sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

CHACINAS, MASSACRES,TIROTEIO EM ESCOLAS: por detrás de um jovem desequilibrado, o difícil cotidiano das nações industrializadas diante de sua cultura armamentista

O atirador em uma foto da infância: a inocência que viria a
dar lugar ao terror.
Por serem tão recorrentes, o grande risco de se deparar com mais uma chacina em colégios norte-americanos, como a praticada pelo atirador Adam Lanza, de 20 anos,  na última semana, num colégio na pacata cidade de Newtown, Connecticut, nos EUA, matando 27 pessoas, é o de permanecer indiferente diante de tragédias tão corriqueiras. Para alguns, o sentimento que fica acerca de Lanza, que matou, além de sua mãe, uma dezena de crianças,  é o da banalização da violência; sobretudo se esta se dá em escolas. Lanza é mais  um dos jovens que entram nas estatísticas criminais globais como um assassino desequilibrado, portador de sérios problemas de sociabilidade, que, diante da facilidade e do acesso ao mundo das armas, acabou por produzir mais uma tragédia, matando crianças e pessoas inocentes, além de dar fim à  vida de si próprio.

Há pouco mais de um ano, tivemos nossa cota de tragédia, entrando na triste estatistica global de atiradores em escolas, através  da ação de  Wellington de Oliveira, que ingressou num colégio no bairro de Realengo, na cidade do Rio de Janeiro, e lá matou a tiros de revólver 12 crianças e adolescentes, antes de dar fim a própria vida com um tiro na cabeça. Poucos anos antes, em 2007, na Universidade Virgínia Tech, em Blacksburg, também nos Estados Unidos, o estudante sul-coreano, Seung-Hui Cho, praticou a maior chacina em unidades de ensino que se tem notícia, matando 32 pessoas, incluindo um estudante brasileiro de pós-graduação. Todos esses crimes tem fatores em comum: jovens desequilibrados e dissociados da realidade, de difícil socialização e afetivamente frustrados, que, mediante o fácil acesso a armas de fogo, acabam produzindo as horripilantes cenas de massacre de pessoas que nem sequer tiveram a oportunidade de conhecer melhor a vida. Pergunta-se no ambiente criminológico: por que?


Saldo do massacre:mais de duas dezenas de mortos, além
de centenas de crianças e uma sociedade inteira aterrorizada.
Casos de atiradores em shoppings, cinemas, colégios e lanchonetes são comuns na crônica criminal do hemisfério norte, principalmente após sua  industrialização e crises econômicas no século vinte, sobretudo no pós-guerra. Ocorre que crimes dessa natureza passaram a ser celebrizados, a partir do massacre de professores e estudantes nos Estados Unidos, em uma escola em Columbine, no estado do Colorado, no ano de 1999. Naquela época, os adolescentes Eric Harris e Dylan Klebold, mostrados a partir das câmeras do circuito interno do colégio, invadiram o lugar, vestidos de preto, imitando os personagens do filme Matrix (muito famoso na época), e fortemente armados com armas automáticas, produziram um massacre de treze mortos e vinte e quatro feridos. O massacre gerou o filme Tiros em Columbine, do cineasta e ativista de esquerda, Michael Moore, que ganhou o Oscar no ano seguinte de melhor documentário. A tragédia em Columbine e o filme de Moore serviram para acender o debate sobre o uso de armas em larga escala por uma sociedade, e a ascensão de uma cultura armamentista diante de uma juventude crescentemente desajustada. Apesar dos apelos, todas as iniciativas legislativas e governamentais para reduzir o número de armas no Estados Unidos foram extremamente tímidas ou inexistentes. No Brasil, em 2005 foi aprovado um referendo, em votação popular em todo o país, optando-se pelo "não", em que se vetava um projeto de lei que versasse sobre a proibição completa e irrestrita da venda de armas a particulares no país. Naquele ano a mídia local ficou dividida, e alguns veículos de comunicação, como a Rede Globo de um lado, e a Revista Veja de outro, pregavam, cada qual a seu modo, a defesa aberta e irrestrita do uso de armas ou de sua proibição, diante do alarmismo e da cultura da violência e do medo que se desenvolveu na sociedade brasileira, principalmente nos grandes centros urbanos.

Nos olhos inocentes de uma criança: um horror indescritível
diante de mais uma absurda matança nos EUA.
Mas o que há por detrás de tragédias que, anualmente nos assombram, como o massacre em Newtown? Em primeiro lugar, podemos associar dois fatores distintos, que se diferenciam mas se comunicam: o fator individual e o fator social. Numa perspectiva eminentemente sociológica, podemos dizer que o caso de Adam Lanza é tipicamente encontrado em teorias como a da anomia, iniciada no século XIX pelo pensador francês Emile Durkheim e continuada no século XX por pesquisadores como o norte-americano Robert Merton. Por essa teoria, por não conseguirem adequar-se a determinados padrões ou expectativas sociais, determinados indivíduos tendem a ter condutas errantes, até mesmo violentas, podendo vir a praticar delitos, ou mesmo massacres, por seu completo desajustamento social. Isso ocorreria em sociedades capitalistas, bem industrializadas e urbanizadas, onde os imperativos da livre concorrência, do lucro e do sucesso a qualquer preço, criam uma camada de losers, indivíduos deslocados da luta social por riqueza, que, fragilizados diante de uma sociedade que prioriza o darwinismo social pela supremacia do mais forte, permanecem alijados economicamente e socialmente da cadeia produtiva, por serem considerados "não aptos". Diante disso, o acúmulo da frustração individual e o consequente ódio direcionado ao outro, poderiam levar o indivíduo a praticar crimes, dentre eles o assassinato.

Já em relação ao ambiente social, pode também vigorar uma abordagem crítica quanto ao excessivo caráter armamentista da sociedade norte-americana, derivado de sua ideologia burguesa e do pensamento liberal-individualista. O liberalismo levado radicalmente até suas profundezas é fundado no adágio popular "minha casa, meu castelo", que em sua tradução quer dizer que é lícito e legítimo defender sua liberdade e sua propriedade, valendo-se da autodefesa, inclusive com o emprego de armas, como uma forma de garantir a liberdade individual. Nesse sentido, já que a proteção de cada um só é atribuída em caráter secundário ao Estado, cabe ao indivíduo, primeiramente, cuidar de sua segurança, armando-se para que outros não venham atacar o seu direito à liberdade. É um pouco da perspectiva hobbesiana do "homem lobo do próprio homem", em que num primitivo estado de natureza, caberia a qualquer um defender o que é seu, armando-se para isso.

Nancy, mãe de Adam: morta brutalmente
pelo próprio filho no começo da chacina.
Ocorre que, na lógica capitalista, alguém sempre tem que lucrar financeiramente com algo, acumulando capital. É o caso da poderosa indústria das armas, que diante de uma sociedade que prioriza o uso da arma de fogo, como um adereço pessoal tão ou mais significativo de sua identidade quanto portar uma carteira, é muito fácil vender a ideia de que, para se ter uma maior segurança pessoal, convém sempre comprar uma arma de fogo. É por isso que em determinados lugares nos Estados Unidos, como supermercados e até em bancos, é possível ver que a compra de armas faz parte do cotidiano de um povo que se viu, desde sua independência e ascensão econômica como a nação mais poderosa do mundo, ameaçado por inimigos externos ou internos. A mãe de Adam Lanza, Nancy, era entusiasta das armas de fogo e possuía uma coleção dentro de casa, que não parava de crescer, por acreditar de forma paranoica que algum dia os Estados Unidos seriam invadidos. Foram algumas dessas armas, da coleção particular da mãe, que Adam pegou para matar sua própria genitora, enquanto ela estava dormindo, e depois seguir para a escola onde passou boa parte da vida estudando, para descontar sua fúria e frustração em dezenas de crianças que sequer o conheciam.

Diante do massacre o presidente Obama chorou, e cobrou uma legislação
mais restritiva do porte de armas nos EUA.
Os jovens da recente sociedade capitalista globalizada estão cada vez mais afastados do convívio humano direto, e priorizam as relações virtuais. Adam Lanza era um desses garotos, que desconfiado dos outros e acentuadamente antissocial, preferia a companhia dos computadores e das comunidades virtuais, como uma forma de expressar suas fraquezas e delírios. Na década de 50 do século passado, criminólogos como Cohen estabeleceram a teoria da subcultura delinquente, para explicar o comportamento criminal de dezenas de jovens que se associavam em gangues e pequenos grupos de delinquentes e arruaceiros, dentro do desemprego e do descrédito da juventude do pós-guerra. Ocorre que, diferente dos delinquentes juvenis subsocializados da obra de Cohen; hoje, a delinquência se exprime de forma mais sutil e imprevisível, através de jovens brancos, de famílias de classe média baixa, em sociedades industrializadas e pequenas áreas urbanizadas, que invadem colégios em pleno dia, fortemente armados, matando todos a seu redor, como também a si próprios.É um comportamento completamente distinto de quem age em grupo, tendo em vista que, com exceção do caso de Harris e Klebold, em Columbine, a maior parte dos atiradores de colégios prefere agir sozinho, como criminosos solitários que por não ter ou não se importar com alguém, exercem uma espécie de nihilismo deturpado, dizimando de uma hora pra outra quem eles considerem que simboliza toda sua frustração. É arrepiante pensar que estamos convivendo de perto com pessoas assim, tão angustiadas e dilaceradas psiquicamente.

Enquanto isso, crescem os protestos nos EUA contra a
venda indiscriminada de armas.
 Será que o lobby armamentista aguenta?
Lembro-me do impressionante video-clipe da banda de rock norte-americana, Pearl Jam, que se tornou um clássico dos anos noventa: Jeremy. Na bela e triste canção, cantada até hoje nos shows pelos fãs, vê-se no clipe um garoto solitário e mudo ( interpretado pelo ator Joseph Gordon-Levitt, ainda criança), que, vítima de bullying, caçoado pelos colegas de classe por ser considerado esquisito, isola-se na floresta, entre seus quadros e alucinações, até chegar o refrão, onde a letra diz que o personagem da canção alcança sua catarse, quando finalmente consegue se expressar, numa cena forte, em que o garoto Jeremy imagina seus colegas de turma, petrificados na sala de aula, cada um com uma marca de bala no peito, enquanto o cantor Eddie Vedder, entoa em voz alta o refrão: "Jeremy spoken, yesterday!". Talvez Adam Lanza tenha escolhido a forma mais triste de falar, através das balas que perfuraram as crianças de Newtown. Agora, o que permanece é o seu mórbido silêncio!


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