Quando assisti ao filme V de Vingança, baseado na famosa HQ de Alan Moore, salvo algumas diferenças da adaptação dos quadrinhos, gostei muito de uma cena quando o personagem V, protagonista da estória, é cercado pelos bandidos chefiados por Mr. Creedy, e após ser baleado diversas vezes por seus algozes, recusa-se a morrer, derrubando seus oponentes armados, um por um, até chegar ao chefão do grupo, e antes de dar o golpe fatal no líder do grupo, segue-se o seguinte diálogo:
-Mr. Creedy: Por que você não morre? Por que você não morre?
-V: Porque por detrás desta máscara não existe apenas carne. Existe uma ideia, e ideias, Sr. Creedy, são a prova de balas.-
Inicio meu comentário com essa cena de filme, para relatar o triste, escabroso e inaceitável acontecimento do último dia 23 de março, em Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, quando foi vítima de um atentado o blogueiro, jornalista e advogado, Ricardo Gama, recebendo vários tiros de homens dentro de um carro que o avistaram, sem que a vítima ao menos pudesse se defender. Gama foi alvejado com três tiros, nas costas e na cabeça, mas socorrido no Hospital Copa D'Or, apresenta atualmente estado estável, sem risco de morte.
Ricardo Gama tem um interessante blog, http://ricardo-gama.blogspot.com/, onde tece críticas, por vezes pesadas, à administração pública fluminense, cobrando iniciativas de prefeitos, governadores, e interpretando criticamente as ações da polícia carioca. Por mais que você possa concordar ou discordar dele, é óbvio que qualquer pessoa com uma mente minimamente civilizada, vá defender o direito à liberdade de expressão, e deixar que alguém, mediante um blog na internet, professe as suas ideias. É evidente que podem surgir sanções civis e ser buscada a responsabilidade de quem fere a honra, a reputação e a credibilidade das pessoas injustamente, através de um meio virtual, mas as soluções para isso podem e são buscadas na esfera cível, com as devidas ações judiciais e o direito à indenização. O que eu não posso tolerar é que voltemos a um regime de exceção, onde a censura possa ser exercida através de homens encapuzados, à espreita dentro de carros, na calada da noite, prontos a liquidar com vários tiros aqueles que desagradam aos incomodados de plantão.
O blog de Ricardo faz um jornalismo por vezes investigativo, noutras sensacionalista e rocambolesco, como são os tablóides e as boas tiras de jornal. É uma forma nova de fazer jornalismo, inaugurada com a internet e difundida no mundo inteiro, onde profissionais, intelectuais e artistas divulgam suas ideias e dão a sua própria versão da notícia. Sei muito bem como isso funciona, pois, afinal, como blogueiro amador, também aprecio essa forma magnifícia de liberdade de expressão que é poder difundir minhas opiniões, ideias e versão dos fatos, através desse meio tecnológico. Mas também sei que o emprego da rede virtual para propagação de ideias também pode gerar perigos, aumentando os riscos de se atingir setores que não reagem bem, diante de críticas por vezes ácidas, apesar de construtivas. Daí é que vem a celebridade daqueles que tem coragem (ou loucura) de se fazer conhecer pela forma contundente em que expõem suas ideias, mesmo correndo o risco de serem, como foi no caso de Ricardo Gama, atacados injustamente por aqueles que querem ver essas vozes se calar.
É fato que nós só começamos a nos interessar e conhecer o trabalho do outro quando aparecem fatos trágicos nos jornais. A celebridade não vem de um trabalho sério, franco e honesto, que merece ser respeitado, mas sim das páginas policiais. Foi assim que, tomando meu café de manhã no dia de hoje, ao ligar a televisão, soube do triste episódio envolvendo Ricardo Gama, e ao ligar a internet obtive mais informações sobre o duro atentado sofrido pelo blogueiro. Independente da orientação ideológica ou da vinculação político-partidária de Gama, considero um hediondo crime contra a humanidade calar com tiros as vozes dissonantes.
A política é uma arte pedregosa, e mais espinhosa ainda pode ser a tarefa do blogueiro, na sua crítica à forma de fazer política. Os blogueiros de hoje são os revolucionários de ontem, como foi Marat, o l'ami du peuple, articulista virulento contra o Antigo Regime do século XVIII, que foi morto com uma facada no coração dentro de uma banheira, na época da Revolução Francesa, por Charlotte Corday, influenciada por seus inimigos. Os blogueiros políticos, jornalistas virtuais, amadores ou não, são os que fazem das teclas de seu computador uma arma, cujos petardos não mancham de sangues tronos ou governos, mas somente trazem à tona a verdade. E a verdade dói para muitos integrantes da classe política, que não admitem ser questionados. Vivemos ainda durante um ranço autoritário, onde qualquer forma de contestação pode ser vilipendiada criminosamente, por meio de capangas armados, pagos a soldo míúdo para calar a oposição que vem das ruas, que surge nas telas dos computadores. Ricardo Gama foi mais uma vítima desse tipo de conduta criminosa. Nesse caso, os criminosos tem um alvo errado, pois inatingível: ao tentar assassinar as ideias, tenta-se matar o propagador delas. Mas as ideias tem vida própria, são inalcançáveis, podem ser compartilhadas por muitos, em inúmeros lugares. Daí ser impossível matar a consciência crítica e a ideia de contestação, quando ela pode estar na cabeça de vozes que não podem se calar.
Não adianta os covardes algozes de Ricardo Gama, muito provavelmente pagos por um mandante mais covarde ainda, acharem que podem calar outros blogueiros, que na liberdade de seus laptops, dão uma de Julian Assange, desnudando as entranhas das estripulias de líderes e governantes. Tenta-se matar um Gama, aparecem outros, aos milhares, enchendo a rede virtual que é infinita, exercitando um direito seu que é a liberdade de expressão, constitucionalmente assegurada; pois, como eu disse, não se matam ideias. Desejo uma boa recuperação ao blogueiro e energia para as próximas lutas. Saudações, Ricardo Gama!
Seu espaço para discussões e debates voltados para os temas da segurança pública, criminologia, direito penal e política criminal. Sempre com um olhar crítico e corajoso sobre as coisas que deveriam ser ditas, mas muitos se amedrontam em não dizer. Porque não temos medo de viver e receio de lutar por um mundo novo. Afinal, o mundo é muito "bão", como diz o matuto, quando alguém tenta ser "bastião", como diria o ativista, defendendo a fortaleza do direito da invasão do tédio e da mediocridade.
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