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O News of the World era um tablóide medíocre e sensacionalista,
mas dava muito, muito dinheiro! |
Confesso que quando ouvi, na última semana, mencionarem no noticiário da TV o título
News of the World, eu só me lembrava do disco homônimo, de 1977, da banda de rock inglesa Queen, com o saudoso Freddie Mercury nos vocais. Só com as manchetes nos jornais e a divulgação nas TVs do mundo inteiro, do escândalo envolvendo um dos maiores periódicos da Grã Bretanha, é que eu saquei o papel daquele tablóide e sua influência no modo de vida e na cultura do povo inglês. Para se ter uma ideia, no panoramana da imprensa européia, o
News of the World era uma mistura do extinto "Notícias Populares" daqui com o jornal carioca
O Dia.
O
News of the World foi um jornal fundado no século XIX, precisamente em outubro de 1843, com edições dominicais que, por um século e meio, o tornaram um dos jornais mais populares da Inglaterra por reunir sensacionalismo, intrigas, fortes páginas policiais e fofocas sobre o mundo das celebridades e da política. Eis que prestes a completar 168 anos de existência, o jornal foi fechado por ordem de seu dono, Rupert Murdoch, um dos homens mais ricos do mundo, magnata das comunicações e célebre representante da mídia internacional, responsável pelo grupo Fox Internacional, e dono de outros dois grandes jornais famosos, de fama mundial, como o
Wall Street Journal e o
New York Post. O
News of the World fechou pelas acusações mais bizarras e graves possíveis: valendo-se de espiões, os integrantes do jornal grampearam e clonaram os telefones de, pelo menos, 4 mil pessoas na Inglaterra, além de furtar documentos e subornar policiais, ultrapassando em muito os limites da ética jornalística.
Ética? Ora, ética!! Os representantes de um dos tablóides mais antigos do planeta simplesmente cometeram crimes sob o pretexto de exercer o faro jornalístico, obtendo e manipulando notícias por meios criminosos, criando uma nova espécie de figura delituosa: o chamado jornalismo delituoso. Para os que são profissionais da área, o que os integrantes do jornal britânico fizeram não foi jornalismo, mas sim um antijornalismo, no momento em que jogaram na sarjeta a credibilidade da profissão do repórter, aquele cara responsável por transmitir a noticia, pois, segundo a imprensa livre: o povo tem o direito de saber!
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O mundo à mercê do grande capital dos magnatas da comunicação |
Não existe dúvida até o momento de que os representantes do jornal recém-fechado se valeram de seus contatos no Estado e no mundo da política, no Reino Unido, para obter material para suas reportagens e manchetes nas capas dos jornais. Outrora o jornal de maior circulação de país, graças a uma cultura que versa que todos os meios de comunicação devem devassar a vida de celebridades como a familia real britânica, o
News of the World acessava as caixas de mensagens não apenas dos recém-casados príncipe William e sua esposa Kate Midleton, como também de personalidades como o jogador de futebol, David Beckham e sua esposa Victoria, ou gente conhecida do show business, como as atrizes Sienna Miller e Gwyneth Paltrow, e até pessoas comuns, envolvidas em algum tipo de reportagem, de interesse do jornal. A desfaçatez do grupo era tamanha que até frustrar as investigações do assassinato de Mylly Dowler, uma adolescente sequestrada em 2002, os repórteres do
News of the World fizeram, quando apagaram a caixa de mensagens do celular da vítima, fazendo com que sua famíilia e a polícia acreditassem que a menina estava viva quando já tinha sido morta, somente para vender mais jornal e estender o caso, face à curiosidade do público, prolongando desnecessariamente as investigações da polícia. Um mau caratismo nunca dantes visto na atividade de um órgão de imprensa.
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Rupert Murdoch, o dono do jornal, em Davos.
O Cidadão Kane vive e está aqui. |
As relações intricadas do
News of the World com os mecanismos de poder na Grã-Bretanha eram tão grandes que Andy Coulson, o então porta-voz do primeiro-ministro britânico David Cameron, e ex-diretor do jornal, foi preso após o escândalo, quando se divulgou que ele teria participação nos crimes, ou, no mínimo, feito vista grossa durante anos acerca das irregularidades e crimes denunciados, enquanto respondia pelo enrolado jornal. O mar de lama e a m... soprada no ventilador ainda deve atingir a atual diretora do jornal, a ruiva e arrogantemente sexy Rebeka Brooks, protegida do chefão Murdoch. Mas não se duvida que muitos dos envolvidos possam escapar impunes.
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A última capa antes do jornal ser fechado.
Pra muita gente não vai deixar saudade. |
No Brasil, até ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em 30 de abril de 2009, a antiga Lei nº 5.250/67, referente à lei de imprensa, estabelecia no seu art. 16 que, publicar ou divulgar falsas notícias ou deturpar fatos verdadeiros, apresentando-os truncados, podia gerar uma pena que variava de 1 a 6 meses de detenção e o pagamento de até 10 salários-mínimos. É claro que o pagamento de uma importância dessas nos dias de hoje é uma ninharia, para os magnatas dos meios de comunicação, e talvez esse tenha sido um dos motivos para a nossa suprema corte entender que os crimes praticados por jornalistas devem ser agora julgados conforme o Código Penal. Afinal de contas, bandidos travestidos de repórteres na verdade são criminosos comuns, e como consequência de suas condutas ilícítas deve ser aplicado o rigor da lei penal, sem distinções. Se crimes da magnitude dos cometidos pela trup do
News of the World fossem cometidos por aqui, com certeza a responsabilização penal teria que levar em conta um trabalho braçal por parte da Polícia Federal, no sentido de arregimentar provas, além da necessidade de que alguém abrisse a boca, numa CPI do Congresso ou num inquérito acompanhado pela Justiça Federal, uma vez que os maioriais da imprensa britânica conseguiram engabelar até a toda poderosa Scotland Yard. É o poder econômico servindo como mecanismo para a propagação da criminalidade.
Acredito que, no futuro, muitos criminólogos se debruçarão sobre o caso do
News of the World como mais um exemplo de uma instituição que, se valendo da qualidade de um quarto poder, tentou passar por cima da legalidade e da democracia, subornando agentes de Estado ou driblando investigações oficiais somente para vender notícia. A atuação dos responsáveis por esse jornaleco confronta o Estado de Direito, expõe abertamente a criminalidade dos poderosos, e demonstra o quanto o capitalismo selvagem, na sua pior expressão através dos meios de comunicação, pode funcionar como fator criminógeno.