domingo, 3 de julho de 2016

SEGURANÇA PÚBLICA: Rio, 40 Graus de criminalidade, numa Olimpíada que se avizinha!!

Dia 5 de agosto é meu aniversário. E no dia 5 teremos um evento histórico em nosso país, quando, pela primeira vez, uma cidade latino-americana, no hemisfério sul, sediará uma Olimpíada. Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro foram celebrados e decantados em verso e prosa desde a escolha da metrópole carioca como sede dos jogos, há quase sete anos atrás, quando foi feito o anúncio da cidade vencedora na eleição do Comitê Olímpico Internacional, em Copenhague, na Dinamarca. Na época, um sorridente e ainda bem sucedido Presidente Lula, exortava a nação a comemorar a escolha, pois no otimismo do lulopetismo da época, que superou as denúncias "mensalão", (mas não esperava ainda os efeitos futuros da "Lava-Jato"), ser brasileiro era aquele "que não desiste nunca"!

Passada a euforia carnavalesca que chegou a elevar o brio nacional do brasileiro, eis que chega o choque de realidade: na semana passada uma equipe de televisão alemã, escalada especialmente para noticiar os jogos em seu pais, teve todo seu equipamento furtado. Além disso, a descoberta de um corpo esquartejado nas proximidades da Vila Olímpica, exatamente onde estarão sediadas as equipes do vôlei, provocou mais polêmica ainda semanas antes, culminando com o Prefeito Eduardo Paes e o governador do estado, Luiz Fernando Pezão, a trocarem desaforos publicamente, cada um querendo passar a culpa para o outro, pela violência e insegurança generalizada na "cidade maravilhosa". O prefeito cobrava segurança, com uma ação mais efetiva das Polícias, responsabilidade do governo do Estado. Já o governador Pezão dizia que a culpa era do prefeito, por não organizar de forma mais preventiva o espaço público na capital, a fim de inibir a criminalidade. Mas, afinal, de quem é a culpa de tanta violência e medo, que ameaça afugentar os turistas e apagar o brilho da chama olímpica?

Em particular, eu adoro o Rio de Janeiro. Desde criança, até minhas peripécias da vida adulta, guardo comigo as melhores e mais felizes recordações da cidade. Sua geografia privilegiada e paradisíaca, seu povo alegre, suburbano e informal, louco por praia, esporte e por andar de camiseta, bermuda e sandálias havaianas, junto ao chope gelado do meio dia, aliado a um caos urbano com congestionamentos imensos de trânsito, poluição sonora, um precário serviço de coleta de lixo na periferia, um funcionalismo público insatisfeito e mal pago (principalmente os professores), criminalidade em alta, guerra de facções criminosas e traficantes nos morros, meninos em favelas vítimas de balas perdidas (muitas delas disparadas pela própria Polícia), um tráfico de drogas intenso e glamourizado no cinema ou em noticiários e os altos índices de casos de truculência e corrupção policial, marcam o cenário cultural do Rio de Janeiro tanto quanto o Carnaval ou o Zé Carioca.

Como diria o falecido poeta carioca Bruno Tolentino, o Rio de Janeiro que já foi a Corte de um Império, nunca se recuperou quando deixou de ser capital da república. A eterna dependência de verba federal transformou o estado do Rio no maior devedor da União, ultrapassando o já falido Rio Grande do Sul. Para conseguir recursos para essa Olimpíada, o Prefeito do Rio chegou a declarar estado de calamidade, a fim de que os recursos financeiros e as amortizações de dívida pudessem vir mais facilmente. Quem investe num estado falido? Quem confere crédito ao mal pagador? Apesar de todo esse retrospecto, o Rio de Janeiro e sua capital paradisíaca mantém-se impávidos, tanto quanto o Cristo Redentor num cartão postal! Parece que o jeitinho malandro do carioca, com sua ginga e seu simpático sotaque chiado de garoto da praia, conseguiu encantar o Comitê Olímpico, mesmo com tantos riscos à segurança de uma população inteira, e dos próprios atletas que irão participar da competição. Mas será que o clima está tão ruim, no aspecto da segurança, que o mar não está pra peixe mesmo?

O esquema de segurança montado para a vinda do Papa Francisco no Congresso Mundial da Juventudade, bem como a organização do Pan-americano, serviram como eventos teste para verificar até que ponto a segurança pública no Rio de Janeiro estava preparada para receber grandes eventos internacionais. Do ponto de vista da cosmética institucional, tudo estava bem feito e prontinho, a ponto do Secretário de Segurança, o delegado José Mariano Beltrame, alegar que estes seriam os jogos mais tranquilos deste século (meses depois, o citado secretário já cogita deixar o cargo). Tranquilidade nesses jogos, mesmo com roubos a equipes de jornalistas e aparecimento de cadáveres nas portas da Vila Olímpica? 

A criminalidade e o crime organizado que se estruturam no Rio de Janeiro estão longe de ser debelados. Mas isso não serve como pretexto para alegar que a segurança pública está falida, e que as Olimpíadas em solo brasileiro estejam fadadas ao fracasso. Já ocorreram olimpíadas em regiões remotas, com uma geopolítica complicada, como no caso da Rússia soviética, em 1980, quando havia duas Alemanhas e a Guerra Fria apostava no sucesso de soviéticos, cubanos, húngaros e romenos, para superar a valentia capitalista dos atletas norte-americanos, canadenses, e ingleses, num clima pesado com fugas de atletas dissidentes, repressão generalizada e um clima hostil aos estrangeiros. É claro, não pudemos nos esquecer da tragédia de Munique, em 1972, quando a violência criminosa de terroristas extremistas, culminou com a ação desastrada da Polícia alemã e a morte de 11 atletas israelenses tomados de reféns, que haviam sido sequestrados. A China, que hoje é uma das maiores potências olímpicas do mundo, e que realizou a esplendorosa Olimpíada de Pequim, não é o paraíso da democracia, e a prevalência de uma das máfias mais antigas do mundo ( a Tríade chinesa), além de denúncias de trabalho escravo, e do tráfico de umas algumas drogas pesadas, como a heroína e o ópio, mostram que não é só o Brasil que sedia uma Olimpíada numa região com altas taxas de criminalidade. A própria Rússia de Vladimir Putin, que no passado realizou uma bem sucedida edição das Olimpíadas de Inverno, não estava a salvo do poderio do crime organizado, e das exigências da Máfia russa, durante a realização do evento esportivo. Num ambiente de criminalidade transnacional, ninguém pode estar realmente seguro, e no Rio de Janeiro é aí que você realmente não vai estar. Mas vale a pena ver os jogos?

Vale a pena pelo caráter histórico e eterno de festa, que marca esse evento já tradicional, iniciado na Grécia Antiga e ressuscitado na modernidade por homens visionários, como Pierre de Coubertin. A Olimpíada talvez seja o momento em que o cidadão comum, assolado pela violência do crime, esquece por um momento de seus problemas e inseguranças, e vai torcer entusiasticamente pelos esportistas de sua nação. O sentimento patriótico e o fervor nacionalista, ao menos em termos esportivos, parecem ser salutares para levantar o moral de milhares de brasileiros, vítimas do crime e intensamente insatisfeitos com suas autoridades. Se há algo de bom que uma Olimpíada pode trazer além de unidade, é uma consciência social, e a certeza de que a construção de estádios, ginásios e polos olímpicos não é uma mera cosmética para se adequar a atletas estrangeiros, que vem para o país com nível de exigência conforme os padrões internacionais, e todo o aparato montado para o evento olímpico pode ser deixado, responsavelmente, para as novas e necessitadas gerações, quando o evento acabar.

Grandes cidades que foram sedes dos jogos, que souberam aproveitar sua potencialidade, desenvolveram-se grandemente, superaram importantes mazelas sociais ainda existentes e amadureceram o seu povo, como foi nos casos de Barcelona, Seul e Londres. Será que acontecerá com o Rio? Somente o Cristo lá no topo do Corcovado, a beleza das centenas de "garotas de ipanema" das praias cariocas, os versos de Vinícius e as canções de Tom Jobim, poderão dizer, enquanto que a gringada que vem ver os jogos deita e rola no samba. O desafio bem maior que fica, com a manutenção ou a saída do Senhor Beltrame da Secretaria de Segurança, é saber se um novo modelo profissional de segurança adotado para as corporações policiais, possa extinguir dos cânceres básicos que sempre acompanharam a Polícia da cidade do Rio de Janeiro, e por que não dizer do Brasil inteiro: cultura bélica-truculenta e corrupção brutal. Sem um novo modelo de polícia, baseado na desmilitarização, apoio aos núcleos de inteligência, aprimoramento da perícia técnico-científica e respeito à legalidade e aos direitos humanos, o Rio de Janeiro (assim como o Brasil), nunca terão uma Polícia moderna, profissional e eficiente..

A alegria e a esperança podem superar o medo, e essa alegria contagiante que o carioca tem passará por grandes provações e obstáculos diante da violência do crime, que setoriza a cidade. Desejo sorte para os cariocas e sucesso para os nossos atletas nessa Olimpíada, que eu espero que estejam a salvo de assaltantes, arrombadores, batedores de carteira, estelionatários, estupradores, sequestradores e terroristas, pois, "apesar de você, amanhã há de ser outro dia", e o "meu Rio de Janeiro continua lindo".

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

CRIMINOLOGIA & CINEMA: O filme argentino"O Clã", revela os criminosos psicopatas que emergiram da ditadura

Nem todo psicopata é criminoso, mas todo criminoso que apresenta alguma psicopatia, consegue desenvolvê-la de forma plena ao ser autorizado pelo Estado a praticar suas maldades, principalmente em regimes de exceção. Foi assim na Alemanha Nazista, no fascismo italiano, e, principalmente, nas ditaduras latino-americanas.

Um dos filmes mais vistos na Argentina no ano de 2015, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2016, "O Clã", conta uma história real que assombrou o noticiário policial portenho na década de 1980. Após o período de redemocratização, com o fim da sangrenta ditadura militar imposta ao país por ao menos 7 anos, e a eleição do presidente da UCR (Unión Civica Radical), Raul Alfonsín, a Argentina respirava após muitos anos verdadeiros ares de liberdade e acerto de contas com seu brutal passado totalitário. É nesse ambiente que uma das crias da ditadura militar, um ex-agente da inteligência, disfarçado de homem de negócios, inicia uma original e macabra jornada de crime e horror, que assombrou toda uma sociedade e é relembrada até hoje.

Arquimedes Puccio era, aparentemente, um modesto homem de negócios, que além de contador, tinha um pequeno comércio de bairro, localizado na modesta localidade de San Isidro, em Buenos Aires. Lá, ele vivia com a esposa Epifania e mais seus cinco filhos: Alejandro, Adriana, Guilhermo, Silvia e Maguila (que vivia na Nova Zelãndia, mas acabou voltando para a casa do pai), de diferentes idades, mas todos com um ponto em comum: o eterno respeito e subserviência ao patriarca. Tratava-se de uma típica família de classe média, como tantas que existem no ambiente urbano, com seus sonhos de ascensão social, diante de um país redemocratizado e com uma economia frágil (típico de países latino-americanos como o Brasil). O filho mais velho, Alejandro, atleta destacado, era estrela do rugby, e estampava capas de revistas esportivas. Suas filhas, meninas bonitas e prendadas, estudavam em boas escolas e tinham bons relacionamentos. A esposa, Epifania, era uma típica esposa devotada e mãe de família, preocupada em organizar a vida familiar e o orçamento doméstico, carinhosa com os filhos e o marido, num típico comercial de margarina.

Entretanto, por detrás da fachada de gentil e dedicado pai de família, Arquimedes escondia no seu ambiente familiar uma organização criminosa fortíssima, além de se revelar um verdadeiro psicopata. Como agente infiltrado na inteligência, no governo militar, Puccio era responsável pelo sequestro e desaparecimento de centenas de militantes políticos, tudo a mando do Estado. Com o fim da ditadura e o início da redemocratização, ao invés de encerrar suas atividades, o verdugo da ditadura continuou a realizar o seu trabalho por conta própria. Arquimedes e seu bando passaram a sequestrar pessoas por dinheiro, e entre 1982 e 1985, iniciaram uma cruzada criminosa onde sequestravam jovens estudantes de famílias ricas (quase todos do círculo de amizades do filho mais velho de Arquimedes, Alejandro, que servia como isca), recebendo resgates milionários, e depois matando suas vítimas. A frieza de Arquimedes nessas ações delituosas, em termos de espanto do leitor, só se equipara à subserviência de seu filho Alejandro, um promissor jogador de rugby, que chegou a disputar partidas pela seleção nacional, e, não obstante o caminho de fama que estava trilhando como estrela esportiva, continuava a praticar crimes junto com seu pai, como uma forma de despertar a atenção e respeito paterno. Arquimedes usou e manipulou todos os seus filhos (incluindo sua filha pequena), para manter seus crimes em segredo, além de contar com a leniência de algumas autoridades militares da época da ditadura, que ainda lhe davam proteção, até que toda a estrutura perversa da ditadura fosse desmontada pelo governo Alfonsín. Arquimedes e seus filhos só foram presos em 1985, após uma mal sucedida tentativa de resgate do valor cobrado pelo sequestro de uma senhora de meia idade, da alta sociedade portenha, que permaneceu sequestrada por meses sem que os familiares pagassem o resgate, que resultou na prisão dos criminosos numa bem sucedida operação policial. Condenado à prisão perpétua, Arqimedes conseguiu comutação da pena após 23 anos de seu cumprimento, e formado em Direito na prisão, acabou sua vida como advogado, morrendo esquecido por todos, numa cova em que nenhuma parente lhe visitou.

O filme do cineasta Pablo Trapero já é um dos mais vistos na história do cinema argentino, e merece ser visto também aqui no Brasil, para se perceber até que ponto, em regimes totalitários, o próprio Estado se converte numa máquina criminosa e a repressão política se torna um fator criminógeno, na formação de delinquente oficiais. Aqui também tivemos nossos sequestradores, assassinos e torturadores, tanto no âmbito do Estado, quanto na dimensão daqueles que se insurgiam contra ele, por meio da guerrilha ou por atos verdadeiramente terroristas. A grande diferença da realidade brasileira com a argentina é que aqui, não obstante os acusados de se voltar contra o regime tenham praticado delitos, todos acabaram, de uma forma ou de outra, sendo punidos ainda na época da ditadura,  presos, mortos ou torturados, enquanto outros partiram para o exílio, enquanto que os torturados do Estado permaneceram impunes de seus crimes, mantendo seus cargos e postos no governo, e recebendo aposentadorias, sem que a Justiça os molestasse, face uma equivocada interpretação de nossa Corte Constitucional sobre a vigência da Lei da Anistia. Já na Argentina, os agentes de Estado responsáveis por crimes contra a humanidade foram todos presos, processados e condenados, a começar pelo ex-presidente argentino, Jorge Videla, considerado o chefe de Estado que mais permitiu massacres e desrespeito aos direitos humanos, durante o seu mandato e, indiretamente, o responsável pela criação de assassinos, como Arquimedes Puccio. Foi, principalmente na gestão presidencial de Videla que surgiram tais monstros, com o desaparecimento de militantes políticos sequestrados e a ocorrência dos chamados "voos da morte", onde dissidentes políticos eram atirados ao mar, jogados de helicópteros.

A história dos Puccio é lembrada até hoje pelos argentinos e o filme de Trapero serviu para transformar a antiga casa do clã, utilizada para manter suas vítimas sequestradas, como ponto turístico de visitação.A "puccionamania" que agora habita o imaginário cultural argentino deve valer menos do que apenas a repercussão de um grande filme,  e mais como uma lição de como a política está intrinsicamente relacionada com o crime. Como diria Maquiavel em "O Príncipe", o poder também pode ser conquistado pelo crime, e foi com ações criminosas que o Estado militar argentino conseguiu se consolidar, mantendo uma legião de criminosos que permaneceu, mesmo após a redemocratização de sua sociedade. Que tais lições históricas não sejam esquecidas jamais.