Nem todo psicopata é criminoso, mas todo criminoso que apresenta alguma psicopatia, consegue desenvolvê-la de forma plena ao ser autorizado pelo Estado a praticar suas maldades, principalmente em regimes de exceção. Foi assim na Alemanha Nazista, no fascismo italiano, e, principalmente, nas ditaduras latino-americanas.
Um dos filmes mais vistos na Argentina no ano de 2015, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2016, "O Clã", conta uma história real que assombrou o noticiário policial portenho na década de 1980. Após o período de redemocratização, com o fim da sangrenta ditadura militar imposta ao país por ao menos 7 anos, e a eleição do presidente da UCR (Unión Civica Radical), Raul Alfonsín, a Argentina respirava após muitos anos verdadeiros ares de liberdade e acerto de contas com seu brutal passado totalitário. É nesse ambiente que uma das crias da ditadura militar, um ex-agente da inteligência, disfarçado de homem de negócios, inicia uma original e macabra jornada de crime e horror, que assombrou toda uma sociedade e é relembrada até hoje.
Arquimedes Puccio era, aparentemente, um modesto homem de negócios, que além de contador, tinha um pequeno comércio de bairro, localizado na modesta localidade de San Isidro, em Buenos Aires. Lá, ele vivia com a esposa Epifania e mais seus cinco filhos: Alejandro, Adriana, Guilhermo, Silvia e Maguila (que vivia na Nova Zelãndia, mas acabou voltando para a casa do pai), de diferentes idades, mas todos com um ponto em comum: o eterno respeito e subserviência ao patriarca. Tratava-se de uma típica família de classe média, como tantas que existem no ambiente urbano, com seus sonhos de ascensão social, diante de um país redemocratizado e com uma economia frágil (típico de países latino-americanos como o Brasil). O filho mais velho, Alejandro, atleta destacado, era estrela do rugby, e estampava capas de revistas esportivas. Suas filhas, meninas bonitas e prendadas, estudavam em boas escolas e tinham bons relacionamentos. A esposa, Epifania, era uma típica esposa devotada e mãe de família, preocupada em organizar a vida familiar e o orçamento doméstico, carinhosa com os filhos e o marido, num típico comercial de margarina.
Entretanto, por detrás da fachada de gentil e dedicado pai de família, Arquimedes escondia no seu ambiente familiar uma organização criminosa fortíssima, além de se revelar um verdadeiro psicopata. Como agente infiltrado na inteligência, no governo militar, Puccio era responsável pelo sequestro e desaparecimento de centenas de militantes políticos, tudo a mando do Estado. Com o fim da ditadura e o início da redemocratização, ao invés de encerrar suas atividades, o verdugo da ditadura continuou a realizar o seu trabalho por conta própria. Arquimedes e seu bando passaram a sequestrar pessoas por dinheiro, e entre 1982 e 1985, iniciaram uma cruzada criminosa onde sequestravam jovens estudantes de famílias ricas (quase todos do círculo de amizades do filho mais velho de Arquimedes, Alejandro, que servia como isca), recebendo resgates milionários, e depois matando suas vítimas. A frieza de Arquimedes nessas ações delituosas, em termos de espanto do leitor, só se equipara à subserviência de seu filho Alejandro, um promissor jogador de rugby, que chegou a disputar partidas pela seleção nacional, e, não obstante o caminho de fama que estava trilhando como estrela esportiva, continuava a praticar crimes junto com seu pai, como uma forma de despertar a atenção e respeito paterno. Arquimedes usou e manipulou todos os seus filhos (incluindo sua filha pequena), para manter seus crimes em segredo, além de contar com a leniência de algumas autoridades militares da época da ditadura, que ainda lhe davam proteção, até que toda a estrutura perversa da ditadura fosse desmontada pelo governo Alfonsín. Arquimedes e seus filhos só foram presos em 1985, após uma mal sucedida tentativa de resgate do valor cobrado pelo sequestro de uma senhora de meia idade, da alta sociedade portenha, que permaneceu sequestrada por meses sem que os familiares pagassem o resgate, que resultou na prisão dos criminosos numa bem sucedida operação policial. Condenado à prisão perpétua, Arqimedes conseguiu comutação da pena após 23 anos de seu cumprimento, e formado em Direito na prisão, acabou sua vida como advogado, morrendo esquecido por todos, numa cova em que nenhuma parente lhe visitou.
Entretanto, por detrás da fachada de gentil e dedicado pai de família, Arquimedes escondia no seu ambiente familiar uma organização criminosa fortíssima, além de se revelar um verdadeiro psicopata. Como agente infiltrado na inteligência, no governo militar, Puccio era responsável pelo sequestro e desaparecimento de centenas de militantes políticos, tudo a mando do Estado. Com o fim da ditadura e o início da redemocratização, ao invés de encerrar suas atividades, o verdugo da ditadura continuou a realizar o seu trabalho por conta própria. Arquimedes e seu bando passaram a sequestrar pessoas por dinheiro, e entre 1982 e 1985, iniciaram uma cruzada criminosa onde sequestravam jovens estudantes de famílias ricas (quase todos do círculo de amizades do filho mais velho de Arquimedes, Alejandro, que servia como isca), recebendo resgates milionários, e depois matando suas vítimas. A frieza de Arquimedes nessas ações delituosas, em termos de espanto do leitor, só se equipara à subserviência de seu filho Alejandro, um promissor jogador de rugby, que chegou a disputar partidas pela seleção nacional, e, não obstante o caminho de fama que estava trilhando como estrela esportiva, continuava a praticar crimes junto com seu pai, como uma forma de despertar a atenção e respeito paterno. Arquimedes usou e manipulou todos os seus filhos (incluindo sua filha pequena), para manter seus crimes em segredo, além de contar com a leniência de algumas autoridades militares da época da ditadura, que ainda lhe davam proteção, até que toda a estrutura perversa da ditadura fosse desmontada pelo governo Alfonsín. Arquimedes e seus filhos só foram presos em 1985, após uma mal sucedida tentativa de resgate do valor cobrado pelo sequestro de uma senhora de meia idade, da alta sociedade portenha, que permaneceu sequestrada por meses sem que os familiares pagassem o resgate, que resultou na prisão dos criminosos numa bem sucedida operação policial. Condenado à prisão perpétua, Arqimedes conseguiu comutação da pena após 23 anos de seu cumprimento, e formado em Direito na prisão, acabou sua vida como advogado, morrendo esquecido por todos, numa cova em que nenhuma parente lhe visitou.
O filme do cineasta Pablo Trapero já é um dos mais vistos na história do cinema argentino, e merece ser visto também aqui no Brasil, para se perceber até que ponto, em regimes totalitários, o próprio Estado se converte numa máquina criminosa e a repressão política se torna um fator criminógeno, na formação de delinquente oficiais. Aqui também tivemos nossos sequestradores, assassinos e torturadores, tanto no âmbito do Estado, quanto na dimensão daqueles que se insurgiam contra ele, por meio da guerrilha ou por atos verdadeiramente terroristas. A grande diferença da realidade brasileira com a argentina é que aqui, não obstante os acusados de se voltar contra o regime tenham praticado delitos, todos acabaram, de uma forma ou de outra, sendo punidos ainda na época da ditadura, presos, mortos ou torturados, enquanto outros partiram para o exílio, enquanto que os torturados do Estado permaneceram impunes de seus crimes, mantendo seus cargos e postos no governo, e recebendo aposentadorias, sem que a Justiça os molestasse, face uma equivocada interpretação de nossa Corte Constitucional sobre a vigência da Lei da Anistia. Já na Argentina, os agentes de Estado responsáveis por crimes contra a humanidade foram todos presos, processados e condenados, a começar pelo ex-presidente argentino, Jorge Videla, considerado o chefe de Estado que mais permitiu massacres e desrespeito aos direitos humanos, durante o seu mandato e, indiretamente, o responsável pela criação de assassinos, como Arquimedes Puccio. Foi, principalmente na gestão presidencial de Videla que surgiram tais monstros, com o desaparecimento de militantes políticos sequestrados e a ocorrência dos chamados "voos da morte", onde dissidentes políticos eram atirados ao mar, jogados de helicópteros.