sábado, 14 de novembro de 2015

TERRORISMO: A sexta-feira 13 dos franceses revelou que ninguém está a salvo da insanidade do terrorismo

A tragédia francesa numa Sexta-Feira 13
O jihadismo é uma doença. Antes de ser uma posição político-ideológica ou uma conduta criminosa, os atos cruéis e devastadores praticados por militantes do Estado Islâmico, principalmente após os ataques ao semanário francês Charlie Hebdo, no começo deste ano, revelam uma insanidade coletiva que vem arrebatando milhares de jovens em toda a Europa. A última manifestação dessa insanidade deu-se ontem, 13 de novembro de 2015, em Paris, quando, durante os jogos entre França e Alemanha, cerca de cinco atentados simultâneos, em lugares diferentes e de grande movimentação de pessoas, mataram até agora 127 pessoas e feriram mais de 180, entre elas, dois brasileiros. Os ataques coordenados consistiram em duas explosões nas proximidades do Stade de France, estádio onde ocorria o jogo das Eliminatórias da Copa de 2018, contando com a presença do presidente francês, François Hollande, além do ataque a dois restaurantes e a famosa casa de shows, Bataclan, local onde houve o maior número de mortos e feridos, alvejados enquanto assistiam a um show de rock da banda norte-americana, Eagles of the Death Metal.

Vários intelectuais e estudiosos da Ciência Política repudiam a tese de que os ataques em Paris possam ser associados a recente decisão da Comunidade Europeia de aceitar os refugiados sírios. Tal argumento exporia outro lado perverso da discussão política sobre o terrorismo, que seria a islamofobia. Os argumentos contra a imigração apenas reforçam as bandeiras políticas nacionalistas da extrema direita europeia, protofascista, como a Liga Nacional, da líder política francesa Mariane Le Pen. Para esses grupos de "franceses da gema", a imigração e integração racial entre culturas tão diferentes como a europeia e a árabe seriam um dos grandes males da sociedade francesa e um polo para formação de grupos terroristas. Não adianta aqui explicar aos militantes direitistas que, estatisticamente, os imigrantes já fazem parte do tecido social francês há mais de cinquenta anos, e muitos filhos desses imigrantes hoje ocupam cargos públicos de relevância, como a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, ela mesma uma imigrante espanhola, ou Rashida Dati (filha de imigrantes marroquinos com argelinos), ex-ministra da Justiça, e membro do governo do ex-presidente francês, Nikolas Sarkozy. 

O fosso social que fomenta grupos como o Estado islâmico alia conflitos internacionais históricos, como a Guerra Civil na Síria, no Afeganistão e no Iraque, o fracasso das reformas políticas em países islâmicos após os movimentos sociais chamados de "Primavera Árabe",   o papel dos Estados Unidos e da União Europeia nesses conflitos; e, principalmente, a extrema pobreza, desemprego e falta de perspectiva social para milhares de jovens muçulmanos, descendentes de imigrantes árabes e africanos, que, com a crise econômica global, passaram a ser um exército de reserva não aproveitado ou subaproveitado no mercado de trabalho, ocupando funções tão ou mais subalternas que a dos seus pais, e alvo de preconceito frequente e progressivo de europeus nacionalistas e racistas, como aqueles que adotam o discurso da Frente Nacional de Le Pen. Para esses jovens, a adesão a proposta pseudorreligiosa e militarizada de grupos como o Estado Islâmico, combina ingenuidade juvenil, com promessas de ascensão social, ao se integrarem a um grupo criminoso que arrecada milhões de dólares saqueando bancos em cidades ocupadas na Síria e no Iraque durante os conflitos bélicos da guerra civil, faturam alto no mercado de armas e tem invadido e possuído campos de petróleo, lucrando milhões no mercado negro. Esses jovens jihadistas aparecem em vídeos na internet, parecendo os "funkeiros ostentação" brasileiros, andando em carros esporte caríssimos, que o baixo salário de seus pais seria incapaz de comprar, ostentando a virilidade por meio do emprego de armas de grosso calibre, e, ainda por cima prometem várias esposas e a salvação eterna no paraíso do Islã, quando os militantes mortos em combate serão recebidos por Alá e o Profeta Maomé em pessoa, acolhidos como mártires de uma Guerra Santa.


O presidente francês faz pronunciamento à nação.
Trata-se de um discurso atraente e venenoso para que tem poucas expectativas de melhoria social, o que faz com que esses jovens europeus de origem árabe engrossem a grande massa do terrorismo, propagando suas ações criminosas por meio de atentados em solo europeu, principalmente na França, considerada o berço da civilização moderna ocidental (e a antítese do que prega o pensamento medieval fundamentalista dos fascistas islâmicos). O que os militantes do Estado Islâmico querem com tais ações é um só objetivo: propaganda. Por meio do terror, os facínoras desse grupo terrorista sabem da publicidade internacional que ganham seus atentados, gerando uma repercussão global e maciça, no mundo inteiro. A divulgação maciça do terror atinge o principal objetivo do grupo que é canalizar a revolta de todo um segmento social de excluídos, alienados politicamente e repletos de ódio e recalque social, que apoiam tais atos. Há uma necessidade não de se censurar e nem tolher informações, mas de mensurar como tais fatos podem ser divulgados pela mídia, no sentido de demonstrar para a opinião pública, e, principalmente para a comunidade de imigrantes, que atos criminosos como esses não glorificam os terroristas (vistos como mártires numa visão totalmente distorcida da realidade), mas sim apenas demonstram sua covardia. Aliado a isso, políticas sociais de integração dos imigrantes e de pleno emprego e conscientização social dos jovens que compõem a geração recrutada pelo Estado Islâmico são fundamentais, para que a longo prazo grupos como esse percam a força. 

A morte de Jihad John teria sido um dos pretextos da violência.
É bem verdade que o momento requer uma intervenção bélica maciça, mas isso já vem sendo feito continuamente pelas forças norte-americanas e europeias que auxiliam os insurgentes, no combate ao Estado Islâmico na Síria. Existe até a hipótese de que, um dia depois de que foi anunciada a morte de um dos jihadistas mais célebres, Jihad John, (militante extremista britânico, de origem árabe, que seria o responsável pelos vídeos de decapitação de prisioneiros ocidentais, divulgados à exaustão no mundo inteiro durante o ano), tal fato teria sido o estopim para os atentados do dia 13. Não se sabe ao certo se esta foi a motivação; mas o certo é que numa carta atabalhoada, revelando fanatismo religioso com frieza assassina e proselitismo político, o Estado Islâmico assumiu a autoria dos atentados, divulgando nos meios de comunicação suas ações atrozes, como se fossem atos praticados por heróis.

Tristeza e desolação novamente na França, diante do terrorismo.
Há algo de podre na França, e mais podre ainda é o radicalismo assassino dos jihadistas inescrupulosos do Estado Islâmico. O momento é de muita dor, ódio, e sentimento de vingança, mas deve ser também momento de reflexão, solidariedade aos mortos e seus familiares, e sobretudo de raciocínio sobre a melhor cura sobre uma das piores doenças que abala a modernidade: o terrorismo fundamentalista. Devemos nos lembrar que não estamos lidando apenas com fanáticos, mas sim lidando com criminosos, e fora sua extinção bélica só há um caminho num Estado Democrático de Direito, sua responsabilização sob as penas da lei.