terça-feira, 12 de julho de 2011

CRIMES DA IMPRENSA:O News of the World inventou uma nova criminalidade-a dos meios de comunicação.


O News of the World era um tablóide medíocre e sensacionalista,
mas dava muito, muito dinheiro!
 Confesso que quando ouvi, na última semana, mencionarem no noticiário da TV o título News of the World, eu só me lembrava do disco homônimo, de 1977, da banda de rock inglesa Queen, com o saudoso Freddie Mercury nos vocais. Só com as manchetes nos jornais e a divulgação nas TVs do mundo inteiro, do escândalo envolvendo um dos maiores periódicos da Grã Bretanha, é que eu saquei o papel daquele tablóide e sua influência no modo de vida e na cultura do povo inglês. Para se ter uma ideia, no panoramana da imprensa européia, o News of the World era uma mistura do extinto "Notícias Populares" daqui com o jornal carioca O Dia.

O News of the World foi um jornal fundado no século XIX, precisamente em outubro de 1843, com edições dominicais que, por um século e meio, o tornaram um dos jornais mais populares da Inglaterra por reunir sensacionalismo, intrigas, fortes páginas policiais e fofocas sobre o mundo das celebridades e da política. Eis que prestes a completar 168 anos de existência, o jornal foi fechado por ordem de seu dono, Rupert Murdoch, um dos homens mais ricos do mundo, magnata das comunicações e célebre representante da mídia internacional, responsável pelo grupo Fox Internacional, e dono de outros dois grandes jornais famosos, de fama mundial, como o Wall Street Journal e o New York Post. O News of the World  fechou pelas acusações mais bizarras e graves possíveis: valendo-se de espiões, os integrantes do jornal grampearam e clonaram os telefones de, pelo menos, 4 mil pessoas na Inglaterra, além de furtar documentos e subornar policiais,  ultrapassando em muito os limites da ética jornalística.

Ética? Ora, ética!! Os representantes de um dos tablóides mais antigos do planeta simplesmente cometeram crimes sob o pretexto de exercer o faro jornalístico, obtendo e manipulando notícias por meios criminosos, criando uma nova espécie de figura delituosa: o chamado jornalismo delituoso. Para os que são profissionais da área, o que os integrantes do jornal britânico fizeram não foi jornalismo, mas sim um antijornalismo, no momento em que jogaram na sarjeta a credibilidade da profissão do repórter, aquele cara responsável por transmitir a noticia, pois, segundo a imprensa livre: o povo tem o direito de saber!


O mundo à mercê do grande capital dos magnatas da comunicação
 Não existe dúvida até o momento de que os representantes do jornal recém-fechado se valeram de seus contatos no Estado e no mundo da política, no Reino Unido, para obter material para suas reportagens e manchetes nas capas dos jornais. Outrora o jornal de maior circulação de país, graças a uma cultura que versa que todos os meios de comunicação devem devassar a vida de celebridades como a familia real britânica, o News of the World acessava as caixas de mensagens não apenas dos recém-casados príncipe William e sua esposa Kate Midleton, como também de personalidades como o jogador de futebol, David Beckham e sua esposa Victoria, ou gente conhecida do show business, como as  atrizes Sienna Miller e Gwyneth Paltrow, e até pessoas comuns, envolvidas em algum tipo de reportagem, de interesse do jornal. A desfaçatez do grupo era tamanha que até frustrar as investigações do assassinato de Mylly Dowler, uma adolescente sequestrada em 2002, os repórteres do News of the World fizeram, quando apagaram a caixa de mensagens do celular da vítima, fazendo com que sua famíilia e a polícia acreditassem que a menina estava viva quando já tinha sido morta, somente para vender mais jornal e estender o caso, face à curiosidade do público, prolongando desnecessariamente as investigações da polícia. Um mau caratismo nunca dantes visto na atividade de um órgão de imprensa.


Rupert Murdoch, o dono do jornal, em Davos.
O Cidadão Kane vive e está aqui.
 As relações intricadas do News of the World com os mecanismos de poder na Grã-Bretanha eram tão grandes que Andy Coulson, o então porta-voz do primeiro-ministro britânico David Cameron, e ex-diretor do jornal, foi preso após o escândalo, quando se divulgou que ele teria participação nos crimes, ou, no mínimo, feito vista grossa durante anos acerca das irregularidades e crimes denunciados, enquanto respondia pelo enrolado jornal. O mar de lama e a m... soprada no ventilador ainda deve atingir a atual diretora do jornal, a ruiva e arrogantemente sexy Rebeka Brooks, protegida do chefão Murdoch. Mas não se duvida que muitos dos envolvidos possam escapar impunes.


A última capa antes do jornal ser fechado.
Pra muita gente não vai deixar saudade.
 No Brasil, até ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em 30 de abril de 2009, a antiga Lei nº 5.250/67,  referente à lei de imprensa, estabelecia no seu art. 16 que, publicar ou divulgar falsas notícias ou deturpar fatos verdadeiros, apresentando-os truncados, podia gerar uma pena que variava de 1 a 6 meses de detenção e o pagamento de até 10 salários-mínimos. É claro que o pagamento de uma importância dessas nos dias de hoje é uma ninharia, para os magnatas dos meios de comunicação, e talvez esse tenha sido um dos motivos para a nossa suprema corte entender que os crimes praticados por jornalistas devem ser agora julgados conforme o Código Penal. Afinal de contas, bandidos travestidos de repórteres na verdade são criminosos comuns, e como consequência de suas condutas ilícítas deve ser aplicado o rigor da lei penal, sem distinções. Se crimes da magnitude dos cometidos pela trup do News of the World fossem cometidos por aqui, com certeza a responsabilização penal teria que levar em conta um trabalho braçal por parte da Polícia Federal, no sentido de arregimentar provas, além da necessidade de que alguém abrisse a boca, numa CPI do Congresso ou num inquérito acompanhado pela Justiça Federal, uma vez que os maioriais da imprensa britânica conseguiram engabelar até a toda poderosa Scotland Yard. É o poder econômico servindo como mecanismo para a propagação da criminalidade.

Acredito que, no futuro, muitos criminólogos se debruçarão sobre o caso do News of the World como mais um exemplo de uma instituição que, se valendo da qualidade de um quarto poder, tentou passar por cima da legalidade e da democracia, subornando agentes de Estado ou driblando investigações oficiais somente para vender notícia. A atuação dos responsáveis por esse jornaleco confronta o Estado de Direito, expõe abertamente a criminalidade dos poderosos, e demonstra o quanto o capitalismo selvagem, na sua pior expressão através dos meios de comunicação, pode funcionar como fator criminógeno.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

MISTÉRIO:Afinal, o que teria acontecido para a polícia matar e esconder o menino Juan??


Juan Moraes:mais uma vítima do absurdo.
 Juan Moraes é (ou era) um típico pré-adolescente carioca, negro, de família pobre, que tão somente engrossaria as estatísticas de mais um menino preto, pobre e favelado morto pela polícia, se seu desaparecimento não servisse para atingir todo um governo e mobilizar a opinião pública. Juan já estava sumido há mais de uma semana, sem que se soubesse onde ele estava ou onde se encontrava o seu corpo. Sim, pois até para a sofrida mãe do menino, Juan já tinha perdido a vida nas mãos da polícia que deveria "servir e proteger", mas que na dura realidade carioca, é tão perigosa quanto os traficantes armados que teimam em não sair da exuberante paisagem do Rio de Janeiro, após a progressiva instalação das Unidades de Polícia Pacificadora-UPPs, nos morros cariocas.

Infelizmente, para aqueles que torciam para um improvável final feliz, com o reaparecimento do garoto vivo, os meios de comunicação recentemente confirmaram o que já estava escrito: mais uma vez a polícia carioca cometeu abusos intoleráveis, rasgando a lei, cuspindo na Constituição e se tornando a pior face do crime que almeja combater, tornando-se também criminosa. Frente uma forte cobertura midiática e uma pressão intensa da opinião pública, todo o aparato estatal foi mobilizado no Rio de Janeiro para encontrar o menino, até que seu corpo foi encontrado.

A cena é bem clara e de contornos grotescos, tanto quanto é grotesca a rotina das comunidades assoladas pela violência no cotidiano carioca,.O garoto Juan voltava para casa, acompanhado de seu irmão, Wesley, quando, ao final do dia, na favela Danon em Nova Iguaçu, policiais militares supostamente teriam começado um tiroteio contra traficantes, no triste roteiro cotidiano dos moradores da Baixada Fluminense, quando tanto Juan quanto seu irmão foram atingidos pelos tiros trocados entre policiais e bandidos. Wesley ainda viu seu irmão caído e tentou pedir socorro, correndo atrás da mãe. Porém, ao retornarem ao local, Juan tinha sumido. O que aconteceu com o menino Juan?

Sobra responsabilidade para a Polícia Militar do Rio de Janeiro, enquanto que a Polícia Civil, acompanhada de seus peritos, espalhava luminol pelo local do crime, e montava grupos de busca, no sentido de encontrar algum vestígio do garoto que desapareceu no ar. Ao menos uma tese já foi derrubada, a de que Juan pudesse ter sido atingido por balas de traficantes, uma vez que na cena do crime persistem somente provas periciais de que somente os policiais militares estavam no local, e que a munição encontrada fora utilizada pelos policiais suspeitos do desaparecimento do garoto. Se  Juan não ingressou na estatística dos mortos, ao menos provisoriamente, até  que seu corpo fosse encontrado após quinze dias de seu desaparecimento, Juan já seguia nas estatísticas dos desaparecidos, daqueles meninos cujas fotos ficam penduradas nos muros ou coladas nos postes, ou nas mãos de mães chorosas, que, segurando tremulamente panfletos com as fotos de seus entes queridos, balbuciam entre um olhar distante, a seguinte pergunta: até quando??


Diante da barbárie, só nos resta protestar!
 O sumiço de Juan aconteceu no pior momento, na pior semana do inferno astral por que passa o governador Sérgio Cabral, após uma lua de mel duradoura com o eleitorado carioca, com uma reeleição respeitável no ano passado, e a popularidade levada às alturas por conta da boa atuação na segurança pública do Rio de Janeiro, com a proliferação das lendárias UPPs. A casa do Cabral começou a ruir com a queda de um helicóptero na Bahia, onde estava a namorada do filho do governador e outras mulheres e crianças que compunham o staff familiar do governador carioca, após um paradísiaco final de semana no litoral, em um acidente que expôs as chagas do governo carioca e o comprometimento do governador até os cabelos com altos representantes do empresariado, beneficiados em questionáveis licitações de obras públicas no Rio de Janeiro. Além disso, Cabral queimou seu filme ao chamar os bombeiros grevistas do Rio de vândalos, numa cidade que cultua seus bombeiros como autênticos heróis, responsáveis por grande parte dos salvamentos e resgates que acontecem todo ano no Rio, após os pesados temporais e ressacas marítimas na metrópole fluminense.


A perícia investiga a cena do crime e já contesta a versão dos suspeitos do crime.
 O caso de Juan serviu para mostrar que, infelizmente, o discurso das UPPs não é infalível e que o maior investimento do governo carioca em segurança pública tem telhado de vidro. Os policiais militares, que supostamente mataram Juan e ocultaram seu corpo, são os mesmos pagos pelo governo carioca para transformar a polícia do Rio numa vitrine para a Copa do Mundo de 2014 e para as próximas Olimpíadas em solo brasileiro; mas, por enquanto, parece que deixaram muito a desejar. Não obstante as iniciativas do governo em equipar e criar um novo padrão de policiamento na capital, ainda levará muito tempo para que a polícia fluminense deixe de cultivar uma subcultura retrógada e violenta, de ver todo suspeito como preto, pobre e favelado, e de se utilizar do expediente de atirar primeiro e perguntar depois. Infelzimente, em pleno século XXI, ainda permanece em toda sua atualidade a pesquisa sociológica feita pelo professor Roberto Kant de Lima na década de 80 do século passado, que resultou no interessante livro: A polícia da cidade do Rio de Janeiro (Ed. Forense). Em breves linhas, constata-se que a PM do Rio ainda mata muito, assim como a Polícia Civil tem muito o que melhorar.

Juan foi mais uma vítima da truculência e da corrupção policial, uma vez que pairam suspeitas acerca da atuação da perita criminal encarregada de identificar o corpo de uma criança, encontrada nas margens de um riacho, nas proximidades do local do crime, e que poderia ser o menino Juan. A suspeita de corrupção e uma iminente sindicância surgem no momento em que, aparentemente, a perita se "equivocou" e (pasmem!) identificou o cadáver encontrado como sendo inicialmente de uma menina e não de um garoto. Entretanto, dias após o crime, constatou-se que o corpo encontrado não era só de um menino, como correspondia à descrição do menino Juan, revelando mais uma tétrica realidade: a de que a Polícia do Rio matou, e matou mais uma vez um inocente.

Se na Argentina temos as Mães da Praça de Maio, aqui temos as mães de Acari, da Baixada Fluminense, do Complexo do Alemão, de Candelária, e de uma interminável lista de genitoras de garotos muito jovens e pobres, que viveram poucos anos de vida, até que finalmente foram ceifados deste mundo pela esdrúxula estrutura policial do Estado brasileiro. Se sob a égide de um Estado Democrático de Direito, a polícia não pode mais matar e torturar, em plena luz do dia, como fazia nos tempos da ditadura, agora resta a determinados bandidos de farda ocultar o que fizeram, fazendo ao menos sumir os elementos tidos como indesejáveis, carregando seus corpos crivados de balas para a margem de riachos ou lixões. Se não houver uma atuação enérgica da Justiça no caso, como aconteceu em tristes episódios anteriores, ainda teremos muitos Juans espelhados por aí, com seus corpos apodrecendo ao relento, vítimas da impunidade. Como diz a música do grupo mexicano Maná: O la migra o lo mató o el desierto le enterró! Pobre Juan!!