Crimes envolvendo o ambiente familiar, com muito sangue face a chacina de uma família inteira, e, mais, a descoberta de que a autoria do crime pesa sobre um pré-adolescente, terminou por conferir um roteiro cinematográfico e sobrenatural para o caso de Marcelo Pesseghini. Esta semana saiu um laudo da perícia criminal, confirmando que em 5 de agosto deste ano, o garoto de 13 anos assassinou o pai, o sargento da PM paulista, Luis Pesseghini, sua mãe, Andreia, também policial, a tia-avó e a avó do menino, além de ter se suicidado com uma pistola calibre .44, encontrada em uma de suas mãos no local do crime, na Vila Brazilândia, zona norte de São Paulo, capital. Nas semanas que antecederam o resultado da perícia, vizinhos e pessoas próximas às vítimas foram entrevistadas, muito se questionou sobre uma suposta violação do local do crime pela própria polícia, e até vigorou uma versão que contestasse a absurda tese da investigação de que um jovem branco, bonito, de classe média, e bem cuidado pelos pais, poderia ter matado toda a família, pois isso era apenas um argumento para abafar uma matança ordenada por bandidos, integrantes do crime organizado. Entretanto, no diligente trabalho realizado pela polícia civil de São Paulo, face a repercussão do caso, parece que não há dúvidas de que Marcelo realmente surtou, e matou seus pais e avós.
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Família Pesseghini antes da tragédia:retirado de ogirassol.com.br |
O parricídio é conhecido desde a Roma Antiga, punido como uma das infrações mais graves, uma vez que seu nome vem de um crime cometido contra o
pater familias, a autoridade suprema da vida familiar; ou seja, um crime de morte praticado por um filho contra seu próprio pai. Uma de suas primeiras descrições literárias obtemos na obra
Édipo Rei, de Sófocles, na conhecida tragédia grega em que o personagem Édipo mata seu próprio pai, Laio, antes de se envolver afetivamente com sua mãe, Jocasta, desconhecendo inicialmente manter tais laços de parentesco. Até mesmo na Bíblia há referências a uma tentativa de parricídio quando Absalão, um dos filhos do rei Davi, invade Jerusalém para derrubar seu pai do trono, estando disposto, inclusive, a matá-lo, obrigando o monarca a fugir. Enfim, um filho matar os próprios pais contrariaria até mesmo uma lei da natureza, e sempre que surgem fatos assim envolvendo famílias urbanas, de classe média, tais fatos parecem ainda mais chocantes.
Muitos, perguntam-se acerca do que move as condutas humanas, principalmente as mais bárbaras, e disso o Direito Penal e a Criminologia não deixam também de investigar. É a partir desta última que vemos como uma combinação de fatores e não apenas um contribuem para elucidar o trágico caso da família Pesseghini. Seria o garoto Marcelo simplesmente um louco? Seria vingança? Sofreria ele de algum tipo de desordem ou teria sido vítima de abuso ou violência doméstica, para assassinar seus próprio familiares. Na verdade, ao buscar explicações sociológicas para uma tragédia assustadora como essa, só nos leva a estabelecer críticas às influências sociais, na gênese de fenômenos criminais, que podemos perceber em nações industrializadas e desenvolvidas como os Estados Unidos, onde são frequentes os casos de homicídios e chacinas envolvendo familiares, turbinados pela cultura armamentista, no uso indiscriminado de armas de fogo.
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A cena do crime divulgada à exaustão pela mídia. |
Sabe-se pelas investigações que Marcelo, filho de policiais militares, foi incentivado por eles a utilizar armas. O garoto sabia, portanto, manejar com armas de fogo, assim como era recorrente em jovens da sua idade, a diversão dos jogos de videogame, muitos deles com simulação de tiros, como os da série
Call of Duty, e jogados por milhares de adolescentes em milhares de lares e lan-houses pelo país. A mãe de Marcelo também o havia ensinado a dirigir, e isso explica como, segundo relato da investigação policial, ele teria seguido sozinho para a escola, após ter matado os pais e as tias, dirigindo o carro dos pais. Segundo o laudo que reproduziu a cena do crime, Marcelo foi encontrado morto com a arma empregada no crime em uma das mãos, e apesar de não haver prova conclusiva de resíduos de chumbo pelo disparo da arma em suas mãos, há material genético e pedaços de cabelo suficientes para dizer que foi ele quem disparou contra os pais. Tudo indica que o pai foi morto dormindo, ainda na cama, e a mãe, ao ouvir o disparo, dirigiu-se apressada até o quarto, quando, ao se ajoelhar vendo o marido morto, foi também alvejada na cabeça por trás, pelo próprio filho, que depois foi até o quarto das avós e lá encerrou a chacina, matando-as de forma semelhante ao que fez com seus genitores. Depois de ter cometido a chacina, dormido e ido para o colégio, tudo leva a crer que quando o jovem retornou e viu a cena do crime, num sinal de arrependimento e desespero, atirou contra a própria cabeça, encerrando um sangrento e macabro ciclo criminal. É absolutamente terrível, mas previsível, segundo as Ciências Criminais.
É muito triste e naturalmente revoltante para familiares e amigos da família Pesseghini sequer cogitar que um garoto de 13 anos tenha cometido tamanha atrocidade, matando sua família inteira. Prevalecem, nesse caso, teorias conspiratórias de que tudo não passasse de uma chacina, face a condição de policiais militares dos pais do adolescente, além das ações comuns do crime organizado na capital paulista, vitimando principalmente policiais. Entretanto, o trabalho da polícia científica parece ser eficiente, e dos 35 exames realizados e 9 laudos apresentados, não resta dúvida, ao menos para os peritos, que foi Marcelo o autor da chacina que paralisou de horror toda uma metrópole. Além do depoimento de colegas de colégio de Marcelo, que afirmaram de forma unânime que mais de uma vez Marcelo falava em matar os pais, segundo laudo assinado pelo renomado psiquiatra forense Guido Palomba, o garoto tinha uma forma de encelopatia contraída após um problema de saúde quando ainda pequeno, que o fez desenvolver um transtorno psiquátrico. Segundo Palomba, Marcelo não dissociava a realidade da ficção, e como era vidrado em jogos violentos de video game, associados a profissão dos pais, ele pode ter desenvolvido um delírio, que veio a se desenvolver de forma trágica, quando então decidiu matar os pais, como quem mata personagens de um jogo eletrônico. Parece absurdo? Até certo ponto, mas absurdos também são nossos estereótipos.
Alguns podem dizer que, se a tragédia ocorresse com uma família pobre e negra da periferia seria até comum; mas o que choca neste caso é que tal fato aterrador ocorreu numa família branca de classe média, onde ambos os parentes eram servidores armados do Estado, responsáveis por manter a ordem e garantir a segurança que, infelizmente, no casos deles, não conseguiram garantir a si próprios. Eu diria que os estereótipos não passam nem por questões de raça ou classe social, mas sim pela própria imagem que temos de nossos adolescentes.
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A comovente manifestação de familiares das vítimas. Marcos Bezerra-Futura Press |
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Acreditamos, a partir de certos papéis sociais, que determinados perfis de pessoas são incapazes de cometer delitos, esquecendo-nos que qualquer ser humano tem um potencial criminógeno dentro de si. Evitamos praticar delitos por uma série de mecanismos de controle social e autocontrole, que partem desde o controle da sanidade pelo ego na tenra infância, através do controle familiar e da educação passada de pais para filhos, até a influência do superego, normatizando nossas expectativas morais a ponto de elas seguirem certos regramentos, passando cada um, na idade adulta, a conviver entre si dentro de um referencial jurídico (o chamado cumprimento das leis). É por isso que a psiquiatria diferencia entre os imputáveis e os inimputáveis, e daí vem toda uma polêmica discussão acerca da responsabilidade penal dos mais jovens em relação aos mais velhos, que culmina com absurdas pregações de redução da menoridade penal (que já nos reportamos em outra postagem deste blog), ao mesmo tempo que não conseguem ingressar na raiz do problema: o do quanto os nossos jovens precisam de acompanhamento e regulação. Talvez o erro da família Pesseghini (e quem sou eu para julgar) tenha sido subestimar demais uma cultura da violência, onde o uso de armas, ou mesmo a simples alusão ao fato de utilizá-las(como se dá em muitos jogos eletrônicos) pode comprometer a cabeça de muitos jovens que ainda não tem pleno discernimento. É bem verdade que é extremamente difícil e quase improvável que pré-adolescentes que passam o dia inteiro jogando em lan-houses, tornem-se maníacos assassinos em surtos delirantes; mas também não é improvável que tais jogos tem uma maléfica influência em cérebros mais fragilizados. A lição que fica na triste história da família Pesseghini,que comoveu o Brasil é de que infância, armas e cultura da violência não combinam bem, e que o acesso a elas por qualquer pessoa transforma-se no prenúncio de tragédias que não queremos ver mais.