sexta-feira, 8 de maio de 2015

CASO MÁXIMO: Crime, solidão e homofobia-um triste resultado que resultou na morte de alguém

No último final de semana, os meios de comunicação, no noticiário policial da cidade de Natal, voltaram-se para mais um crime de repercussão, que, claro, gera notícia e muita, mas muita perplexidade.

No dia 30 de abril, uma quinta-feira, véspera do feriado de 1º de maio, o jovem de 19 anos, Jean Araújo Rocha, publicou em sua página na rede social Facebook a seguinte frase de apresentação: "Amanhã pode ser tarde demais". A frase, um tanto premonitória, iria traduzir um dos crimes mais dramáticos e divulgados na imprensa potiguar no ano de 2015: o assassinato do estudante e empresário Máximo Augusto Medeiros de Araújo, com apenas 23 anos. 

Frase premonitória anunciada por Jean nas redes sociais
A história do crime agora é bem contada pela imprensa, com riqueza de detalhes, em diligente investigação feita pela Delegacia de Homicídios-Dehom. Após se encontrarem no final da noite de sexta-feira, na saída da boate Vogue (conhecida e atrativa casa noturna que reúne o público GLS de Natal), os destinos de Máximo e Jean encontraram-se de forma fatal. Segundo as versões, atraído na saída da noitada por um belo, jovem e bem apessoado, ex-lutador de jiu-jtisu, Máximo teria convidado o rapaz para sair, entrando no seu carro, um veículo Palio, num encontro casual que se desenrola entre pessoas jovens, bonitas e desimpedidas,  independente de sua orientação sexual, após a balada, em pleno final de semana. Segundo a versão de Jean, ele aceitou. Foram ambos a um motel. E num desentendimento havido nesse encontro, Jean teria matado Máximo, estrangulando-o, acabando por deixar o corpo no meio de um matagal, em uma estrada carroçável no município de São Gonçalo do Amarante, roubando seu carro, e vendendo as peças do veículo nas proximidades do local do crime, o que levou a sua prisão.

Acusado de latrocínio, e como réu confesso, assumindo o crime, após sua prisão cinco dias após o crime,  restou Jean aos prantos, como reza toda crônica policial, dar sua versão dos fatos à imprensa, enquanto a família e os amigos de Máximo, indignados, valiam-se das mesmas redes sociais que o acusado utilizava, para manifestar toda sua tristeza, revolta e indignação, diante de mais um crime tão bárbaro. Nada mais natural e justificável.

Entretanto, não obstante minhas condolências à família do morto (com familiares que inclusive são meus amigos) e toda minha estupefação diante da barbárie de uma jovem vida violentamente ceifada de forma tão precoce, utilizo este espaço para falar como pesquisador e cidadão que sou.

A vítima, Máximo Augusto, morto precocemente.
Acredito que, diante deste fato, meu sentimento de pesquisador mescla solidão, compaixão e tristeza, muito menos do que ódio. Em primeiro lugar, algo que me assustou tanto quanto à violência empregada na morte de Máximo, foi o conteúdo de ignorância, homofobia e falta de bom senso, em uma série de comentários após a morte do estudante e empresário, que vinham desde as redes sociais até as conversas mais corriqueiras e cotidianas entre populares, após a divulgação do crime. Parecia que a condenação maior, num primeiro momento, era mais da vítima do que o criminoso, por conta de sua orientação sexual. Era possível encontrar comentários machistas, preconceituosos e por demais homofóbicos, que só faltaram dizer que a vítima procurou seu fim, mereceu seu destino, acabou por ter o fim de tantos homossexuais que engordam as estatísticas policiais de membros da comunidade GLS (gays, lésbicas e transexuais) que são mortos por parceiros, em mal sucedidas empreitadas sexuais, correspondendo por inteiro aos discursos bem reaçonários de parlamentares assumidamente contrários a essas minorias, como o pastor pentecostal Silas Malafaia, ou os deputados Marco Feliciano e Jair Bolsonaro.

Entretanto, fora o conteúdo altamente e equivocadamente  preconceituoso e rotulador de algumas pessoas, faço uma análise muito mais circunspecta e intimista do crime, tentando compreendê-lo muito mais em seus aspectos subjetivos e preliminares, como cabe a toda e boa análise criminológica, para quem se dedica a tal estudo. Creio que o componente moral maior que condicionou esse triste fato foi a solidão.

A solidão das vítimas e a solidão dos algozes: assim eu resumiria boa parte dos crimes sexuais e passionais. No caso de Máximo Augusto e seu asssassino, Jean, constatei na cena do crime ao menos duas pessoas carentes, desprovidas de algo, e que na ânsia de suprir o que faltava, acabaram por anular uma ou outra. Alguém acabou por sucumbir no duro jugo social-emocional do contexto dos envolvidos, e o resultado restou registrado nas páginas policiais.

Comoção ao máximo no funeral de Máximo Medeiros
Máximo, jovem que eu não conhecia, mas ouvi falar por conta dos inúmeros relatos de pessoas próximas, familiares, e pessoas que conheci e conheço em Natal, por diversos vínculos, era conhecido como pessoa simples, rapaz jovem, bonito, simpático e divertido, como dos muitos educados rapazes de classe média que existem na cidade, que não fazia mal a ninguém. Máximo era uma pessoa comum, assim como o autor de seu assassinato também era, mas de classes sociais diferentes, cada um com seus problemas, dores, amores, alegrias, tristezas e expectativas, levando-se em conta a tenra idade das duas partes envolvidas no crime (a vítima com 23, o autor com míseros 19 anos).

Entendo a conduta da vítima como a conduta de qualquer pessoa normal de sua idade, independente de sua orientação sexual. Assim como eu mesmo, na mesma idade, estudante de Direito e trabalhando em um banco, já tinha certo poder aquisitivo para sair para as baladas, beber, dançar, brincar e namorar, no sentido de procurar algúem, Máximo talvez em seu final de semana, quisesse simplesmente a mesma coisa. Afinal, em nossa solidão, em nossa busca de amor, de amar e ser amado, nem que isso signifique apenas uma "ficada", na nossa liberdade individual, todos temos o direito de sair às ruas, frequentar locais (dos mais respeitados aos mais questionáveis socialmente), simplesmente para suprir nossas  carências, para buscar amor. Queremos no final da noite sermos abraçados, beijados, cuidados, independente de quem seja, se esse alguém está disposto a nos dar, ao menos, o mínimo que queremos pedir. E, nesse sentido, Máximo Augusto foi tão normal quanto normais são as pessoas que diariamente saem no dia a dia das grandes cidades, atrás de encontrar uma companhia, alguém para passar uma noite, ou, quem sabe, encontrar um grande amor. A carência que nos move é a mesma que por vezes tolhe nosso discernimento quanto às companhias, como acontece com qualquer um que sente a picada maldita do mosquito da solidão. E quem se sente só, ao se sentir desconfortável com isso, naturalmente procura companhia.

O chefe da Delegacia de Homicídios: Fábio Rogério, responsável pelo caso.
Aí é que começa a história de Jean, e os caminhos dele e de sua vítima se cruzam, quase inexoravelmente, na cruzada punitiva. Ao seu modo, Jean também era um solitário. Morador da periferia, oriunda de família pobre, sem antecedentes criminais, Jean Araúro Rocha era somente mais um dos milhares dos rapazes jovens e bonitos, saídos da puberdade, que no auge dos hormônios e da virilidade física procuram academias de ginástica e jiu-jitsu para modelar o corpo (como tantos fazem hoje em dia, independente da classe social). Numa idade em que os erros são mais comuns que os acertos (quem nunca passou por ela que atire a primeira pedra), na sua imaturidade de garoto pobre, que almeja ganhar uns trocados a qualquer custo, ao invés de simplesmente roubar, Jean encontrou outro caminho: o de se tornar garoto de programa, ao menos temporariamente. No dia do crime, como fazem tantos garotos jovens que ficam perambulando, ou na entrada de lugares frequentados pelo público homossexual, como saunas e boates, Jean estava lá, aguardando uma "cantada", ou ao menos estando próximo de alguém que, para ele, era sinônimo de lucro associado a prazer sexual, como fazem, no ambiente heterossexual, garotas de programa que frequentam bares ou ambientes altamente frequentados por solteiros, em bares e boates da capital potiguar.s

Aqui, vale uma interrupção na narrativa, com ressalva a um caso semelhante, mas distinto em seus detalhes, que mereceu destaque no livro do jornalista Roldão Arruda, chamado Dias de Ira (Editora Globo, 1995). O livro trata da trajetória do criminoso paulista Fortunato Botton Neto, ex-garoto de programa, falecido de AIDS na prisão em 1997, que foi acusado de ser o maior serial killer, matador de homossexuais, da recente história criminal brasileira. Botton tinha modus operandi parecido, onde atraía suas vítimas, com promessas sexuais, para depois matá-las friamente, simplesmente porque tinha prazer em eliminar o desejo pelo outro do mesmo gênero que ele mesmo sentia. Nessa parte final da narrativa criminológica do perfil psicológico de um assassino, é que é possível compreender como se deu o triste fim do jovem Máximo Augusto Medeiros. Neto foi acusado de ter matado, ao menos, uma dezena de vítimas, entre pessoas influentes como dentistas, diretores de teatro, e professores, na década de oitenta do século passado. Bonito, musculoso, mal resolvido com suas tendências homoafetivas, Botton Neto confessou à Justiça ao menos três crimes, com riqueza de detalhes. Sua narrativa era sempre a mesma: "eles queriam que eu fizesse algo que eu não queria fazer". E nisso, exercitando seu ódio para com sua própria condição sexual, Botton matava seus amantes.

Ao menos nos meios de comunicação, Jean é claro ao dizer que o ponto de partida do crime deu-se quando ele foi para um motel com a vítima que lhe deu carona, e este se recusou a manter determinadas relações sexuais com seu parceiro de ocasião. Segundo ele, gerou-se uma briga, e dessa querela restou a morte da vítima, asfixiada com um lençol, supostamente por golpes de jiu-jitsu. Em relação a esses detalhes, somente a juntada de um laudo pericial ao inquérito que apura a morte de Máximo será conclusivo a como se deu a morte da vítima. Mas, ao menos em termos de discurso, seja para se defender do que fez ou confessar a autoria do delito, Jean revela a mesma dubiedade sexual de criminosos seriais como Fortunato Boton Neto.
O jovem Jean, assassino confesso da vítima.

A solidão econômica, aliada a uma não aceitação de sua condição sexual, levou a morte de alguém, carente simplesmente de uma solução para sua solidão afetiva. Um jovem bonito, que simplesmente queria ganhar dinheiro transando com alguém, acabou por assassinar seu parceiro de noitada, que por sua vez queria somente se divertir, tendo alguém para abraçar no final da noite, como qualquer um em sua carência, e que acabou morto por conta isso, numa triste ciranda criminal. É terrível pensar que numa simples saída noturna para se obter companhia o resultado seja o mais trágico possível. É horrível pensar que a solidão, quando se busca o fim dela, pode simplesmente matar!!

Ficam aqui minhas condolências a toda família e amigos de Máximo Augusto, assim como minha piedade pelos familiares de Jean Araújo Rocha, que terá por daqui em diante, provavelmente, um dos piores destinos criminais. Desde o tempo do Brasil Império, o que o diga a crônica policial, a Justiça criminal brasileira sempre foi impávida e implacável com os crimes de repercussão social, e o delito cometido por Jean, muito possivelmente, não passará impune. Fico mais triste ainda ao saber que, ao ver duas vidas precocemente desperdiçadas (tanto do jovem que morreu, tanto do que vai a julgamento), sinto que tal fato apenas permanecerá como triste lembrança para ambos os familiares (tanto da vítima quanto do criminoso), mas não será aproveitado como lição por nossos governantes e e legisladores, ao defender uma legislação mais protetiva de nossa juventude, principalmente para suprir nossas carências materiais (e por que não dizer? afetivas). Descanse em paz, Máximo!! Que Deus te dê o conforto e a boa acolhida!! E ao assassino Jean, não o deploro, mas também manifesto minha compaixão e tristeza, não lhe querendo um triste fim que ele agora já tem, mas ao menos acreditando numa fé inabalável que, ao menos para o pior dos bandidos, ainda existe redenção. Que todos nós, solitários ou não, independentemente de nossa orientação sexual, possamos simplesmente nos dar as mãos e um grande abraço, sem que ninguém tenha que matar alguém por conta disso!!!

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