No programa da rede Band, liderado por Marcelo Tas, existe um quadro onde famosos e personalidades nacionais são entrevistadas por populares, num divertido quiz, onde são feitas as perguntas mais inusitadas, respondidas pelos entrevistados das mais bizarras formas. No caso, o entrevistado da semana foi o deputado do PP carioca, Jair Bolsonaro, capitão do exército da reserva, apologeta da ditadura militar e uma das mais reaçonárias vozes presentes no Congresso Nacional.
O controvertido parlamentar, ao ser entrevistado, difundiu suas escabrosas ideias, já há muito conhecidas pela opinião pública, revelando um nível de atraso e anacronismo que fariam corar um general da reserva. Bolsonaro reproduz ( ou quer reproduzir) a ideologia que motiva seu eleitorado: em sua maioria, militares da reserva, oficiais ou praças com visões alienadas ou distorcidas sobre o Brasil, ainda envoltos sob os fantasmas da Guerra Fria e com a visão esclerosada de que o país ainda vive a luta contra o "inimigo interno", sob as luzes da Lei de Segurança Nacional. Seria até divertido, se não fosse irritante ver a forma chauvinista, autoritária, desbocada, machista e petulante com que Bolsonaro trata seus ouvintes e antagonistas, rendendo-lhe diversos processos, protegido sob o invólucro da imunidade parlamentar que sempre o defendeu, por manifestar suas ideias odiosas, mas constitucionalmente asseguradas, em função do cargo que ocupa.
Uma das novas enrascadas que o deputado do PP se meteu, não foi chamar, em rede nacional de televisão, a atual presidente da república de terrorista, e nem de ter mostrado sua desafeição (e a de muitos de seus aposentados colegas de farda) à figura do ex-presidente Lula, além de achar que tortura é válida e que lugar de bandido é no cemitério. Nada disso! O problema do deputado é quando ele se enrolou ao tratar do tema dos direitos dos homossexuais, da existência de cotas em universidade, e da forma extremamente mal educada que respondeu a uma pergunta da cantora e atriz, Preta Gil, filha do famoso ex-ministro da Cultura. Quando Preta perguntou ao deputado se este permitiria que a filha namorasse com um negro, ele respondeu da seguinte forma: "Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu."
A resposta de Bolsonaro bombou no dia seguinte na imprensa brasileira, com várias declarações de uma humilhada Preta Gil, dizendo que iria processar o deputado por racismo. Bolsonaro, por sua vez, através de sua assessoria e em diversos meios de comunicação, divulgou que entendeu mal a pergunta formulada pela cantora, tendo em vista que a pergunta anterior feita a ele, tratava de homossexualismo, e ele argumentou que julgava que a pergunta feita por Preta dizia respeito ao mesmo assunto. De qualquer forma, o fato de Bolsonaro alegar que, uma vez sendo contra as cotas para negros nas universidades, não pegaria um avião pilotado por um cotista ou não seria operado por um médico na mesma condição, já deu o que falar, e ameaças de novos processos.
Sim, muitos podem considerar o deputado Bolsonaro uma figura desagradável. Entretanto, é importante notar que a truculência verbal faz parte do populismo de vários políticos e é uma forma de se criar uma persona, um personagem que arrebate votos, pois na miríade de pensamentos, ideologias, opiniões, culturas e posições divergentes que fazem a representatividade do Congresso, Bolsonaro apenas reproduz o mesmo pensamento preconceituoso de uma parcela da sociedade brasileira. Ora, é exatamente esse setor da sociedade que garantiu as várias reeleições do parlamentar para a Câmara Federal, e que agora levaram para a política seus filhos (um, deputado estadual, o outro vereador no Rio de Janeiro). Sob os slogans do conservadorismo e na defesa de valores tradicionais como a família e a segurança, o deputado Bolsonaro apenas reproduz parte de uma sociedade, que, é sim, muito chata, mas que não se pode soterrar, em prol da democracia, da convivência entre diferentes, e da defesa da constitucional liberdade de expressão.
Bolsonaro é um fascista. Assim como é boa parte de seu eleitorado.Mas mesmo os fascistas que não admitem a tolerância, devem ser tolerados. É o preço que tem que se pagar numa democracia, para que este regime político seja digno desse nome. A própria atual Secretária Nacional de Direitos Humanos, a ministra Mária do Rosário, foi vítima dos abusos de Bolsonaro, numa discussão que pode ser vista até hoje no youtube, quando a então deputada federal entrou numa discussão, nos corredores do Congresso, com o espevitado deputado, e este maldosamente criticou a família da deputada, após ser questionado por suas posições políticas, uma vez que a deputada vivenciou um triste episódio familiar, envolvendo prostituição infantil e o deputado, covardemente fez alusão ao episódio, com o fim de acabar com a discussão.
Sei que muitas pessoas tem vontade de dar um soco em Bolsonaro e que o deputado representa a voz políticamente incorreta, que faz zombarias com a Comissão de Mortos e Desaparecidos da Ditadura Militar, colocando posters odiosos em seu gabinete, como aquele que trata dos restos mortais dos militantes políticos, mortos no Araguaia, ostentando um desenho de um cachorro e a seguinte frase: "Desaparecidos do Araguaia: quem procura osso é cachorro!". É de um mal gosto e imbecilidade extremos, mas se Malufs e Tiriricas podem estar no Congresso, por que não tipinhos escrotos como Bolsonaro?!
Entendo ainda que vox populi est vox Dei, e se o eleitorado abriu caminho para que sujeitos como Jair Bolsonaro estivessem no Congresso, republicanamente esse eleitorado deve ser respeitado. Nos Estados Unidos, vemos como a direita religiosa, republicana e ultrareaçonária ganha espaço, no governo democrático de Obama, entre prefeitos, governadores e parlamentares eleitos, e o máximo que podemos fazer é respeitar (mesmo que discordando) da opção de seus eleitores. A pergunta que não quer calar é, se dentro de nossa legislação, Bolsonaro cometeu ou não um crime. E nessa discussão, temos que saber até que ponto é possível criminalizar a opinião.
A Constituição do Brasil assegura como direitos fundamentais a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando direito à indenização em caso de dano material ou moral (art. 5º, inciso X); mas também assegura a livre manifestação do pensamento (inciso IV), como um direito de importância semelhante aos anteriores. Isso significa dizer que, a menos que se comprove que o distinto parlamentar danificou a imagem e a honra pessoal de pessoas como Preta Gil, a manifestação de seus reaçonários pensamentos é livre, porque a norma constitucional assegurou isso a ele, como também a qualquer cidadão, estejamos gostando ou não. É nesse sentido que entro em desacordo com alguns defensores da criminalização da homofobia, enquanto manifestação de pensamento (mormente no caso de pastores evangélicos, que condenam a homossexualidade em programas de televisão), tendo em vista que isso não se equipara ao triste episódio na avenida Paulista, onde um casal de homossexuias foi agrido em via pública, por conta da covardia homofóbica.
O que se pune são atos de ódio, mas o discurso de ódio, não. É em discursos do ódio entoados por Bolsonaro, em direção a homossexuais, esquerdistas ou negros, que se pode ver até onde vai a extensão da liberdade de pensamento assegurada por lei, e até que ponto isso pode se tornar um ilícito penal. O próprio Bolsonaro alega que não é, nem de longe, racista ou homofóbico, e que as baboseiras que falou num canal de televisão apenas reproduzem suas convicções ideológicas e a liberdade que ele tem de expressá-las, já que esse direito é assegurado constitucionalmente. E nisso, sou obrigado a concordar. Nem sempre queremos ouvir o que não gostamos de ouvir, mas a possibilidade de que alguém fale o que os outros não gostam tem que ser respeitada, sob pena de vivermos um autoritarismo às avessas, na ditadura do politicamente correto, em que todos são obrigados a dizer o que somente nós queremos ouvir. O que seria totalmente antidemocrático.
Baseado, portanto, num pressuposto de intervenção penal mínima, entendo que a indignada Preta Gil, tem que se valer, sim, dos meios legais disponíveis e de seu direito de ação, para cobrar a responsabilidade do deputado Jair Bolsonaro, no âmbito cível, acerca de eventual declaração individual dele, que tenha afetado sua honra ou imagem pessoal. Mas sou plenamente contrário a advogar a tese de que o parlamentar deve ser responsabilizado, por um flagrante delito de racismo, ou injúria qualificada mediante esse componente odioso, uma vez que entendo que, no anacronismo e atraso de suas infelizes frases, Bolsonaro, por mais reaçonário que seja, não pretende lesar individualmente quem quer seja, pela idiotice de suas afirmações. É saudável num Estado Democrático de Direito que pensemos assim, mesmo que seja para muitos, dolorido, ter que aguentar tipos como o deputado federal carioca, que só podem ser silenciados pelo bom senso das urnas, e não por processos judiciais. A solução não-penal ainda é a melhor alternativa e a que pesa mais no bolso, diante de cretinos tagarelas, que no auge de sua estupidez, ruminam discursos esclerosados de quem há muito, ocupa com seus pijamas, o salão dos aposentados do antigo regime militar. O Exército Brasileiro deu uma grande mostra de respeito à democracia, e de uma visão projetada para o futuro e não para o passado, quando extinguiu a comemoração do 31 de março (data do golpe militar de 64), das comemorações da instituição. Resta saber se figuras como Bolsonaro, finalmente serão esquecidas, quando as areias da história sepultarem de vez suas patéticas afirmações estapafúrdias, sem que seja necessário mover processo criminal algum. Por que no te calas, Bolsonaro? Que as urnas dêem a resposta!!