quarta-feira, 13 de outubro de 2010

PARÓDIA: O CQC da Segurança Pública

O programa Custe o que Custar, ou simplesmente CQC, apresentado pelo Canal Band de televisão e liderado pelo jornalista, ator e comediante MarceloTas, é uma das mais bem sucedidas franquias televisivas a passar no Brasil. Apesar de ser baseado em seu congênere argentino, o programa conseguiu entrar no gosto popular de uma classe média mais esclarecida e de espírito crítico, que não gosta ou simplesmente cansou do humor tosco e pastelão do Pânico na Tv. Na verdade, o humorismo nacional tem relevado uma boa e criativa geração, com a ascensão de jovens humoristas como Marcelo Adnet e Bruno Mazzeo (este último, um "filho de peixe, peixinho é", por ser filho de Chico Anísio).

O CQC tem vários  quadros curiosos. Um deles, o Proteste Já, é uma espécie de programa de defesa do consumidor no estilo do extinto programa Aqui e Agora, onde o jornalista Rafael Bastos faz as vezes de um Celso Russomano (hoje deputado) da vida, denunciando o descaso dos governantes com a realização de obras públicas, cobrando a realização de serviços conforme as reclamações da população. Tem também o Top 5, que trata das principais gafes e erros de filmagem no noticiário da semana, e também o CQTeste que gosto muito, pois expõe à glória ou ao ridículo personagens famosos respondendo a um teste de conhecimentos gerais, muitas vezes respondido com tamanha ignorância ou burrice, que chego a me perguntar se realmente o artista sabatinado é burro mesmo ou se não passa apenas de uma encenação. Ainda tem as incursões do grupo de jornalistas e comediantes no Congresso Nacional, pegando desprevenidos com as perguntas mais imprevisíveis, representantes de nossa classe política, de maneira hilariante, quando Oscar Filho, Felipe Andreoli e Danilo Gentili colocam políticos e personagens do meio artístico em maus lencóis. Muito bom mesmo!

Mas, afinal, porque estou falando do CQC num blog sobre criminologia? Ocorre que por vezes, ao assumir uma escrita irônica, utilizo do sarcasmo, da pilhéria e do bom humor para tratar de assuntos muito sérios, assim como fazem os representantes do programa do Band. Creio que a irreverência é um recurso estilístico válido na comunicação para se expressar uma ideia, um pensamento crítico. E como considero a trupe de Marcelo Tas e Cia experts no assunto, não poderia deixar de pensar como seria a conduta de nossos representantes da segurança pública diante dos intrépidos jornalistas-comediantes cêquecistas.

Imagino o Top 5 das gafes da polícia brasileira nas mãos de Rafael Cortez, com resultados trágicos para a população e para a credibildade do Estado brasiileiro listando, ao menos, 5 casos envolvendo ações policiais desastrosas e equivocadas, como a que ocorreu recentemente no Rio de Janeiro, quando um juiz do trabalho foi atingido por balas, juntamente com a mulher e os dois filhos pequenos, numa barreira policial, quando seu carro foi confundido com o de criminosos. Imagino todas as ocorrências com uso abusivo da força, com civis mortos por balas perdidas no tiroteio entre policiais e bandidos nas favelas e cortiços dos grandes centros urbanos, ou a ineficácia da polícia civil em solucionar delitos, depois que os dados investigam vazam para a imprensa, alardeando o conhecimento midiático de fatos que deveriam ser sigilosos. Fico pensando em todos os erros de avaliação, mancadas, tropeços, escorregões, equívocos cometidos por uma polícia despreparada, porque sua estrutura anacrônica e pré-constitucional não move uma palha para que ela se prepare. Recordo-me das pregações demagógicas de candidatos nos pleitos eleitorais acerca da reforma da segurança pública, com declarações toscas sobre a criação de "ministérios da segurança", aumento da repressão, criação de leis penais  mais severas  (Ué? Mas as leis já não severas o bastante?), e os discursos defensores de uma política de "caça aos criminosos", tolerância zero e "bandido bom, bandido morto".

Talvez Marcelo Tas pudesse pensar num Proteste Já das vítimas de violência e abuso policial, nas denúncias de corrupção, cobrança de propinas ou proteção por milícias formadas por policiais, ou atos de truculência mesmo, contra trabalhadores ou excluídos, pobres e pretos, que não reclamam um pio dos cascudos que levam nas inspeções de rotina, nos "baculejos" cotidianos que os moradores da favela sofrem ao subir no morro, com medo de serem fuzilados no dia seguinte por seus vingativos algozes. Pense se Rafinha Bastos não se aventuraria em invadir um prédio da secretaria de segurança, e ali cobrar exigindo o cumprimento de um prazo de tantos dias, para que toda a sujeira, irregularidade e confusão do aparato policial fosse resolvido, em prol do interesse público. Garanto que seria divertido ver algum dos integrantes do CQC vestindo de PM ou usando um colete da Polícia Civil, e dentro de uma viatura com a sirene ligada, cobrasse urgência e comprometimento dos governadores de Estado quanto à melhoria salarial, condiçoes de trabalho, segurança, dignidade e atendimento psicológico do policial brasileiro. Ahh! Seria um programa e tanto. Imagino o tamanho do aumento da audiência!

Agora o que eu gostaria de ver seria um governador ser entrevistado e responder sem pestanejar a um CQteste sobre segurança pública, apontando com o dedo mindinho na tela para algumas das questões cruciais que abalam o povo brasileiro, como a manutenção da corrupção, dos crimes de colarinho-branco, da impunidade, enquanto ladrões de galinha permanecem engaiolados sem direito a um advogado.  Naturalmente seria bacana ver a bela jornalista Mônica Iozzi, única integrante do sexo feminino do programa, utilizar de seu charme para obter a verdade de secretários, delegados-gerais, comandantes da PM, chefes de divisão, acerca da inércia e da inoperância de inúmeras unidades policiais, tudo porque a polícia no Brasil segue uma lógica reativa, sem planejamento estratégico prévio, no "oba-oba", do atendimento precário de demandas porque a questão da segurança é vista como uma questão de guerra, resolvida na base do bangue-bangue, do tiroreio com bandidos, do que fundada numa verdadeira ação gerencial aproveitada num bom serviço de inteligência e no aproveitamento de recursos humanos. Queria ver se Danilo Gentile com seu terninho preto e óculos escuros, invadiria o legislativo estadual, a fim de cobrar dos nobres senhores deputados o fim das milícias, leis que instituissem um policiamento realmente comunitário e a retirada definitiva dos maus policiais das ruas, enquanto as comunidades vivem o desespero de serem achacadas ou por traficantes ou policiais desonestos.Ficaria muito feliz mesmo de comer minha pipoca e poder assistir esse programa! Ahh! Não existe programação de Tv melhor que a do CQC. Olho no tiroteio! Olho na Band!

Como alternativa para o CQC da segurança pública, sugiro José Luiz Datena como substituto de Marcelo Tas na condução do programa, com direito a comentários do comentarista esportivo Neto, toda vez que houvesse uma rebelião no presídio de Bangu ou nas penitenciárias paulistas, procurando saber quem seria o "bola da vez", o novo craque a liderar o motim, ou perna de pau a ser assassinado e incinerado, envolto em colchões em chamas, após um acerto de contas entre apenados. Acredito que a mosquinha que simboliza o programa poderia zunir mais alto entre disparos de morteiro, barulho de helicópteros abatidos no meio da favela, explosões de granadas e tiros de AR-15. Enquanto isso, entram os anunciantes!

Nossa segurança pública é um terreno inexplorado para a paródia e o diálogo sarcástico, pois o mau-humor predomina nas carrancas vetutas dos singelos representantes por nossa segurança. Parece que os prestativos, mas nem sempre simpáticos homens da lei, necessitam da risada frouxa e do sorriso leve, quase impossível, para lidar com uma situação que só da vontade de chorar. Resta a nós, espectadores, ver qual será a próxima edição do programa, e que novos quadros nosso CQC do mundo cão irá nos proporcionar. Atento, após os comerciais, sem sair da cadeira e mudar o canal. O show da vida anda tem muito tiroteio pra fornecer.

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