sábado, 3 de novembro de 2012

VIOLÊNCIA EM SÃO PAULO: Há algo de podre no Reino da Dinamarca (ou as diferenças entre o crime organizado no Rio e em São Paulo)

Durante as últimas décadas era comum o Rio de Janeiro ser apresentado como a "pátria do crime" pelas imagens sensacionalistas da Rede Globo de Televisão, numa "cidade maravilhosa" rodeada de "comandos" e "falanges", como numa guerrilha urbana em que os morros cariocas encontravam-se repletos de criminosos fortemente armados. Já em São Paulo, na "capital do progresso", a criminalidade encontrava-se então restrita à longínqua periferia, dos conjuntos residenciais e subúrbios das Zonas Leste e Norte de São Paulo, bem distantes do burburinho da Avenida Paulista, e de seu frêmito de carros velozes e de vidros fechados, de seus executivos endinheirados.
 
A polícia paulista agora é alvo dos criminosos. No mínimo,
há cada 32 horas, um policial  é assassinado no Brasil.
Pois parece que a situação agora é diferente, tendo em vista os recentes (e aterrorizantes) casos de assassinatos de policiais e aumento desordenado da taxa de homícidios nas últimas semanas em São Paulo, como que para afrontar a política de bons resultados obtida anteriormente pela gestão do governador tucano Geraldo Alckmin, com redução dos índices de homicídios no começo de sua gestão. Pela primeira  vez, um secretário de segurança entra em confronto direto com um ministro da justiça, num bate-boca desenfreado através da mídia entre o secretário paulista, Antonio Ferreira Pinto e o ministro José Eduardo Cardozo. Entre acusações mútuas de que, por um lado o estado de São Paulo não recebeu ajuda do governo federal para conter a violência no estado, e de outro, o argumento da União de que o governo paulista recusou esse auxílio, tão somente por arrogância, o que se deixou pairar no ar foi uma impressão de completo descontrole do governo de Alckmin, em conter uma violência que vem recheando as páginas policiais dos jornais, e que serve de fator de preocupação não apenas para o Brasil, mas para o mundo inteiro, tendo em vista a quantidade de investidores estrangeiros que vem dia a dia ao país (sobretudo banqueiros e representantes de empresas internacionais que vem a São Paulo), e que, com certeza, permanecem amedrontados diante de cenas de tanta violência e medo, com assassinatos de policiais à luz do dia. Afinal, se o Estado não consegue proteger sequer seus agentes de segurança, o que será do cidadão comum?
 
Entretanto, é preciso salientar algumas diferenças entre a criminalidade no Rio e em São Paulo que talvez ajudem a esclarecer, para alguns curiosos sobre o tema, de um breve ponto de vista criminológico, o que realmente está em jogo para a eficácia dos serviços de segurança pública em ambas as metrópoles. Sabe-se que no Rio de Janeiro a criminalidade desenvolveu mais nos morros, face à acidentada geografia da capital fluminense, com um relevo propício à proliferação de bocas de fumo e sedes de organizações criminosas de grupos armados, montadas como bunkers, e de difícil acesso por grandes viaturas ou veículos blindados, propiciando um clima de guerrilha que muito lembrou as escaramuças entre a polícia e traficantes em outras metrópoles latino-americanas como Bogotá ou Cidade do México, ou um cenário bélico típico de conflitos como a Guerra da Bósnia. Para o Rio de Janeiro, a alternativa das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) pareceu ser uma das mais acertadas para a ocupação dessas áreas conflituosas, o que trouxe uma certa credibilidade (e votos) ao governo carioca; algo que agora sente falta o governo paulista, do governador Alckmin.
 
A FACE DO MEDO: Marcola: um
dos fundadores e líderes do PCC.
Jà em São Paulo, se no Rio organizações como o Comando Vermelho já eram velhas conhecidas da crônica policial, na década de noventa do século passado surgiu em São Paulo o Primeiro Comando da Capital (ou PCC), organização criminosa montada nos presídios, e liderada por bandidos como Marcos Willians Herbas Camacho, o "Marcola", atualmente preso no Presídio de Segurança Máxima de Presidente Venceslau. Diferentemente de seus colegas de crime no Rio, atuando de fora das instituições prisionais, os criminosos do PCC vieram direto dos presídios, e de lá se organizaram, mostrando todas as defiências e fragilidade do sistema penitenciário paulista. Se o Rio tinha os seus furos como nas rebeliões do Presídio de Bangu I, os presídios paulistas eram verdadeiros "queijos suiços", montados sobre uma rede de corrupção e impunidade.
 
Por falar em corrupção, o que vem sofrendo tristemente os profissionais da segurança pública (principalmente a PM), são as sequelas de uma das polícias mais organizadas, mas também mais mal remuneradas, violentas e corruptas, como a Polícia de São Paulo.As primeiras grandes ações do PCC que paralisaram a capital paulista nos últimos dez anos, deu-se em represália à ação extorsiva de grupos de policiais corruptos lotados em ambas as organizações policiais estaduais (Polícia Civil e Militar), que em muito contribuíram para o cenário de violência e terror, com ônibus queimados, delegacias metralhadas e policiais baleados, num clima de guerra ou de briga de gangues, que em muito comprometeu a eficácia das ações policiais em solo paulista.
 
O secretário de segurança de São Paulo quis comprar
briga com o governo federal por conta da violência.
Acabou tendo que engolir a ajuda governamental e
receber a pecha de arrogante.
(retirado de noticias.r7.com)
Quanto à eficácia da ação policial na resolução do problema, as opiniões se dividem entre os especialistas, cada qual recomendando ações mais ostensivas da polícia (os defensores de um policiamento mais baseada na linha da lei e da ordem, com um forte auxílio do Exército e da PM), enquanto que outros defendem uma ação maior dos serviços de inteligência policial, e não apenas o emprego armado de efetivos (aqui residem aqueles que defendem uma intervenção policial nos moldes europeus, onde prevalecem as organizações policiais de natureza civil, como a Polícia Civil e a Polícia Federal). De qualquer forma, após muitas controvérsias, finalmente o governo paulista aceitou o auxílio do governo federal, mediante  uma estrutura montada em parceria, no sentido de coibir as ações dos criminosos desde sua origem, nos principais pontos da cidade de onde podem ter partido as ordens para o homicídio de diversos policiais ou de possíveis colaboradores da polícia, numa ação criminosa plenamente intimidatória, típica de grupos altamente organizados.
 
O ministro da justiça, José Eduardo Cardozo. Sem soluções
mágicas para a crise da segurança em São Paulo.
(retirado de oglobo.globo.com)
Dentro dessa Caixa de Pandora que se tornou a segurança pública no Brasil, donde podem partir inúmeras soluções, de boas a ruins, o que se espera no momento é que o noticiário desaqueça de informações tensas, enquanto que as organizações policiais fazem o seu trabalho. Na verdade retomo aqui a velha crítica da reforma estrutural, como forma de solucionar os candentes problemas que assolam a segurança pública, mormente na coibição de atos de corrupção e valorização profissional, com o desmanhe do conluio entre redes criminosas e "bandas podres" de determinadas corporações policiais, além de uma opção racional pela desmilitarização e maior qualificação dos policiais, a fim de que conflitos entre bandidos não virem um mero cenário de guerra, e  evitar que determinados integrantes das corporações policiais se comportassem como se estivessem numa briga de gangues. Todas essas mudanças estruturais partem de investimentos, de novas prioridades do governante e da necessidade de questionamentos acerca dos paradigmas culturais de violência e truculência policial que hoje permeiam o imaginário dos integrantes das corporações policiais. Que venham os bandidos, mas também que venham soluções racionais para o problema da criminalidade, que tanto assola a população e prolifera condutas criminosas como as que aconteceram recentemente na metrópole paulista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário