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Bispo Robinson Cavalcanti, morto aos 67 anos, pelo
próprio filho adotivo. Uma perda irreparável para a
comunidade religiosa e progressista do país. |
Pais sendo mortos por seus filhos sempre representa crimes estarrecedores. O parricídio (homicídio do próprio pai) era considerado o delito mais grave da Roma Antiga, pois significava um abuso à figura sagrada do
pater familias, e em muitos povos, de diversas religiões, o fato de alguém tirar a vida de um progenitor, matar quem lhe concebeu, revertia-se numa maldição terrível, na mais horrível das punições. Na tragédia de Sófocles, Édipo mata seu pai, Laio, por acidente (antes de saber quem era seu genitor). Na Bíblia, existem várias passagens, narrando esse ato terrível, como em Provérbios 16.29, onde se lê: "O homem violento coage o seu próximo e o faz deslizar por caminhos nada bons"; ou em Mateus 10.21: "E o irmão entregará à morte o irmão, e o pai e o filho; e os filhos se levantarão contra os pais e os matarão". Em outras passagens da Bíblia, vê-se que, no Antigo Testamento, Absalão tentou matar seu pai, o Rei Davi, não logrando êxito. Na crônica criminal brasileira, ainda é célebre o caso da ex-estudante de Direito paulista, Suzane Richthoffen, que auxiliada pelo namorado e o irmão deste (os "Irmãos Cravinhos"), matou seus pais, para ficar com os bens e a herança deles. Para muitos, por mais terríveis que tenham sido os genitores, só há uma explicação possível para um filho matar os seus pais: barbárie!
Não foi diferente no último dia 26 de fevereiro deste ano, por volta das 20:00 horas, na cidade de Olinda, em Pernambuco. Numa noite de domingo, perdia a vida o bispo anglicano Robinson Cavalcanti, e sua esposa, Miriam, brutalmente assassinados a facadas pelo seu filho adotivo, Eduardo, que morando há anos nos Estados Unidos, decidiu voltar para sua terra-natal, tão somente para ceifar a vida daqueles que o acolheram. Uma triste, muita triste história.
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O local do crime: a residência do bispo, onde
ocorreu a matança (retirado de reporterdecristo.com.br) |
Segundo o relato da polícia, Eduardo Olímpio Cavalcanti já respondia há vários processos criminais nos Estados Unidos, associados ao tráfico de drogas. Viciado em heroína, ele seria também integrante de gangues de latino-americanos, envolvendo cubanos, italianos e outros imigrantes que, não socializados, acabaram por fazer parte das negras estatísticas do crime no hemisfério norte, através da participação de estrangeiros no crime organizado em países desenvolvidos, como os EUA. Ao voltar para Recife, Eduardo estaria atrás de dinheiro, solicitando ajuda de seu pai para que ele pudesse, supostamente, trazer a esposa e filhos que ficaram na América, recebendo a recusa paterna de tal pedido. Foi o suficiente para que, movido a drogas, Eduardo matasse seus pais. Ao cometer o crime, Eduardo também tentou se matar, esfaqueando a si próprio, após ter golpeado várias vezes o pai e (segundo ele) ter atingido mortalmente a mãe que tentava proteger o marido. Tendo sobrevivido aos ferimentos, Eduardo encontra-se atualmente preso em Pernambuco, após ter sido liberado do hospital, e, segundo o delegado que apura o caso, não apresentou arrependimento do que fez.
Fica aqui a revolta. A profunda indignação por mais um crime bárbaro, que poderia passar despercebido na solitária crônica policial de tantos e tantos casos de filhos que matam seus pais, se esse triste delito não envolvesse a morte de um dos mais profícuos e combativos religiosos do país, militante das causas humanitárias e sociais. Robinson Cavalcanti era um ícone, muito pela sua participação nas lutas de movimentos sociais como advogado, intelectual e religioso, nas suas denúncias contra a injustiça e a ausência de inclusão social desde a época da ditadura militar, e, principalmente, por seu combate contra a violência. Que ironia! A mesma violência combatida pelo religioso foi a responsável por sua morte.
Indigna-me mais ainda, o silêncio da grande imprensa, principalmente de periódicos e de grandes meios de circulação impressos que citaram poucas ou nenhuma linha acerca do terrível episódio da morte de Cavalcanti, apesar do crime ter sido noticiado na TV e na internet em rede nacional. Parece que o autor de obras clássicas como
Libertação e Sexualidade,
A Utopia Possível e
Cristianismo e Política, era um profundo desconhecido da grande mídia nacional, que não mereceu sequer uma página de homenagem no espaço dedicado aos obituários, em revistas como a
Carta Capital, Época ou
Veja. A ignorância no tocante à obra deste grande pensador é proporcional aos níveis inconcebíveis de violência associados ao alcoolismo e tráfico de drogas que faziam parte da vida do assassino de Robinson, seu filho Eduardo, desde que este se mudou para os EUA, aos 16 anos. Como é revoltante ver o caminho em que a espiral de violência chegou!!
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O rosto do assassino:foragido dos EUA, Eduardo voltou
ao Brasil para matar seu pai.
(retirado de diariodepernambuco.com.br) |
A revolta também prepondera por descobrir que o ovo da serpente não está fora da sociedade, e nem somente distante de nós, dentro de grupos, escolas ou agremiações; mas sim dentro da própria família. É impressionante quanto desamor, desunião, desamparo, egoísmo e ingratidão acabam por contaminar famílias, principalmente de famílias religiosas, fazendo com que filhos se tornem assassinos de seus pais. O satânico sentimento de ódio que fez com que Eduardo Cavalcanti tirasse a vida de seus pais é o mesmo que contamina uma sociedade onde filhos e pais se veem como inimigos e não como parceiros, numa toxicidade de relações que só pode ser combatida através de muito amor, compreensão e conscientização. Infelizmente, no caso do ensandecido filho do bispo Robinson Cavalcanti, os apelos chegaram tarde demais.
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Para o reverendo Robinson: a justa homenagem. |
Sei que muitos religiosos, estudantes de teologia, intelectuais humanistas e militantes do movimentos sociais perderam o chão ao saber do trágico fim da vida do bispo Robinson Cavalcanti. É para eles a quem dirijo agora minhas palavras de luto, expressando minhas sinceras condolências a todos os familiares, amigos e admiradores da obra de tão importante pensador, que partiu cedo. Imagino a incompreensão de muitos quanto a um fato que ainda parece, para alguns, inacreditável. De fato fica a pergunta formulada a Deus do porquê de tirar tão repentinamente deste mundo, um religioso que, aos 67 anos, ainda apresentava farta saúde e uma rica disposição para o debate, participando de eventos acadêmicos e religiosos, emitindo suas opiniões em respeitadas publicações nacionais (a revista Ultimato era um dos periódicios que recebia contínua contribuição do religioso morto), além de contribuir para denunciar as mazelas sociais, em seu gratificante ofício de ministro religioso. Sem dúvida muita falta se fará sentir do bispo Robinson Cavalcanti, mas seu legado não será esquecido, e nem sua luta carinhosa por mais amor e menos violência, por justiça e igualdade social. O corpo pode ter se ido, mas a memória e a imortalidade das causas justas permanecerá sempre no empenho de seus seguidores. Adeus, bispo Robinson! Que sua alma esteja bem guardada ao lado de Deus, enquanto seu algoz é punido pelas leis do homem! Violência, nunca mais!!
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