O esperado dia 31 de outubro está se aproximando, e com ele a expectativa para a eleição do novo presidente da república. Neste segundo turno da campanha, entre Dilma e Serra, vimos propostas de menos e ataques de mais, com pesadas acusações de uma parte a outra. Creio que a campanha eleitoral do primeiro turno, apesar da iminência da vitória da candidata da situação (que não ocorreu), foi mais bem equacionada quanto à apresentação de propostas pelos candidatos, visto que os temas nacionais foram mais debatidos, e, para aqueles que vivem e se debruçam sobre o tema da segurança pública, o que interessa ouvir nos discursos dos candidatos é de como ficará a realidade do aparato repressivo do Estado após a eleição de outubro.
O que esperar em 2011 e nos anos vindouros com o próximo presidente (seja ele, homem ou mulher) da realidade das polícias nos estados da federação, por exemplo; ou da superalimentada polícia federal, nos próximos quatro anos? Acerca do piso salarial unificado para as polícias nacionalmente, tomando por base a remuneração no Distrito Federal, ou sobre um Sistema Unificado de Segurança Pública (o SUSP ou SUS da segurança pública) nada ou pouco se falou nessa campanha. Sobre uma possível e futura unificação ou integração elevada entre as polícias civil e militar, não se ouviu nada. Acerca da reinvidicação de maior autonomia funcional ou mesmo independência do Corpo de Bombeiros, mais vinculado à defesa civil do que a segurança, também pouco ou nada escutei. Se formos pensar no que, em termos midiáticos, vem sendo mais debatido entre os dois candidatos a presidente, neste pleito eleitoral, entre a petista Dilma e o tucano Serra, podemos verificar dois temas recorrentes e básicos, respectivamente: UPPs e Ministério da Segurança.
A candidata Dilma falou mais de uma vez em sua campanha, e nos debates na televisão, que iria estender a experiência do governo carioca de criação das chamadas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), para o país inteiro, expandindo a nível nacional a experiência bem sucedida do Rio de Janeiro, que correspondeu ao êxito eleitoral do governador carioca Sérgio Cabral, reeleito no primeiro turno. A proposta de se criar pelotões pacificadores, de policiais militares, ocupando permanentemente os morros e áreas de conflito com a bandidagem, expulsando traficantes e demais criminosos, e restabelecendo a paz sob o calor dos fuzis e baionetas, pareceu ser uma ideia tão aprazível para a mente dos marqueteiros políticos, que, agora, procura-se transferir a vitrine da segurança pública fluminense para o resto do país. Parece que, se o Rio conseguiu obter sua derradeira vitória no combate ao crime, por que não estender isso para o resto do Brasil?Entretanto, se os dignos candidatos me permitissem uma intromissão estratégica, e do alto de seus milhões de votos pudessem escutar um pobre militante e estudioso da segurança pública, com seu humilde e mau lido blog sobre temas correlatos à area, eu poderia dizer que as duas propostas principais apontadas pelos candidatos fogem das questões fundamentais que afetam a crise do modelo de segurança pública no país, e necessitam ser reformuladas, caso queiram realmente atingir e resolver essas questões primárias a que me referi.
Em primeiro lugar, quando a candidata Dilma defende a expansão nacional das UPPs, ela se esquece (ou seus assessores se esqueceram de avisá-la) que o modelo de intervenção policial desenvolvido no Rio de Janeiro nos últimos anos, sob os auspícios do governo pemedebista de Sérgio Cabral (baseado outrora na experiência de Bogotá e Medellin, na Colômbia), é muito mais próprio e adequado à realidade da "cidade maravilhosa" do que a qualquer outra metrópole ou grande centro urbano do país. As UPPs são uma criação tipicamente carioca, assim como são as mano dura colombianas ou qualquer outro tipo de intervenção policial que carregue consigo uma mistura dos seguinites ingredientes: repressão com colaboração popular; tolerância zero com policiamento comunitário. As UPPs foram criadas no Rio baseadas em parte no exemplo norte-americano, com contribuições da geografia colombiana de Bogotá, assemelhada a da região de montanhas e morros do Rio, e pegando muito do modelo de policiamento canadense, sem esquecer o velho modelo militarista de nossas polícias, baseadas na herança militar francesa, valendo-se inicialmente de táticas de guerra para a ocupação de territórios; pois é com balas e metralhadoras que se consegue a pacificação, segundo seus defensores.
A realidade do Rio é peculiar porque a PM carioca e o BOPE não deixaram de ser polícia; ou seja, não deixaram de fazer o que mais sabem fazer: reprimir, enfrentar a criminalidade a tiros, expulsar ou exterminar traficantes; assim como boas companhias de detetização fazem para eliminar pragas. A diferença do modelo de policiamento de outrora é que agora a polícia não age cirurgicamente, num entra e saí de policiais e armas. A polícia não mais deixa o paciente a sós, depois de perfurar a pele com a injeção oportuna de disparos contra bandidos e depois saí de cena. A polícia agora permanece no lugar onde atuou, criando unidades dentro da periferia, funcionando dentro do morro, anteriormente ocupado por "bocas de fumo". A função imagética da "nova polícia", proposta pelos marqueteiros do governo carioca, foi introjetar a figura do policial no lugar do bandido, no imaginário da criançada que vive no morro, e assim criar uma nova cultura na relação entre polícia e sociedade, no cenário de insegurança e violência urbana do Rio de Janeiro; e, como disse, esse é um cenário tipicamente carioca, bem próprio da experiência dessa cidade brasileira.Querer transferir as UPPs para São Paulo, por exemplo, se não é uma experiência impossível é, ao menos, inviável, tendo em vista que a relação centro X periferia da capital fluminense é bem diversa na metrópole paulista, em relação ao que existe no seu vizinho carioca. A miséria e a pobreza convivem lado a lado com a opulência econômica no Rio de Janeiro, enquanto que os pobres e suburbanos encontram-se afastados do centro em São Paulo, quase invisíveis perante a megaburguesia paulista, distanciados a quilômetros e quilômetros de highways, viadutos e rodovias; onde proliferam gangues de todo tipo, corrupção policial, grupos dominados pelo PCC, e um universo onde as milícias cariocas parecem grupos de coroinhas de igreja. UPPs não se dariam bem na paisagem lamacenta do mangue pernambucano, visto que a multidão de crianças e adolescentes voltados para infrações, constituida por um exército de menores abandonados e meninos de rua, espalham-se por Recife, sem residência fixa, praticando pequenos delitos e pilhagens, nunca voltando para o mesmo lugar, sendo difícil uma ocupação policial que produza, efetivamente, resultados de bem-estar social.
O discurso do candiato Serra é só mais um dos repetitivos, ineficazes e demagógicos discursos de "lei e ordem", de expansão punitiva, que nada resolvem (e, alguns casos, apenas aumentam) o problema criminal. Não se propõe nada em termos do reaparelhamento, unificação (inclusive salarial), capacitação e profissionalização de nossas polícias, que ocupam integralmente o país, seja através das numerosas polícias militares (com um contingente extremamente maior que o exército brasileiro), das polícias civis, das polícias rodoviárias, ou da polícia ferroviária e a polícia federal; sem contar com o apoio do corpo de bombeiros, responsável em maior parte por todas as atividades de prevenção, segurança e salvamento; sobretudo diante do descaso governamental, na falta de planejamento urbano e aproveitamento preventivo desses efetivos, quando dos desabamentos em função das chuvas, soterramentos de comunidades inteiras de pobres, miseráveis e desvalidos, causando a destruição de casas e barracos, produzidos pelas tormentosas chuvas que acontecem todo ano.
Foram várias conferências, cursos, formação de conselhos de segurança, debates, projetos, assembléias, proposições e deliberações, que muito contribuíram para a construção de uma nova consciência sobre as atividades policiais no país. Por que não continuar com esse processo, aproveitando a experiência anteriormente desenvolvida e o aparato policial existente, ao invés de interrompê-lo? Creio que a criação por Serra desse ministério apenas atrapalharia isso, e reforçaria o mau costume que cada governante tem de apagar ou interromper as iniciativas do governante anterior, opositor ao seu projeto político.
Entretanto, ao menos cada embate eleitoral revela o quanto é importante nos atermos a estas questões, visto que a realidade do crime é premente, mas a ineficácia governamental e as saídas meramente repressivas são tão graves quanto as ocorrências criminais, e precisam diuturnamente ser revistas. Espero que, algum dia, nossos governantes acordem para isso. Talvez a adesão a tais propostas não seja inteiramente determinante para meu voto, mas, com certeza, é um bom caminho para se votar. Portanto, até a eleição, amigos! Vote consciente!



