sexta-feira, 23 de março de 2012

USO DA FORÇA: Morte de brasileiro em Sidney - No uso de armas elétricas, até a polícia da Austrália dá um vexame históriico.

Quando as primeiras armas "taser" chegaram, baseadas em pulsos elétricos e choques que, supostamente, não matam, mas atordoam o oponente, o mercado dos itens de segurança sofreu uma reviravolta, e não demorou para que governos defensores de um novo policiamento adotassem  o emprego dessas armas em larga escala. O nome da arma vem de seu fabricante, a Taser International, responsável pela produção e distribuição em larga escala dessas armas de eletrochoque.

Existem dois modelos básicos de arma: o taser de contato, de formato pequeno, que se assemelha a um aparelho celular, muito comum em lojas de artefatos de caça e pesca, usado como item de defesa pessoal, e funcionando com baterias de nove volts; e o taser de IEM, este sim empregado em escala crescente pelos efetivos policiais de todo o mundo, em formato de pistola, que consiste no disparo de dois fios de cobre, de até dez metros, ligados a eletrodos que distribuem uma carga elétrica que pode até matar quem é atingido. Foi uma arma dessas que atingiu e matou o estudante brasileiro, Roberto Laudisio Curti, de 22 anos, em Sidney, na Austrália, nesta semana, no último domingo, dia 18 de março. Segundo relatos da própria polícia e do governo australiano, Roberto teria entrado numa cafeteria na rua King, ainda pela madrugada, no centro da capital australiana, e aparentando estar alucinado, furtou um pacote de biscoitos. Acionada imediatamente para o local, a polícia perseguiu o brasileiro, que correu desesperadamente tentando escapar da ação policial, acabando por ser derrubado por vários disparos de taser, até cair desmaiado e depois morrer, após sofrer diversos choques de uma arma que pode tê-lo matado. Não obstante algumas informações desencontradas de que Roberto estava retornando de uma festa e poderia estar drogado, a versão que prepondera é que, apesar disso, a ação da polícia foi exagerada; pois ao invés de um disparo, foram feitos vários, por muitos policiais que continuaram a atirar, disparando pulsos elétricos contra o corpo retorcido de dor do brasileiro, até que este viesse a morrer. Tudo isso, por conta de um pacote de biscoitos??

O estudante brasileiro Roberto Curti,
supostamente morto pela polícia da
Austrália. Um ex-estudante da PUC que
encontrou a morte em Sidney, aos 22 anos.
Existem dois documentos internacionais, aprovados em Resoluções das Nações Unidas, que disciplinam o uso da força entre os agentes públicos, responsáveis pela segurança, no mundo todo. Trata-se do CCEAL e do PBUFAF, traduzindo: um se trata do Código de Conduta para Encarregados da Aplicação da Lei, e outro são os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo. Estes documentos estabelecem regrás básicas a serem adotadas pela legislação e pelas corporações policiais responsáveis pela aplicação da lei, para evitar o emprego desmedido de armas na contenção de ações delituosas ou na perturbação da ordem, e a consequente proibição de excessos, que culminem no desrespeito a direitos fundamentais e em afronta à dignidade humana. Em torno desses regulamentos existem vários modelos de uso racional da força, que seguem uma escala gradativa de emprego da força, que são: o modelo canadense, o Gilespie, o Phoenix, o Nashville e muitos outros. Em todos eles, segue-se um processo parecido: o uso da força começa com a presença intimidatória da polícia, passa por comandos e advertências verbais, chega até o uso de imobilizações e golpes de defesa pessoal até chegar ao emprego de armas não letais, e por fim as letais, quando a solução para o caso demanda o emprego desses artefatos, como uma ultima ratio, conforme a necessidade e adequação que o caso requer.

No caso da conduta dos policiais autralianos, alguns podem considerar que é cedo criticar a ação da polícia australiana, tendo em vista que ainda não saiu o laudo expondo as razões da morte do estudante brasileiro, e se ele realmente foi morto por conta dos disparos elétricos efetuados contra ele. Mas o que já se pode apontar (e criticar) na ação policial noticiada pelo mundo inteiro e que chocou os brasileiros, é que os policiais responsáveis pelo fato não agiram conforme os ensinamentos internacionais recomendados pelas Nações Unidas, e, ao contrário, empolgaram-se com as possibilidades de se empregar uma arma (falsamente) não letal, para brincar de tiro ao alvo contra um estudante que, tudo indica, apenas tinha tomado umas a mais. Diante da repercussão do caso, o governo australiano já estuda suspender o emprego de armas de eletrochoque pela polícia; o que não deixa de ser uma solução inócua, diante do mal que já foi produzido. Na verdade, artefatos alternativos às armas de fogo são muito bem vindos para os defensores de um policiamento mais civilizado, porém tal atuação policial somente pode ser feita se essas armas forem utilizados por policiais bem preparados e treinados, que sabem dos danosos efeitos colaterais do uso de aparelhos que, ao serem empregados em excesso, podem tirar vidas. Choca-me saber que no treinamento da polícia australiana, pelo que foi relatado pela imprensa, os policiais receberam as armas num dia, e no dia seguinte, após rápido treinamento, já estavam nas ruas, usando seus tasers como se fossem brinquedos de plástico. Depois chamam aqui de Terceiro Mundo!

Polícia realiza perícia no local da morte do brasileiro.
(retirado de ultimosegundo.ig.com.br)
Vem a minha cabeça as cenas de vídeo captadas pelo noticiário internacional, filmando a perseguição ao assustado e atordoado brasileiro, que, ao tentar fugir de seus captores, fui atingido diversas vezes por violentas descargas elétricas das armas de taser, empunhadas pelos policiais cuja missão é "servir e proteger". Ao invés disso, o que se viu foi mais um brasileiro morto por efetivos policiais de um país estrangeiro, na macabra cifra de mortes desnecessárias e sem significado, como o estúpido assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes na Inglaterra, em julho de 2005, baleado na cabeça pela polícia, após ser confundido com um terrorista no metrô de Londres. Que péssimo exemplo estão dando as corporações de nações ditas civilizadas e "desenvolvidas" como as polícias da Inglaterra e Austrália (ambos de língua inglesa e seguidores do common law, será coincidência?!).

Fica aqui a minha crítica e protesto, como operador do direito e da segurança pública, sobre o triste fato ocorrido na Austrália com um compatriota nosso, e a estúpida atuação da polícia australiana, que mancha imensamente a imagem da terra dos cangurus, surf e aborígenes maoris, para toda a opinião pública brasileira e para os turistas brasileiros que pretendiam conhecer o lugar. Fica também aqui as minhas condolências e o meu pesar aos familiares de Roberto Curti, que perdeu a vida tão cedo. Que com os erros praticados pela polícia de outros países, a nossa polícia possa aprender alguma coisa!

quarta-feira, 7 de março de 2012

CRIME: Bispo Robinson Cavalcanti-IN MEMORIAM

Bispo Robinson Cavalcanti, morto aos 67 anos, pelo
próprio filho adotivo. Uma perda irreparável para a
comunidade religiosa e progressista do país.
Pais sendo mortos por seus filhos sempre representa crimes estarrecedores. O parricídio (homicídio do próprio pai) era considerado o delito mais grave da Roma Antiga, pois significava um abuso à figura sagrada do pater familias, e em muitos povos, de  diversas religiões, o fato de alguém tirar a vida de um progenitor, matar quem lhe concebeu, revertia-se numa maldição terrível, na mais horrível das punições. Na tragédia de Sófocles, Édipo mata seu pai, Laio, por acidente (antes de saber quem era seu genitor). Na Bíblia, existem várias passagens, narrando esse ato terrível, como  em Provérbios 16.29, onde se lê: "O homem violento coage o seu próximo e o faz deslizar por caminhos nada bons"; ou  em Mateus 10.21: "E o irmão entregará à morte o irmão, e o pai e o filho; e os filhos se levantarão contra os pais e os matarão".  Em outras passagens da Bíblia, vê-se que, no Antigo Testamento, Absalão tentou matar seu pai, o Rei Davi, não logrando êxito. Na crônica criminal brasileira, ainda é célebre o caso da ex-estudante de Direito paulista, Suzane Richthoffen, que auxiliada pelo namorado e o irmão deste (os "Irmãos Cravinhos"), matou seus pais, para ficar com os bens e a herança deles. Para muitos, por mais terríveis que tenham sido os genitores, só há uma explicação possível para um filho matar os seus pais: barbárie!

Não foi diferente no último dia 26 de fevereiro deste ano, por volta das 20:00 horas, na cidade de Olinda, em Pernambuco. Numa noite de domingo, perdia a vida o bispo anglicano Robinson Cavalcanti, e sua esposa, Miriam, brutalmente assassinados a facadas pelo seu filho adotivo, Eduardo, que morando há anos nos Estados Unidos, decidiu voltar para sua terra-natal, tão somente para ceifar a vida daqueles que o acolheram. Uma triste, muita triste história.

O local do crime: a residência do bispo, onde
ocorreu a matança (retirado de reporterdecristo.com.br)
Segundo o relato da polícia, Eduardo Olímpio Cavalcanti já respondia há vários processos criminais nos Estados Unidos, associados ao tráfico de drogas. Viciado em heroína, ele seria também integrante de gangues de latino-americanos, envolvendo cubanos, italianos e outros imigrantes que, não socializados, acabaram por fazer parte das negras estatísticas do crime no hemisfério norte, através da participação de estrangeiros no crime organizado em países desenvolvidos, como os EUA. Ao voltar para Recife, Eduardo estaria atrás de dinheiro, solicitando ajuda de seu pai para que ele pudesse, supostamente, trazer a esposa e filhos que ficaram na América, recebendo a recusa paterna de tal pedido. Foi o suficiente para que, movido a drogas, Eduardo matasse seus pais. Ao cometer o crime, Eduardo também tentou se matar, esfaqueando a si próprio, após ter golpeado várias vezes o pai e (segundo ele) ter atingido mortalmente a mãe que tentava proteger o marido. Tendo sobrevivido aos ferimentos, Eduardo encontra-se atualmente preso em Pernambuco, após ter sido liberado do hospital, e, segundo o delegado que apura o caso, não apresentou arrependimento do que fez.


Fica aqui a revolta. A profunda indignação por mais um crime bárbaro, que poderia passar despercebido na solitária crônica policial de tantos e tantos casos de filhos que matam seus pais, se esse triste delito não envolvesse a morte de um dos mais profícuos e combativos religiosos do país, militante das causas humanitárias e sociais. Robinson Cavalcanti era um ícone, muito pela sua participação nas lutas de movimentos sociais como advogado, intelectual e religioso, nas suas denúncias contra a injustiça e a ausência de inclusão social desde a época da ditadura militar, e, principalmente, por seu combate contra a violência. Que ironia! A mesma violência combatida pelo religioso foi a responsável por sua morte.

Indigna-me mais ainda, o silêncio da grande imprensa, principalmente de periódicos e de grandes meios de circulação impressos que citaram poucas ou nenhuma linha acerca do terrível episódio da morte de Cavalcanti, apesar do crime ter sido noticiado na TV e na internet em rede nacional. Parece que o autor de obras clássicas como Libertação e SexualidadeA Utopia Possível e Cristianismo e Política, era um profundo desconhecido da grande mídia nacional, que não mereceu sequer uma página de homenagem no espaço dedicado aos obituários, em revistas como a Carta Capital, Época ou Veja. A ignorância no tocante à obra deste grande pensador é proporcional aos níveis inconcebíveis de violência associados ao alcoolismo e tráfico de drogas que faziam parte da vida do assassino de Robinson, seu filho Eduardo, desde que este se mudou para os EUA, aos 16 anos. Como é revoltante ver o caminho em que a espiral de violência chegou!!


O rosto do assassino:foragido dos EUA, Eduardo voltou
ao Brasil para matar seu pai.
 (retirado de diariodepernambuco.com.br)
A revolta também prepondera por descobrir que o ovo da serpente não está fora da sociedade, e nem somente distante de nós, dentro de grupos, escolas ou agremiações; mas sim dentro da própria família. É impressionante quanto desamor, desunião, desamparo, egoísmo e ingratidão acabam por contaminar famílias, principalmente de famílias religiosas, fazendo com que filhos se tornem assassinos de seus pais. O satânico sentimento de ódio que fez com que Eduardo Cavalcanti tirasse a vida de seus pais é o mesmo que contamina uma sociedade onde filhos e pais se veem como inimigos e não como parceiros,  numa toxicidade de relações que só pode ser combatida através de muito amor, compreensão e conscientização. Infelizmente, no caso do ensandecido filho do bispo Robinson Cavalcanti, os apelos chegaram tarde demais.

Para o reverendo Robinson: a justa homenagem.
Sei que muitos religiosos, estudantes de teologia, intelectuais humanistas e militantes do movimentos sociais perderam o chão ao saber do trágico fim da vida do bispo Robinson Cavalcanti. É para eles a quem dirijo agora minhas palavras de luto, expressando minhas sinceras condolências a todos os familiares, amigos e admiradores da obra de tão importante pensador, que partiu cedo. Imagino a incompreensão de muitos quanto a um fato que ainda parece, para alguns, inacreditável. De fato fica a pergunta formulada a Deus do porquê de tirar tão repentinamente deste mundo, um religioso que, aos 67 anos, ainda apresentava farta saúde e uma rica disposição para o debate, participando de eventos acadêmicos e religiosos, emitindo suas opiniões em respeitadas publicações nacionais (a revista Ultimato era um dos periódicios que recebia contínua contribuição do religioso morto), além de contribuir para denunciar as mazelas sociais, em seu gratificante ofício de ministro religioso. Sem dúvida muita falta se fará sentir do bispo Robinson Cavalcanti, mas seu legado não será esquecido, e nem sua luta carinhosa por mais amor e menos violência, por justiça e igualdade social. O corpo pode ter se ido, mas a memória e a imortalidade das causas justas permanecerá sempre no empenho de seus seguidores. Adeus, bispo Robinson! Que sua alma esteja bem guardada ao lado de Deus, enquanto seu algoz é punido pelas leis do homem! Violência, nunca mais!!