrincado serviço de informações e espionagem das nações industrializadas. O Wikileaks é o paraíso dos hackers, pois através dele é possível fuçar a vida dos órgãos governamentais e seus segredos mais recônditos. Há citações inclusive ao Brasil, através de seu serviço diplomático, com a divulgação dos comunicados entre seus ministérios e embaixadas, e através do WikiLeaks foi possível saber também do intensivo processo de criminalização do MST, inclusive com iniciativas combinadas dos setores militares com ruralistas e o governo norte-americano, no sentido de implementar uma legislação mais dura, que transformasse os sem-terra em grupo terrorista (vide reportagem dessa semana, da edição nº 626, da revista Carta Capital).

Alguns meios de comunicação no Brasil noticiaram de formas distintas a prisão do criador do WikiLeaks, de acordo com suas preferências ideológicas. Enquanto que semanários como Carta Capital, Época e Isto É enfatizaram o absurdo da prisão do jornalista australiano, a revista Veja preocupou-se mais com a repercussão do caso, narrando a ação de intrépidos hackers, simpatizantes das causas de Assange,  intitulados Anonymous, que logo após a prisão de seu ídolo atacaram diversos sites de programas de compras como a Amazon e as redes Visa e Mastercard,  paralisando ou tornando mais devagar a conexão nesses sites, como forma de protesto ante a suposta arbitrariedade na prisão de Julian Assange, ou como forma mesmo de desdenhar do capitalismo. Acontece que nas publicações brasileiras,na hora de meter pau contra o governo de que é desafeto, a publicação da família Civita cita à exaustão a defesa da liberdade de imprensa contra o suposto "autoritarismo" do governo Lula em controlar a mídia (já que o presidente por diversas vezes criticou a atuação do PIG-Partido da Imprensa Golpista, onde alguns meios de comunicação se valeram das mais estapafúrdias e mentirosas matérias jornalísticas, no sentido de minar a candidatura da candidata do governo); mas, em contrapartida, Veja acaba por revelar sua submissão ao projeto yankee de submissão do mundo aos interesses norte-americanos, ao tomar as dores do governo dos EUA, principal prejudicado com as intervenções virtuais do WikiLeaks, condenando a ação de hackers que desnudam as falcatruas das nações mais poderosas do planeta.


Mas até que ponto o trabalho de Assange e seus discípulos virtuais, colaboradores do WikiLeaks, pode ser considerado exercício da liberdade de expressão na rede  virtual ou crime? A Constituição brasileira estabelece em seu artigo 5º, nos incisos XII, XIVe XXXIII, respectivamente, que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações (salvo por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal), sendo assegurado nesses atos o acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte, bem como é direito de todos receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo e em geral, ressalvadas aquelas cujo sigilo é imprescindível para a segurança nacional. Afinal de contas, é crime o que o pessoal do WikiLeaks fez? Se depender dos EUA, sim!

Ora, a pergunta que deve ser feita no lugar disso é, até que ponto existe, de fato, liberdade de expressão na internet; ou quais são os limites dessa liberdade. Sabe-se que o WikiLeaks prega a liberdade de informação e o direito que tem qualquer cidadão no globo terrestre de saber o que os governos estão fazendo. "A verdade vos libertará", pode ser dito no  versículo bíblico, e é como profeta da informação que Julian Assange se valeu do WikiLeaks para transformar a função de hacker numa atividade oficial.O hacker deixou de ser aquele criminoso virtual tradicional, piolho da computação, que agia irresponsavelmente e malignamente, como um verdadeiro "assaltante de dados", invadindo redes de computadores para instalar vírus destruídores ou para roubar senhas de bancos e cartões de crédito. O hacker do novo milênio também pode ser um revolucionário,  um terrorista de dados, um "Che Guevara" da internet (como agora se porta Assange),e nessa condição, martirizado por sua injusta prisão por determinação da justiça sueca, Julian Assange agora "paga o pato" por se valer de seus conhecimmentos para revelar os podres de governo e corporações. Pergunto se relamente é maldosa a função de quem quer, numa guerrilha virtual, denunciar as sacanagens e a podridão dos governos ditos civilizados.

Através do WikiLeaks, por exemplo, pôde-se ficar sabendo das torturas e do abuso de direitos humanos na ocupação norte-americana no Iraque, os erros do exército do Tio Sam matando civis por engano no Afeganistão, bem como a legitimação de todo tipo de arbítrio e barbárie em prol da chamada guerra ao terrorismo. Pelo site de Assange pudemos descobrir que nenhum governo ocidental é realmente civilizado e bonzinho, e que muito da águia predadora, presente na ideologia de poder wasp norte-americana, ainda está por debaixo do carisma e do sorriso do presidente Barack Obama.

Não ia demorar muito para que Julian Assange fôsse considerado o inimigo público nº 1 das potências globais. Com seu jeito a la David Bowie, com um porte andrógino de replicante tirado do filme Blade Runner, o australiano loiro,  de 39 anos, conhecido por não viver em lugar nenhum, e ao mesmo tempo em todos os lugares, munido de seu inseparável notebook, sempre pronto a destilar mais notícias arrasadoras sobre as picaretagens dos grandes governos, agora é vítima de uma trama cinematográfica, uma acusação estapafúrdia de estupro e abuso sexual, que nem tem previsão na legislação penal brasileira. Afinal, como responsabilizar um cara por estupro, só porque a camisinha dele estourou e ele não quis colocar outra, continuando a transa? Pelas notícias que saem na imprensa, tudo indica que o criador do WikiLeaks foi, sim, vítima de uma perniciosa armação, montada sob o roteiro dos melhores filmes de James Bond. O governo dos Estados Unidos (principalmente o Pentágono e sua Secretaria de Estado) já queria há muito tempo pegar o cara, ficando ele praticamente proibido de pisar no solo norte-americano para não ser preso, e, mediante as revelações da última semana, que colocaram em maus lencóis a diplomacia norte-americana praticamente em todo o mundo, parece que o caldo entornou de vez para o ex-hacker que virou preso político global.

A doutrina Bush, de triste memória, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001,  pregou a inclusão de um modelo de Estado policial a ser seguido em escala planetária, sob os auspícios da propalada "guerra ao terror". Sob o argumento do combate ao terrorismo global, movimentos sociais são atacados, meios de comunicação são silenciados e seus idealizadores presos. É um flagrante atentado a direitos fundamentais universalmente válidos, como a liberdade de expressão e a livre manifestação da opinião, punir donos de meios de comunicação ou escritores de sites, que democraticamente estabelecem suas críticas e revelam erros de governos, uma vez possuindo informações revelantes a mostrar ao público, graças a seus contatos e fontes. Remar contra isso é chancelar um velho modelo imperialista e autoritário, digno dos mais decadentes impérios, e de uma estratégia totalitária que remonta ao período do nazifascismo. Por isso que sou contra a prisão de Assange mesmo que, alegadamente, seu aprisionamento tenha ocorrido por motivos meramente criminais, e que supostamente nada tenha haver com sua atuação política na linha do frente do WikiLeaks ( o que não é verdade!). Acredito piamente que o aparato penal do Estado foi usado de forma oportunista, com claros interesses políticios, no sentido de responsabilizar criminalmente alguém, só para retirar um ser indesejável do circuito, mandando um subliminar recado: "comigo, ninguém pode!".


Se o sigilo das informações confidenciais de um Estado é necessáro para manter a segurança jurídica das instituições e a estabilidade dos regimes políticos, também é verdade que é um direito constitucional, e um direito universalmente válido, a liberdade de expressão, informação e opinião. Não foi Assange ou seus pupilos que quebraram os segredos do exército e das embaixadas norte-americanas, mas sim pessoas que fazem parte do próprio governo, de dentro da administração yankee. São ex-militares, diplomatas, agentes e espiões que decidiram abrir o bico, e por conta da profissão, poderiam ser processados, certamente, mas isso nunca poderia servir de pretexto para silenciar um órgão de imprensa, que divulga na internet informações de órgãos públicos que foram vazadas. A prisão de Assange cria um precedente perigoso, pois através dela, pode-se abrir a possibilidade de se mandar prender qualquer dono de site, blogueiro, jornalista ou proprietário de jornal, que venha a divulgar informações que comprometam operações sigilosas (mesmo que ilegais e criminosas) de governos. O que fazer quanto às denúncias de tortura, corrupção, ineficiência administrativa, demagogia, oportunismo e descoberta de mentiras, no momento em que seus divulgadores forem penalizados? O problema do WikiLeaks, tomado de assalto por uma série de represálias, que vão desde o encerramento de sua hospedagem em sites famosos e suspensão do envio de doações por empresas de cartão de crédito, até a prisão de seu criador e principal expoente, é que na contraofensiva global de determinadas organizações contra o monstro transnacional de interesses capitalistas, militares e corporativos, pode-se revelar que o Davi dos movimentos sociais ainda não está preparado para golpear de morte o Golias estatal. Por isso, somo-me ao coro dos descontentes e dos defensores da liberdade de expressão, gritando bem alto: FREE!! FREE ASSANGE!! ASSANGE FREE!!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

ATIVISMO JUDICIAL: A "juizite" como deficiência do aparato judicial

Sabemos que existem magistrados com "M" maiúsculo e "m" minúsculo. A magistratura é uma das mais imponentes funções do Estado desde os gregos, ganhando sua face remota com o serviço dos pretores na Roma Antiga. É bem verdade que naquela época os juízes eram bem diferentes, e somente após a Idade Média e o fim da supremacia do Direito Canônico, com sua jurisdição eclesiástica, é que vimos no Iluminismo o surgimento da magistratura moderna. O juiz não era mais apenas um mero representante do rei, um pau-mandado, a quem cabia reproduzir as normas do sistema, como um mero bouche de la loi (a "boca da lei"), numa expressão muito famosa, empregada por Savigny. Na era moderna nos acostumamos a ver a imagem do juiz monocrático, mas dinâmico; dos tribunais galgados à condição de atores políticos sinceros, como é feita até hoje a escolha dos membros das supremas cortes, e vemos o juiz atuando agora como um ativista, um militante da sociedade e das causas democráticas, sempre pronto a defender os fracos e oprimidos dos abusos de outros indivíduos ou do Estado. O juiz passou a figurar como um "Nicholas Marshall moderno" (lembrança ao antigo personagem de seriado da TV, que se portava como juiz durante o dia, e justiceiro à noite, encarando o crime de forma diferente como fazia nos tribunais). A magistratura mudou com o passar do tempo, face a evolução histórica do direito e da sociedade. E isso faz parte das regras do jogo!

Li recentemente a clássica obra de Dworkin, O Império do Direito,  notável e célebre jusfilósofo  norte-americano, um dos grandes nomes do pensamento jurídico moderno, assim como é também seu colega de vida acadêmica, o magistrado e professor Raul Eugênio Zaffaroni, ministro da suprema corte Argentina e louvado juspenalista. Na juventude, Dworkin trabalhou muitos anos na assessoria de juizes e tribunais, sendo um profundo crítico e teórico sobre o papel da magistratura. Na escrita de Dworkin posso ver a solene referência aos juízes, como os soberanos do direito. Ora, para Dworkin, se os tribunais são os palácios do direito, os juízes são os seus príncipes.

Temo que alguns ilustres e estudiosos bacharéis em direito compreendem mal a asssertiva de Dworkin ou interpretam de forma bem limitada a frase acima, comportando-se mais como reis autoritários e absolutistas, do que como efetivos representantes do Estado Demócrático de Direito. Acredito que os cacoetes do positivismo júrídico e do formalismo-individualista do Estado liberal-burguês contribuíram para isso; mas não deixo de notar a forma quase egoística como alguns magistrados se apegam ao cargo, e ao entender de forma incompleta ou parcialmente distorcida o direito, acabam por utilizar as leis e as prerrogativas que elas lhes conferem, para se transformarem em verdadeiros monstros togados a assombrar os operadores jurídicos. Já tivemos nossos "Lalaus" e Rocha Matos da vida, mas, independente dos juízes vendedores de sentença, estes sim autênticos criminosos de colarinho-branco, temo muito mais aqueles qeu julgam mal não porque estejam comprometidos com a corrupção ou envolvidos em atividades criminosas. Temo os juízes que julgam mal por ideologia!

Uma amiga minha, jovem advogada, reclama que em sua experiência forense, os juízes de sua comarca atuam como se fossem chefes dos advogados. Não obstante o Estatuto da OAB prever que não existe hierarquia alguma entre promotores, juízes e advogados, e que todos eles devem se comportar junto ao outro de forma respeitosa e civilizada, entendo que muitos juízes ainda se acham superiores: seja por que estudaram mais, e passaram num rigoroso e extenuante concurso; seja porque agora exercem um cargo de autoridade, de notável e reconhecido status social. Sei disso, porque já advoguei, e quando jovem percebi bem a empáfia de certos senhores, apesar de já ter encontrado também nobres e muito dignos profissionais do direito, presentes na magistratura. Creio que o machismo, o racismo, o preconceito social, o reaçonarismo, o conservadorismo latente e a arbitrariedade, não sejam atributos apenas de juízes ou de outras autoridades do Estado, mas estejam presentes em diversos setores e profissões de nossa sociedade. Mas o quão impactante é para mim pensar que vivemos num regime democrático, num Estado Constitucional de Direito, e ainda podemos ver tantos abusos, desmandos e ilegalidades cometidas em prol do direito, por aqueles a quem o direito deveria ser alvo de sua proteção.

Ouvi falar que um certo juiz, famoso pelas decisões de sua lavra, ao contrário de ser um ferrenho defensor da constitucionalidade ( como que lhe compete por força constitucional, pois o Judiciário é o responsável pelo controle difuso da Constituição), acabou por cometer atos flagrantemente inconstitucionais, como a determinação da identificação criminal de suspeitos de crimes, sem que sequer inquéritos tenham sido instaurados contra essas pessoas. É o primeiro (e grave) sintoma de uma doença que ataca a magistratura, principalmente a brasileira, a "juizite", o descambo para o abuso de autoridade, o uso da toga como símbolo máximo e onipresente de poder, não do Estado, não da sociedade, não da lei, mas de uma pessoa, de um ser togado, que se acha acima do bem e do mal.

Há alguns anos, conheci num encontro do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), em São Paulo, um juiz do Maranhão, que por mais simpático, falante e brincalhão que fosse, revelou-me algo bem típico daquilo que os sociólogos do direito e a criminologia crítica entendem como "metanorma"; ou seja, uma forma pré-concebida de julgar, baseada muitas vezes em estereótipos ou estigmatizações. Ele me disse em tom de galhofa, que costumava já atribuir a pena do condenado, antes do julgamento, só de olhar pra ele. Disse-me que quando via o sujeito entrar na sala de audiências, pela cara dele, ele já calculava em sua mente: "esse vai pegar 12, 20, 30 anos", e que fazia isso sem cerimônia, porque, no entender dele, após as diversas firulas da acusação e dos advogados de defesa, ele já tinha sua sentença definida na cabeça.

Posso citar diversos outros casos, como o de um juiz do trabalho que mandava ficarem calados os advogados, pois não admitia questionamentos em suas audiências; ou de um juiz famoso pela peculiaridade como atendia belas advogadas, principalmente se elas estivessem bem vestidas, perfumadas e maquiadas, usando minúsculas saias ou vestidos, enquanto a fila de causídicos empacava no corredor judicial. Ainda me recordo de outros juízes, parciais até as sandálias, ao concederem liminares para ricos empreendedores ou latifundiários, egressos de sua mesma classe social, seja para conceder alvarás de soltura em processos criminais, ou para determinar a desocupação de terras e bens imóveis, na expulsão de sem-teto ou trabalhadores do campo. Dura lex sede lex, poderão dizer muitos deles. Pois é, a lei é dura, mas não pode endurecer o direito!

A juizite é um dos principais males de nossa democracia. Um rebento autoritário nascido antes do apogeu de nossas ditaduras, formado numa sociedade estratificada, fechada, excludente, totalitária, segmentada e tradicionalista, que se era adequada no mais visível feudalismo, não mais se coaduna com a realidade dos dias de hoje. É impressionante ver o quanto alguns senhores julgadores são cegos quanto ao desenvolvimento de fenômenos sociais, quanto à crise e a falência de modelos estatais ultrapassados, e o quanto continuam a fundar suas decisões muito mais pautados por opiniões pessoais ou preconceitos, do que propriamente numa visão real e holística das situações fáticas e dos fenômenos jurídicos. Não dá pra se resolver o problema da segurança pública, por exemplo, da morosidade da persecução penal e do encalhe de inquéritos policiais nas delegacias, tão e simplesmente atribuindo multas a delegados, pela não conclusão dos prazos, como se eles fossem os únicos responsáveis pelo desmantelamento de uma estrutura estatal que tem pouco a oferecer, para quem quer realmente solucionar delitos. É impressionante a dissonância, discordância e receio que alguns membros do Ministério Público tem ao se relacionar com os juízes, na obtenção de mandados de prisão, busca e apreensão ou escutas telefônicas, pela visão totalmente monolítica que tem alguns doutos julgadores, de considerar que somente sua opinião é a que basta, e que quem manda no processo é ele, por ser o responsável por seu julgamento.

A juizite é totalmente diferente do espírito da magistratura. Este sim, digno de nota e respeitável como um autêntico princípio do direito, norteador da atividade dos juízes numa democracia. O espírito da magistrura norteia a arte de julgar, com sabedoria, acuidade social e compromisso ético. Os juízes não são apenas mandantes de ordens, magnânimas autoridades encasteladas no ar-condicionado de seus gabinetes ou salas de audiência. Os juízes, para Dworkin, são autênticos autores de transformações sociais, judicializam a política; mas isso não se confunde com os desmandos autoritários ou com o ativismo típico daqueles que se consideram o próprio direito, e, como dizia meu professor no doutorado, o célebre jurista Lenio Streck: " não pode um juiz pé de chinelo querer virar um município de cabeça pro ar, por conta de uma liminar". O juiz não deve se ater somente à frieza do Código, mera ferramenta, ou a solução anódina proposta pela legislação extravagante. O bom "juiz Hércules", proposto por Dworkin, deve ser aquele paladino da justiça, que conhece a realidade social, pois se considera inserido nela. É sabedor dos meandros e da crise do Estado, e por isso é capaz de inovar com decisões inteligentes, que tem o dom de melhorar e não de piorar as précarias condições do sistema estatal. É sobretudo o representante de homens e mulheres, de crianças e velhos, de saudáveis e enfermos, de negros, brancos e pardos e todas as classes e segmentos sociais. O juiz soberano é aquele que entende, permeado pelo espírito da magistratura, que as melhores decisões podem ser dadas pela equidade, pela justa medida, de acordo com seu entendimento e sensibilidade acerca do real quadro de caos social.

Acredito sim numa nova ordem social mais justa, com justos e sábios juízes, pois apesar da tristeza de ter me deparado com muitos magistrados ruins, tive também o prazer e a gloria de conhecer e interpretar os julgados de fabulosos julgadores. A juizite tem sim, cura, e a cura para tal enfermidade ideológica talvez seja o incentivo ao amplo debate, ao estudo realizado com afinco na beleza da ciência jurídica, e no conhecimento filosófico da política e do Estado. Acredito que cada colega juiz que faço, nos cursos de pós-graduação em direito ou ciências sociais, interessado muito mais na mais fina discussão sobre assuntos do direito, do que no aumento de seu contracheque e nos benefícios corporativos de sua categoria profissional, nos jantares de seus semelhantes, é uma lufada de esperança nova que me vem ao pensamento, no projeto revolucionário de transformação do direito. Bem aventurados sejam os sedentos de justiça, pois serão saciados, já dizia o versículo bíblico. Bem aventurada a Justiça brasileira quando se ver liberta dos males da juizite. Um grande abraço aos grandes e verdadeiros juízes, cujas decisões são cumpridas não só por obediência à legalidade, mas, sobretudo, pelo reconhecimento da legimitidade do julgador! Juiz bom não é o que manda, é o que escuta!

domingo, 5 de dezembro de 2010

OCUPAÇÃO DE MORROS E FAVELAS NO RIO: O que há por trás dessa guerra ao crime?

Vejo estampado em todas as revistas de circulação nacional a extensa operação policial desenvolvida no Rio de Janeiro, na ocupação da favela da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, em resposta às ações criminosas dos últimos dias na cidade, supostamente desencadeadas por lideranças do tráfico de drogas, insatisfeitos com o sucesso das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), instaladas nos morros cariocas e com a atuação enérgica do governo do Rio contra o crime, nas mãos do governador Sérgio Cabral e de seu insubstituível secretário de segurança, José Mariano Beltrame. Afirmou-se em cadeia nacional, em manchetes de jornal e durante todos os dias, numa cobertura extensa da mídia e dos canais de televisão, que o Rio de Janeiro havia vencido a guerra contra o crime.

Como numa ação militar bem sucedida, pudemos ver, nas telas de TV, soldados triunfantes cravando no território ocupado a bandeira do país e do estado do Rio de Janeiro, onde antes funcionava uma boca de fumo ou um reduto de traficantes. Presenciamos nos telejornais jovens traficantes acuados, alguns humilhados, cabisbaixos, ao lado de seus perseguidores, tendo que mostrar seus olhares distantes e desnorteados para a alegria da patuléia, que adora viver de pão e circo. Vimos centenas de tanques e blindados cedidos pelo exército e pela marinha, viaturas, armas pesadas, helicópteros, policiais fortemente armados e bandidos correndo em disparada, numa impressionante cena que parecia ter sido tirada de algum conflito no Oriente Médio ou no Golfo Pérsico: centenas de marginais e traficantes correndo por valas e estradas de barro, desesperados, ante a atuação da polícia e do efetivo bélico do Estado, acuados como baratas expulsas de um bueiro, tentando escapar incólumes do verdadeiro "inseticida" estatal, sob a forma de bombas, metralhadoras, fuzis, pistolas e baionetas. Literalmente ao se falar de guerra contra o crime, o governo do Rio de Janeiro fez com que a cidade maravilhosa se transformasse num cenário bélico. Definitivamente, a tese do Direito Penal do Inimigo foi aplicada a ferro e fogo, contra aqueles considerados inimigos do Estado e da sociedade. Mas toda guerra tem seus indesejáveis efeitos colaterais.

Deixando o discurso fanfarrão e maniqueísta da revista Veja e fora da farra midiática promovida pela TV Globo, procurando mostrar o governador do Rio, seu secretário e toda a polícia carioca como intrépidos servidores públicos, defensores da lei e da ordem contra maléficos marginais, eu tenho aqui comigo algumas teorias conspiratórias, que, se não passam de besteiras ou delírios de alguém com uma forte imaginação, pode ser que façam algum sentido, diante da realidade caótica experimentada pelo Rio de Janeiro nos últimos dias.

Em primeiro lugar, pergunto-me se a violência que acossou o Rio nos últimos dias não foi uma de várias, senão de centenas de ocorrências que envolvem tumulto, quebra-quebra, assaltos, incêndios criminosos de carros e ônibus, tão somente feito por bandidos para chamar a atenção das autoridades. Ora, no Rio de Janeiro, periodicamente é possível ver a ação conjunta e organizada de marginais. O Rio de Janeiro aprendeu cedo a conviver com o crime organizado. Seja na ditadura, sob os tempos de formação do Comando Vermelho, seja nos lenientes governos de Brizola e Garotinho, além do desastre administrativo e das trapalhadas do governo tucano de Marcelo Alencar. Nem mesmo no governo de Moreira Franco (do PMDB do atual governador, Sérgio Cabral), o poder público foi pego de surpresa ou de calças curtas, ao lidar com o complexo sistema de formação da criminalidade no Rio de Janeiro. O Rio não tem nada mais de diferente do que algumas metrópoles, tais como: São Paulo, Bogotá, Cidade do México ou Nova York. Em todos esses lugares há crimes, em todos há traficantes e se desenvolve o crime organizado. Mas no Rio, há a necessidade, vira e mexe, de se colocar efetivos fardados nas ruas. A presença militar (mais do que policial) como um extremo ranço militarista do Estado brasileiro, configura-se na realidade da ação estatal no tocante à segurança pública do Rio. E se tanques, blindados e rapagões fortemente uniformizados não aparecem, aí não se tem combate ao crime.

Surge a fome com a vontade de comer! Um governo que sabe que não é novidade a ação dos bandidos, e que dispõe de um aparato repressivo e militarizado, totalmente a sua disposição, no momento em que o sinal de alerta acende e se anuncia a hora de botar o bloco do terror na rua. Sob a lógica do governante é importante mostrar quem manda de verdade, e no retorno do Leviatã, representado pela poderosa bota estatal, urge que comunidades inteiras, repletas de seus desajustados e marginais, saiba quem é que vai entoar o coro da lei e da ordem. É isso mesmo! Lei e ordem a qualquer preço!Paz, só que a paz no sentido da pax romana de obter o consenso pela obediência, pela subjugação, pela derrota do inimigo epor sua completa subjugação diante do terreno ocupado. Sem meias palavras: a paz se consegue pela guerra.

Porém, sinto que a política criminal "pacifista" adotada pelo governo do Rio não tem por objetivo principal atacar o problema do tráfico de drogas, mas sim seu mais deletério efeito colateral: o tráfico de armas. A meu ver o problema do Rio nunca esteve diretamente relacionado ao tráfico, já que sempre se traficou na cidade maravilhosa. O problema do Rio são as armas carregadas para as bocas de fumo e sedes das quadrilhas, grupos e líderes que sustentam o comércio ilegal de drogas, e que com isso transformam seus barracões em verdadeiros bunkers, com um arsenal repleto de fuzis, granadas e metralhadoras; reproduzindo bem a cultura belicista já desenvolvida na segurança pública fluminense, para lidar com o fenômeno criminal.

O problema de toda intervenção bélica é que ela gera sempre o risco de efeitos colaterais indesejados como a perda da vida de civis, e o completo desrespeito a direitos fundamentais. Num cenário de guerra, casas são invadidas, pessoas recebem balas perdidas ou safanões de soldados, porque (pela sua condição de pobres) são identificados como suspeitos, além de imóveis e estabelecimentos serem destruídos. O pequeno patrimônio de muitos vira poeira debaixo de uma saraivada de armas de grosso calibre, com o uso de granadas, tiros, explosões e a destruição de casas, ruelas e pequenos pontos comerciais. Na guerra confunde-se autoridade com força, e é somente pelo emprego da brutalidade, no exercício dessa força, é que se consegue aniquiliar ou desestabilizar o inimigo. Na lógica de video game dos defensores de medidas severas e coercitivas contra a bandidagem, no melhor estilo law & order, violência se responde com violência.

Diz-se pela mídia que o objetivo principal dos bandidos, ao queimarem carros e atacarem postos policiais, nos dias que antecederam à megaoperação que resultou na ocupação do Complexo do Alemão, foi o de atingir as UPPs. Ora, conveniente foi agora a ocupação extremamente midiática, de um efetivo exército em um dos grotões mais emblemáticos da criminalidade no Rio, para que se reivindique, com bem menos atraso do envio de recursos, a instalação de uma UPP nos locais atualmente ocupados. Para mim, pareceu uma jogada de mestre após o período eleitoral, ter tantos criminosos cometendo a burrice de mobilizar todo o aparato repressivo do Estado contra si próprio; justificando de imediato à implementação de mais recursos e repasses do governo federal, para que as novas UPPs sejam instaladas em tempo recorde. Parece-me que acabou se tornando uma boa ideia colocar soldados, blindados e armamentos nos morros cariocas, como uma forma de manter a presença desses efetivos naqueles lugares, sem cometer os erros de outrora, baseados na tática de ocupação e posterior retirada imediata.  Num primeiro momento, parece razoável que a população queria soluções espartanas, a fim de seja debelado o cotidiano de tiroteios, terror e desmandos de traficantes. Porém, não é só disso que a população pobre, trabalhadora e favelada do Rio deseja, visto que até uma criança de 10 anos, que frequenta o período letivo escolar, sabe que não é só polícia que vai trazer pão, carne, água, gás de cozinha, esgotos, médicos, remédios, enfermeiros, professores e empregos para as comunidades do morro.


As UPPs são uma experiência padrão por que definitivamente deram certo, dentro de sua proposta de ocupar militarmente para pacificiar. Isso não é novidade e durante muitos governos anteriores ao atual, diversos teóricos e pesquisadores já se debruçavam sobre táticas adequadas de ocupação dos morros cariocas, a fim de reduzir os índices de violência e criminalidade. As UPPs são muito boas nisso, no tocante a reduzir o clima de violência e insegurança, dando uma sensação maior de tranquilidade ao morador da comunidade suburbana carioca; mas não devem se resumir a isso. Como bem disse o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL do RJ), se é para o Estado manter uma tática militarizada a fim de lidar com a criminalidade, já que a ocupação se iniciou, não dá mais para voltar atrás. Entretanto, somente o emprego da força com o uso da violência estatal para expulsar traficantes, não será suficiente para reduzir os graves problemas sociais e de inércia governamental, que fizeram crescer a violência e a criminalidade no Rio de Janeiro. É apenas o primeiro passo, de uma caminhada que deve ser feita várias vezes. Conforme artigo da criminóloga e professora da UNIRIO, Elizabeth Sussekind, o ideal para os traficantes que se encontram no morro é a rendição, antes da ocupação, pela possibildade que o Estado tem a oferecer legitimamente a quem deve ser responsabilizado por seus atos, de se entregar e se sujeitar à persecução estatal, com a garantida do devido processo legal e de um julgamento justo. Teimo em dizer que o que vence a violência é muito mais um trabalho de inteligência do que de uso da força. E não tenho a menor vergonha de expor esse ponto de vista, mesmo debaixo de uma saraivada de críticas, de quem acredita que problema de bandido tem que ser resolvido na porrada mesmo.


Não sou contra as UPPs, pelo contrário, e nem sou contra a atual intervenção policial do governo carioca, com as espetaculares cenas de vitória, numa ocupação estatal de um terreno minado pela criminalidade, e que viu a luz do dia seguinte raiar num mar de tranquilidade. O que critico é o uso demagógico disso, na afirmação de que foi vencida uma luta contra o crime e que a via militar é a melhor solução no combate à violência criminal. Na verdade, como já disse, desconfio muito dos preparativos dos atos criminosos realizados no Rio após a eleição, e a imediata (e eficiente) repressão do aparato estatal, logo que tais fatos aconteceram. Diferente do quadro aterrador de total inércia em São Paulo, quando o governo paulista foi realmente pego de surpresa e assistiu atônito as ações criminosas do PCC, no Rio de Janeiro não me saí da cabeça que a secretaria de segurança já tinha um script montado, pronto para ser aplicado, assim que estouraram os primeiros focos de violência, supostamente atribuídos ao crime organizado. Não foi à toa que a megaoperação da polícia carioca foi feita para se tornar manchete nos jornais do mundo inteiro, principalmente na época e para um país que abrigará uma Copa do Mundo, e uma cidade que será sede de uma vindoura Olimpíada.

Chamem-me de chato humanista, mas ainda prefiro me somar ao coro (minoritário?), de integrantes da sociedade que vê a operação da polícia do Rio não com descrédito, mas com cautela. Acima de tudo, defendo a manutenção dos direitos fundamentais dos moradores dos morros e sou completamente contra qualquer tipo de abuso ou arbitrariedade, sob a justificativa de se estar fazendo uma "guerra ao crime". Nesse sentido, tomei a liberdade de transcerver abaixo manifesto da Associação de Juízes para a Democracia (AJD), lançada recentemente, de acordo com os últimos acontecimentos vivenciados no quadro de violência que se deu no Rio de Janeiro. Em relação ao que pregam os dignos magistrados (com "M"maiúsculo) que integram a citada associação, estou com eles e não abro, quanto à condenação de quaisquer atos abusisvos que possam surgir no exercício do poder de polícia do Estado, no tocante à iniciativa governamental de ocupação dos morros cariocas. POLÍCIA SIM! ARBITRARIEDADE, NUNCA! Com vocês, a palavra da AJD:

"À MARGEM DA LEI TODOS SÃO MARGINAIS
A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental
e sem fins corporativos, fundada em 1991, que tem por finalidade
estatutária o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do
Estado Democrático de Direito, em consideração às operações policiais e
militares em curso no Rio de Janeiro, vem manifestar preocupação com a
escalada da violência, tanto estatal quanto privada, em prejuízo da
população que suporta intenso sofrimento.


Para além da constatação do fracasso da política criminal relativamente
às drogas ilícitas no país, bem como da violência gerada em razão da
opção estatal pelo paradigma bélico no trato de diversas questões
sociais que acabam criminalizadas, o Estado ao violar a ordem
constitucional, com a defesa pública de execuções sumárias por membros
das forças de segurança, a invasão de domicílios e a prisão para
averiguação de cidadãos pobres perde a superioridade ética que o
distingue do criminoso.
A AJD repudia a naturalização da violência ilegítima como forma de
contenção ou extermínio da população indesejada e também com a abordagem
dada aos acontecimentos por parcela dos meios de comunicação de massa
que, por vezes, desconsidera a complexidade do problema social, como
também se mostra distanciada dos valores próprios de uma ordem
legal-constitucional.
O monopólio da força do Estado, através de seu aparato policial, não
pode se degenerar num Estado Policial que produz repressão sobre parcela
da população, estimula a prestação de segurança privada, regular e
irregularmente, e dá margem à constituição de grupos variados
descomprometidos com a vida, que se denominam esquadrões da morte, mãos
brancas, grupos de extermínio, matadores ou milícias.

Por fim, a AJD reafirma que só há atuação legítima do Estado, reserva da
razão, quando fiel à Constituição da República."

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

POLÍCIA E SOCIEDADE: Será que sociólogo ou militante dos direitos humanos não gosta de polícia?

Passei quase 3 anos no Rio Grande do Sul,  fazendo meu curso de doutorado, e lá tive a grata oportunidade de lecionar aulas para uma turma de policiais (militares e civis) da polícia gaúcha, graças a um convênio da instituição de ensino que me convidou, com o PRONASCI (Programa Nacional de Segurança e Cidadania, do governo federal). Foi uma boa experiência, e lá tive a oportunidade de estabelecer um franco debate com os integrantes das corporações policiais, sobre as relações (muitas vezes, tumultuadas) entre a polícia e a sociedade civil.

Recordo-me de um artigo publicado no jornal Zero Hora, de autoria do jornalista, sociólogo,professor e militante dos direitos humanos, Marcos Rolim. Rolim já tinha sido deputado pelo PT gaúcho, e ainda hoje é um dos mais conceituados e respeitáveis debatedores no país acerca dos direitos humanos e da questão carcerária. Não obstante sua atuação militante na área, não raro o cara é vítima de críticas por parte de setores das polícias, e por segmentos conservadores, defensores dos discursos de lei e ordem, que não gostam da acidez da escrita e das críticas profundas que o professor faz contra os abusos, a violência policial e as deficiências do aparato de segurança pública no país.

Pois bem! Li um artigo curioso, que expunha um caso que acabara de ser enviado à apreciação disciplinar do comando da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, envolvendo policiais militares que estavam numa viatura, e ao atravessarem a faixa de pedestres, no momento em que um pedestre vinha passando, foram repreendidos por ele. Os policiais não gostaram do tom indignado com que o pedestre repreendeu os policiais, pois este teria dito: "policial, tem que dar o exemplo, tem que parar na faixa". Isso foi motivo para que o sujeito fosse "convidado" a entrar na viiatura, e depois de muitas voltas, num passeio nada amistoso no carro da polícia, e debaixo de ameaças, muita agressão e xingamentos, o rapaz foi finalmente liberado. Ao ler isso em sala de aula, seguiu-se uma baldúrdia dentre alguns alunos policiais que se encontravam presentes, e um se adiantou, pelo fato de conhecer os policiais envolvidos e participar do acompanhamento do processo administrativo gerado com o fato, partindo em defesa de seus colegas de farda. Os argumentos foram os mesmos que eu já havia encontrado na mídia e na declaração de alguns comandantes quanto à atuação do jornalista e acadêmico gaúcho: Rolim não gostava da polícia e por isso fazia questão de desmoralizar a corporação em seus artigos de jornal.

Corto o episódio para recordar do livro que tornou célebre o antropólogo carioca e ex-subsecretário de segurança do Rio de Janeiro, Luiz Eduardo Soares, no seu livro autobiográfico: Meu Casaco de General, contando sua experiência na conturbada segurança pública do Rio, no governo de Antony Garotinho. Soares também foi vítima de perseguições. Muitas delas por denunciar a "banda podre" da polícia civil, e por isso teve que passar um ano exilado com a família nos Estados Unidos, com medo de represálias. Já no Rio Grande do Norte, o ativista dos direitos humanos Roberto Monte, vive até hoje com proteção especial, tendo em vista sua atuação maciça na denúncia dos esquadrões da morte e grupos de extermínio na polícia potiguar, que rendeu até reportagem marcante na revista Trip. Voltando ao Rio de Janeiro, podemos ainda citar a figura do deputado do PSOL, Marcelo Freixo, o mais votado nas últimas eleições na terra fluminense. Ele também, um notório ativista e militante dos direitos humanos, retratado no filme de José Padilha, Tropa de Elite 2, através do talentoso ator Irandir Santos, foi vítima de críticas por toda sorte de membros de corporações policiais e jurado de morte pelas milícias, que insiste em denunciar e combater. Vejo pontos em comum nesses personagens :são todos intelectuais e interlocutores da sociedade civil, que entraram em choque com o pensamento dominante nas polícias brasileiras, e são tidos por muitos policiais como inimigos de suas corporações.

Agora me pergunto, ao ver no twitter algumas frases do deputado Freixo acerca da atuação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), colocadas hoje como a "menina dos olhos" da segurança pública nacional e carro-chefe da reeleição vitoriosa do governador Sérgio Cabral, como é fácil dizer que o deputado é contra uma experiência bem sucedida, que tirou do Rio a pecha que tinha durante anos de cidade violenta e ingovernável. Freixo não se insurge contra as UPPs, mas estabelece uma arguta crítica de que, tais unidades foram muito mais criadas sob o calor imediatista da proximidade de uma Copa do Mundo vindoura, e da consecutiva olimpíada a se realizar na cidade maravilhosa, do que num projeto real de reforma da segurança pública, num ambiente devastado pela criminalidade e violência. Questiona Freixo no twitter se as UPPs servem para um projeto de segurança pública ou para um projeto de cidade, e se sua instalação nos morros cariocas não teria mais haver com a produção de obediência do que com a promoção de segurança. Recordo de um debate em que participei no mês passado na UNIRIO, junto com o brilhante sociólogo da UERJ, Ignacio Cano, em que questionamos o papel das UPPS, e se sua função "pacificadora" não tinha muito mais relação com a pacificação bélica, exercida pelos efetivos miltares ao ocupar o território inimigo, do que com uma ação efetiva de políticas públicas a serem realizadas pelo Estado. Afinal, necessariamente, com o terreno hostil ocupado após muito tiroteio, é natural que a paz surja como consequência, pela derrota do inimigo.

Em todos os quartéis, postos policiais e delegacias, é comum ver comentários de policiais insatisfeitos, sentindo-se injustiçados diante do olhar crítico de estudiosos que, pelo fato de estarem trancados em suas salas de aula, nos bancos das faculdades, não conhecem nem um terço do sofrimento e das agruras de quem vivencia o cotidiano perigoso e arriscado da atividade policial. Quanto aos sentimentos de revolta e frustração, não tiro a razão dos policiais. Somente vejo que talvez sua ira esteja voltada para os destinatários errados, pois o problema da polícia não está com os sociólogos e nem com os militantes de direitos humanos. O problema está no próprio Estado.

Entendo, não só como integrante (ainda) de uma corporação policial, mas também como acadêmico, professor de ciências criminais que sou, e estudioso da segurança pública, que a antipatia ou implicância de vários policiais contra os estudiosos do tema e defensores dos direitos humanos, acontece de maneira gratuita, pela ignorância de um sistema criminal que quer nos manter na cegueira,  sobre os problemas reais que acometem as corporações policiais. O sistema! Ahh, o sistema! Lá vem o sistema de novo, o velho sistema! Mas é justamente numa crítica em relação ao sistema que podemos encontrar soluções viáveis para os dilemas da segurança pública no país, e não apenas recebendo com o tom raivoso de um Cel. Nascimento do filme (personagem de Wagner Moura) todo militante de causas humanitárias, como um cara chato e oportunista que só quer tumultuar um trabalho violento que tem que ser feito.

Entendo que os militantes das questões carcerárias, como Rolim, revelam as condições desgraçadas dos presídios brasileiros, não para meter o pau nos ilustres representantes da administração carcerária; mas sim para denunciar a realidade desumana de quem deveria ter sido sujeito à medidas sociais preventivas, para que não precisasse ficar engaiolado, e, já que não foi obtido isso, que ao menos o Estado cumpra com sua cota-parte de responsabilidade, conferindo condições mínimas de sobrevivência e convivência, num espaço onde é impossível conviver. Quando vejo deputados como Freixo ou estudiosos como Soares, criticarem as polícias, vejo aí que eles não tem a menor intenção de ofender dignos policiais, homens trabalhadores, que debaixo de suas fardas e coletes, querem tão somente cumprir com o dever que lhes foi conferido, e com isso possam sustentar suas famílias. Na verdade, entendo que os principais críticos das polícias são aqueles que desejam o seu melhor bem-estar, justamente porque acreditam (e defendem) um novo modelo de segurança pública, assim como uma reforma completa do aparato estatal, que não beneficia só as comunidades, mas sim, principalmente, valoriza o trabalho do policial. Quando eu disse em uma sala de aula, que o custo alto de nossos presos era a conta cara que tínhamos que pagar enquanto sociedade, pelos juros contraídos na nossa inadimplência do não aproveitamento de mão de obra precária, no mercado capitalista em que vivemos, quase fui "apedrejado" por bolinhas de papel dentro da classe, porque achava, realmente, que o problema estrutural por que passa a política criminal brasileira, nada tem haver com a personalidade do criminoso, num forçado retorno lombrosiano, mas sim na parcela de culpa da sociedade; pois o crime é, sim, um problema social e não individual!

Enquanto isso, a estratégia midiática ou de uns "tropa de elite" da vida, é mostrar os militantes dos direitos humanos e os estudiosos do problema criminal como frouxos, acomodados e bem servidos intelectuais de esquerda, daqueles que se encontra em mesa de bar no final da aula, egressos da classe média, que não tiveram que encarar bandido frente a frente numa favela, armado de bazuca, tendo que decidir na última hora quem morre ou quem vive. Não entendem nossos dignos companheiros de carreira policial, que a contribuição que é dada pela cátedra, é sim, muito importante no sentido de se pensar o fenômeno criminal; mas, lógico, não é suficiente. Intelectuais não foram feitos para participar do teatro operacional de uma batida policial, assim como policiais não são aqueles que ficam diante de livros, estatísticas e entrevistas, na difícil tarefa de compreender a complexidade das relações humanas, tão depreciadas por conta da degeneração final do convívio social, com a predominância do crime e da violência. Intelectuais e militantes não são juízes, assim como também não são executores, e não compete a eles julgar ou participar de intervenções estatais, quando na verdade são eles apenas os encarregados de desmontar o imenso quebra-cabeças da inconsequência e ineficácia do Estado, em solucionar a luta animalesca do homem contra si próprio, contra o lobo que é o próprio homem.

Acredito que no momento que for possível se realizar uma política criminal séria nesse país, será possível aliar os conhecimentos tanto de intelectuais quanto de policiais, ligando a sabedoria do conhecimento crítico, obtido nas universidades, com a astúcia do conhecimento prático, obtido por muitos policiais, na sua labuta diária de contenção da violência e busca de uma solução nem sempre coercitiva, mas tão importante e tão especial quanto tantas outras atividades estatais. Sem as polícias, os intelectuais são meros pregadores no deserto, e sem os intelectuais, as polícias são somente uma triste massa informe, um bando de homens armados e uniformizados, que diante do menor tiroteio, passam a funcionar como feras assustadas ou raivosas, mas sem uma mínima racionalidade na condução de sua delicada função institucional. Peguemos leve com os intelectuais, assim como peguemos leve com as polícias! Afinal, estamos todos no mesmo barco! 

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

PROGNÓSTICO ELEITORAL: O que pensar da segurança pública com o(a) novo(a) presidente?

O esperado dia 31 de outubro está se aproximando, e com ele a expectativa para a eleição do novo presidente da república. Neste segundo turno da campanha, entre Dilma e Serra, vimos propostas de menos e ataques de mais, com pesadas acusações de uma parte a outra. Creio que a campanha eleitoral do primeiro turno, apesar da iminência da vitória da candidata da situação (que não ocorreu), foi mais bem equacionada quanto à apresentação de propostas pelos candidatos, visto que os temas nacionais foram mais debatidos, e, para aqueles que vivem e se debruçam sobre o tema da segurança pública, o que interessa ouvir nos discursos dos candidatos é de como ficará a realidade do aparato repressivo do Estado após a eleição de outubro.
O que esperar em 2011 e nos anos vindouros com o próximo presidente (seja ele, homem ou mulher) da realidade das polícias  nos estados da federação, por exemplo; ou da superalimentada polícia federal, nos próximos quatro anos? Acerca do piso salarial unificado para as polícias nacionalmente, tomando por base a remuneração no Distrito Federal, ou sobre um Sistema Unificado de Segurança Pública (o SUSP ou SUS da segurança pública) nada ou pouco se falou nessa campanha. Sobre uma possível e futura unificação ou integração elevada entre as polícias civil e militar, não se ouviu nada. Acerca da reinvidicação de maior autonomia funcional ou mesmo independência do Corpo de Bombeiros, mais vinculado à defesa civil do que a segurança, também pouco ou nada escutei. Se formos pensar no que, em termos midiáticos, vem sendo mais debatido entre os dois candidatos a presidente, neste pleito eleitoral, entre a petista Dilma e o tucano Serra, podemos verificar dois temas recorrentes e básicos, respectivamente: UPPs e Ministério da Segurança.

A candidata Dilma falou mais de uma vez em sua campanha, e nos debates na televisão, que iria estender a experiência do governo carioca de criação das chamadas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), para o país inteiro, expandindo a nível nacional a experiência bem sucedida do Rio de Janeiro, que correspondeu ao êxito eleitoral do governador carioca Sérgio Cabral, reeleito no primeiro turno. A proposta de se criar pelotões pacificadores, de policiais militares, ocupando permanentemente os morros e áreas de conflito com a bandidagem, expulsando traficantes e demais criminosos, e restabelecendo a paz sob o calor dos fuzis e baionetas, pareceu ser uma ideia tão aprazível para a mente dos marqueteiros políticos, que, agora, procura-se transferir a vitrine da segurança pública fluminense para o resto do país. Parece que, se o Rio conseguiu obter sua derradeira vitória no combate ao crime, por que não estender isso para o resto do Brasil?

Já o candidato do PSDB, o oposicionista José Serra, defende a criação de um Ministério da Segurança. A exemplo de propostas anteriores que previam a criação de uma Guarda Nacional , agora o candidato tucano prega como prioridade a criação de um ministério que centralizaria as ações de segurança, hoje distribuídas autonomamente entre os estados, tendo em vista a previsão constitucional da organização das polícias. Tal órgão federal se constituíria numa instituição de apoio e formulação de diretrizes gerais para as polícias no Brasil, não muito diferente do que faz hoje o Ministério da Justiça; mas, sob esse pomposo título, espera o candidato Serra, como futuro presidente, debelar o problema da segurança pública através de seu superministério dedicado ao combate ao crime (principalmente a criminalidade de fronteira, tão criticada por Serra em seu discurso na campanha, acusando a leniência do governo federal no tocante às drogas e armas provenientes da Bolívia e do Paraguai, respectivamente).

Entretanto, se os dignos candidatos me permitissem uma intromissão estratégica, e do alto de seus milhões de votos pudessem escutar um pobre militante  e estudioso da segurança pública, com seu humilde e mau lido blog sobre temas correlatos à area, eu poderia dizer que as duas propostas principais apontadas pelos candidatos fogem das questões fundamentais que afetam a crise do modelo de segurança pública no país, e necessitam ser reformuladas, caso queiram realmente atingir e resolver essas questões primárias a que me referi.

Em primeiro lugar, quando a candidata Dilma defende a expansão nacional das UPPs, ela se esquece (ou seus assessores se esqueceram de avisá-la) que o modelo de intervenção policial desenvolvido no Rio de Janeiro nos últimos anos, sob os auspícios do governo pemedebista de Sérgio Cabral (baseado outrora na experiência de Bogotá e Medellin, na Colômbia), é muito mais próprio e adequado à realidade da "cidade maravilhosa" do que a qualquer outra metrópole ou grande centro urbano do país. As UPPs são uma criação tipicamente carioca, assim como são as mano dura colombianas ou qualquer outro tipo de intervenção policial que carregue consigo uma mistura dos seguinites ingredientes: repressão com colaboração popular; tolerância zero com policiamento comunitário. As UPPs foram criadas no Rio baseadas em parte no exemplo norte-americano, com contribuições da geografia colombiana de Bogotá, assemelhada a da região de montanhas e morros do Rio, e pegando muito do modelo de policiamento canadense, sem esquecer o velho modelo militarista de nossas polícias, baseadas na herança militar francesa, valendo-se inicialmente de táticas de guerra para a ocupação de territórios; pois é com balas e metralhadoras que se consegue a pacificação, segundo seus defensores.

A realidade do Rio é peculiar porque a PM carioca e o BOPE não deixaram de ser polícia; ou seja, não deixaram de fazer o que mais sabem fazer: reprimir, enfrentar a criminalidade a tiros, expulsar ou exterminar traficantes; assim como boas companhias de detetização fazem para eliminar pragas. A diferença do modelo de policiamento de outrora é que agora a polícia não age cirurgicamente, num entra e saí de policiais e armas. A polícia não mais deixa o paciente a sós, depois de perfurar a pele com a injeção oportuna de disparos contra bandidos e depois saí de cena. A polícia agora permanece no lugar onde atuou, criando unidades dentro da periferia, funcionando dentro do morro, anteriormente ocupado por "bocas de fumo". A função imagética da "nova polícia", proposta pelos marqueteiros do governo carioca, foi introjetar a figura do policial no lugar do bandido, no imaginário da criançada que vive no morro, e assim criar uma nova cultura na relação entre polícia e sociedade, no cenário de insegurança e violência urbana do Rio de Janeiro; e, como disse, esse é um cenário tipicamente carioca, bem próprio da experiência dessa cidade brasileira.

Querer transferir as UPPs para São Paulo, por exemplo, se não é uma experiência impossível é, ao menos, inviável, tendo em vista que a relação centro X periferia da capital fluminense é bem diversa na metrópole paulista, em relação ao que existe no seu vizinho carioca. A miséria e a pobreza convivem lado a lado com a opulência econômica no Rio de Janeiro, enquanto que os pobres e suburbanos encontram-se afastados do centro em São Paulo, quase invisíveis  perante a megaburguesia paulista, distanciados a quilômetros e quilômetros de highways, viadutos e rodovias; onde proliferam gangues de todo tipo, corrupção policial, grupos dominados pelo PCC, e um universo onde as milícias cariocas parecem grupos de coroinhas de igreja. UPPs não se dariam bem na paisagem lamacenta do mangue pernambucano, visto que a multidão de crianças e adolescentes voltados para infrações, constituida por um exército de menores abandonados e meninos de rua, espalham-se por Recife, sem residência fixa, praticando pequenos delitos e pilhagens, nunca voltando para o mesmo lugar, sendo difícil uma ocupação policial que produza, efetivamente, resultados de bem-estar social.

Se eu fôsse falar então da proposta do candidato Serra, eu teria que: ha,ha,ha,ha,ha,ha,ha,ha,ha, ......, desculpem a franqueza; mas só me restaria deitar e rolar de rir, de tão demagógica a promessa do candidato. Sabe-se que na realidade da segurança pública no Brasil, os problemas de polícia e criminalidade não se resolvem na base da criação desse ou daquele órgão, dessa ou daquela unidade administrativa, mas sim com investimento na formação e preparação de pessoal, bem como na aquisição e desenvolvimento de recursos materiais e científicos na resolução das questões relacionadas à criminalidade. Já temos hoje no país uma polícia numerosa, que prende muito e um aparato judicial que pune muito, com extensas condenações. Como falar em impunidade, por exemplo, se temos a maior população carcerária da América Latina e uma das maiores do mundo, abaixo apenas dos Estados Unidos e da China, em termos quantitativos, e de negros, homens e pobres, em termos qualitativos? Impunidade só para os ricos, para os pobres, não!

O discurso do candiato Serra é só mais um dos repetitivos, ineficazes e demagógicos discursos de "lei e ordem", de expansão punitiva, que nada resolvem (e, alguns casos, apenas aumentam) o problema criminal. Não se propõe nada em termos do reaparelhamento, unificação (inclusive salarial), capacitação e profissionalização de nossas polícias, que ocupam integralmente o país, seja através das numerosas polícias militares (com um contingente extremamente maior que o exército brasileiro), das polícias civis, das polícias rodoviárias, ou da polícia ferroviária e a polícia federal; sem contar com o apoio do corpo de bombeiros, responsável em maior parte por todas as atividades de prevenção, segurança e salvamento; sobretudo diante do descaso governamental,  na falta de planejamento urbano e aproveitamento preventivo desses efetivos, quando dos desabamentos em função das chuvas, soterramentos de comunidades inteiras de pobres, miseráveis e desvalidos, causando a destruição de casas e barracos, produzidos pelas tormentosas chuvas que acontecem todo ano.

Diante de tamanha realidade descrita acima, pergunto: Ministério da Segurança pra que?? Seria apenas mais um elefante branco a compor nossa prosaica estrutura da administração pública federal a comer mais verba, que poderia muito bem ser direcionada as nossas distintas, honradas( e previstas constitucionalmente) polícias nacionais e estaduais. Revelando um grande mérito do governo atual, desde o segundo mandato de Lula, desenvolveu-se a todo vapor o PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania),  patrocinado pelo Ministério da Justiça, que dentre os grandes êxitos, promoveu uma discussão nacional junto com os integrantes de todas as polícias sobre os rumos, necessidade de reforma e modificações fundamentais e essenciais para o aparato de segurança pública no Brasil. Foram várias conferências, cursos, formação de conselhos de segurança, debates, projetos, assembléias, proposições e deliberações, que muito contribuíram para a construção de uma nova consciência sobre as atividades policiais no país. Por que não continuar com esse processo, aproveitando a experiência anteriormente desenvolvida e o aparato policial existente, ao invés de interrompê-lo? Creio que a criação por Serra desse ministério apenas atrapalharia isso, e reforçaria o mau costume que cada governante tem de apagar ou interromper as iniciativas do governante anterior, opositor ao seu projeto político.

Se querem fazer um projeto de segurança pública de qualidade para um candidato à presidência, creio que os atuais candidatos deveriam se propor a ouvir quem realmente vivencia esse debate no seu cotidiano, no seu dia a dia, dando espaço em seus programas de governo aos projetos de iniciativa das entidades representativas dos integrantes da segurança pública e de membros da sociedade civil. Apesar do final da campanha, ainda não é tarde para que tais propostas sejam ouvidas e os representantes da segurança pública sejam contemplados em suas reivindicações. Na verdade, sem querer ser reducionista, creio que os representantes da segurança pública somos todos nós, se contarmos que a segurança é dever do Estado, mas responsabilidade de toda a sociedade, como prevê o artigo 144 da Constituição Federal. Temo que mais uma vez, em mais uma eleição, talvez percamos a oportunidade de, durante a caminhada eleitoral, discutirmos os mais profundos problemas que afetam nossa segurança. Entretanto, ao menos cada embate eleitoral revela o quanto é importante nos atermos a estas questões, visto que a realidade do crime é premente, mas a ineficácia governamental e as saídas meramente repressivas são tão graves quanto as ocorrências criminais, e precisam diuturnamente ser revistas. Espero que, algum dia, nossos governantes acordem para isso. Talvez a adesão a tais propostas não seja inteiramente determinante para meu voto, mas, com certeza, é um bom caminho para se votar. Portanto, até a eleição, amigos! Vote consciente!