sexta-feira, 12 de novembro de 2010

POLÍCIA E SOCIEDADE: Será que sociólogo ou militante dos direitos humanos não gosta de polícia?

Passei quase 3 anos no Rio Grande do Sul,  fazendo meu curso de doutorado, e lá tive a grata oportunidade de lecionar aulas para uma turma de policiais (militares e civis) da polícia gaúcha, graças a um convênio da instituição de ensino que me convidou, com o PRONASCI (Programa Nacional de Segurança e Cidadania, do governo federal). Foi uma boa experiência, e lá tive a oportunidade de estabelecer um franco debate com os integrantes das corporações policiais, sobre as relações (muitas vezes, tumultuadas) entre a polícia e a sociedade civil.

Recordo-me de um artigo publicado no jornal Zero Hora, de autoria do jornalista, sociólogo,professor e militante dos direitos humanos, Marcos Rolim. Rolim já tinha sido deputado pelo PT gaúcho, e ainda hoje é um dos mais conceituados e respeitáveis debatedores no país acerca dos direitos humanos e da questão carcerária. Não obstante sua atuação militante na área, não raro o cara é vítima de críticas por parte de setores das polícias, e por segmentos conservadores, defensores dos discursos de lei e ordem, que não gostam da acidez da escrita e das críticas profundas que o professor faz contra os abusos, a violência policial e as deficiências do aparato de segurança pública no país.

Pois bem! Li um artigo curioso, que expunha um caso que acabara de ser enviado à apreciação disciplinar do comando da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, envolvendo policiais militares que estavam numa viatura, e ao atravessarem a faixa de pedestres, no momento em que um pedestre vinha passando, foram repreendidos por ele. Os policiais não gostaram do tom indignado com que o pedestre repreendeu os policiais, pois este teria dito: "policial, tem que dar o exemplo, tem que parar na faixa". Isso foi motivo para que o sujeito fosse "convidado" a entrar na viiatura, e depois de muitas voltas, num passeio nada amistoso no carro da polícia, e debaixo de ameaças, muita agressão e xingamentos, o rapaz foi finalmente liberado. Ao ler isso em sala de aula, seguiu-se uma baldúrdia dentre alguns alunos policiais que se encontravam presentes, e um se adiantou, pelo fato de conhecer os policiais envolvidos e participar do acompanhamento do processo administrativo gerado com o fato, partindo em defesa de seus colegas de farda. Os argumentos foram os mesmos que eu já havia encontrado na mídia e na declaração de alguns comandantes quanto à atuação do jornalista e acadêmico gaúcho: Rolim não gostava da polícia e por isso fazia questão de desmoralizar a corporação em seus artigos de jornal.

Corto o episódio para recordar do livro que tornou célebre o antropólogo carioca e ex-subsecretário de segurança do Rio de Janeiro, Luiz Eduardo Soares, no seu livro autobiográfico: Meu Casaco de General, contando sua experiência na conturbada segurança pública do Rio, no governo de Antony Garotinho. Soares também foi vítima de perseguições. Muitas delas por denunciar a "banda podre" da polícia civil, e por isso teve que passar um ano exilado com a família nos Estados Unidos, com medo de represálias. Já no Rio Grande do Norte, o ativista dos direitos humanos Roberto Monte, vive até hoje com proteção especial, tendo em vista sua atuação maciça na denúncia dos esquadrões da morte e grupos de extermínio na polícia potiguar, que rendeu até reportagem marcante na revista Trip. Voltando ao Rio de Janeiro, podemos ainda citar a figura do deputado do PSOL, Marcelo Freixo, o mais votado nas últimas eleições na terra fluminense. Ele também, um notório ativista e militante dos direitos humanos, retratado no filme de José Padilha, Tropa de Elite 2, através do talentoso ator Irandir Santos, foi vítima de críticas por toda sorte de membros de corporações policiais e jurado de morte pelas milícias, que insiste em denunciar e combater. Vejo pontos em comum nesses personagens :são todos intelectuais e interlocutores da sociedade civil, que entraram em choque com o pensamento dominante nas polícias brasileiras, e são tidos por muitos policiais como inimigos de suas corporações.

Agora me pergunto, ao ver no twitter algumas frases do deputado Freixo acerca da atuação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), colocadas hoje como a "menina dos olhos" da segurança pública nacional e carro-chefe da reeleição vitoriosa do governador Sérgio Cabral, como é fácil dizer que o deputado é contra uma experiência bem sucedida, que tirou do Rio a pecha que tinha durante anos de cidade violenta e ingovernável. Freixo não se insurge contra as UPPs, mas estabelece uma arguta crítica de que, tais unidades foram muito mais criadas sob o calor imediatista da proximidade de uma Copa do Mundo vindoura, e da consecutiva olimpíada a se realizar na cidade maravilhosa, do que num projeto real de reforma da segurança pública, num ambiente devastado pela criminalidade e violência. Questiona Freixo no twitter se as UPPs servem para um projeto de segurança pública ou para um projeto de cidade, e se sua instalação nos morros cariocas não teria mais haver com a produção de obediência do que com a promoção de segurança. Recordo de um debate em que participei no mês passado na UNIRIO, junto com o brilhante sociólogo da UERJ, Ignacio Cano, em que questionamos o papel das UPPS, e se sua função "pacificadora" não tinha muito mais relação com a pacificação bélica, exercida pelos efetivos miltares ao ocupar o território inimigo, do que com uma ação efetiva de políticas públicas a serem realizadas pelo Estado. Afinal, necessariamente, com o terreno hostil ocupado após muito tiroteio, é natural que a paz surja como consequência, pela derrota do inimigo.

Em todos os quartéis, postos policiais e delegacias, é comum ver comentários de policiais insatisfeitos, sentindo-se injustiçados diante do olhar crítico de estudiosos que, pelo fato de estarem trancados em suas salas de aula, nos bancos das faculdades, não conhecem nem um terço do sofrimento e das agruras de quem vivencia o cotidiano perigoso e arriscado da atividade policial. Quanto aos sentimentos de revolta e frustração, não tiro a razão dos policiais. Somente vejo que talvez sua ira esteja voltada para os destinatários errados, pois o problema da polícia não está com os sociólogos e nem com os militantes de direitos humanos. O problema está no próprio Estado.

Entendo, não só como integrante (ainda) de uma corporação policial, mas também como acadêmico, professor de ciências criminais que sou, e estudioso da segurança pública, que a antipatia ou implicância de vários policiais contra os estudiosos do tema e defensores dos direitos humanos, acontece de maneira gratuita, pela ignorância de um sistema criminal que quer nos manter na cegueira,  sobre os problemas reais que acometem as corporações policiais. O sistema! Ahh, o sistema! Lá vem o sistema de novo, o velho sistema! Mas é justamente numa crítica em relação ao sistema que podemos encontrar soluções viáveis para os dilemas da segurança pública no país, e não apenas recebendo com o tom raivoso de um Cel. Nascimento do filme (personagem de Wagner Moura) todo militante de causas humanitárias, como um cara chato e oportunista que só quer tumultuar um trabalho violento que tem que ser feito.

Entendo que os militantes das questões carcerárias, como Rolim, revelam as condições desgraçadas dos presídios brasileiros, não para meter o pau nos ilustres representantes da administração carcerária; mas sim para denunciar a realidade desumana de quem deveria ter sido sujeito à medidas sociais preventivas, para que não precisasse ficar engaiolado, e, já que não foi obtido isso, que ao menos o Estado cumpra com sua cota-parte de responsabilidade, conferindo condições mínimas de sobrevivência e convivência, num espaço onde é impossível conviver. Quando vejo deputados como Freixo ou estudiosos como Soares, criticarem as polícias, vejo aí que eles não tem a menor intenção de ofender dignos policiais, homens trabalhadores, que debaixo de suas fardas e coletes, querem tão somente cumprir com o dever que lhes foi conferido, e com isso possam sustentar suas famílias. Na verdade, entendo que os principais críticos das polícias são aqueles que desejam o seu melhor bem-estar, justamente porque acreditam (e defendem) um novo modelo de segurança pública, assim como uma reforma completa do aparato estatal, que não beneficia só as comunidades, mas sim, principalmente, valoriza o trabalho do policial. Quando eu disse em uma sala de aula, que o custo alto de nossos presos era a conta cara que tínhamos que pagar enquanto sociedade, pelos juros contraídos na nossa inadimplência do não aproveitamento de mão de obra precária, no mercado capitalista em que vivemos, quase fui "apedrejado" por bolinhas de papel dentro da classe, porque achava, realmente, que o problema estrutural por que passa a política criminal brasileira, nada tem haver com a personalidade do criminoso, num forçado retorno lombrosiano, mas sim na parcela de culpa da sociedade; pois o crime é, sim, um problema social e não individual!

Enquanto isso, a estratégia midiática ou de uns "tropa de elite" da vida, é mostrar os militantes dos direitos humanos e os estudiosos do problema criminal como frouxos, acomodados e bem servidos intelectuais de esquerda, daqueles que se encontra em mesa de bar no final da aula, egressos da classe média, que não tiveram que encarar bandido frente a frente numa favela, armado de bazuca, tendo que decidir na última hora quem morre ou quem vive. Não entendem nossos dignos companheiros de carreira policial, que a contribuição que é dada pela cátedra, é sim, muito importante no sentido de se pensar o fenômeno criminal; mas, lógico, não é suficiente. Intelectuais não foram feitos para participar do teatro operacional de uma batida policial, assim como policiais não são aqueles que ficam diante de livros, estatísticas e entrevistas, na difícil tarefa de compreender a complexidade das relações humanas, tão depreciadas por conta da degeneração final do convívio social, com a predominância do crime e da violência. Intelectuais e militantes não são juízes, assim como também não são executores, e não compete a eles julgar ou participar de intervenções estatais, quando na verdade são eles apenas os encarregados de desmontar o imenso quebra-cabeças da inconsequência e ineficácia do Estado, em solucionar a luta animalesca do homem contra si próprio, contra o lobo que é o próprio homem.

Acredito que no momento que for possível se realizar uma política criminal séria nesse país, será possível aliar os conhecimentos tanto de intelectuais quanto de policiais, ligando a sabedoria do conhecimento crítico, obtido nas universidades, com a astúcia do conhecimento prático, obtido por muitos policiais, na sua labuta diária de contenção da violência e busca de uma solução nem sempre coercitiva, mas tão importante e tão especial quanto tantas outras atividades estatais. Sem as polícias, os intelectuais são meros pregadores no deserto, e sem os intelectuais, as polícias são somente uma triste massa informe, um bando de homens armados e uniformizados, que diante do menor tiroteio, passam a funcionar como feras assustadas ou raivosas, mas sem uma mínima racionalidade na condução de sua delicada função institucional. Peguemos leve com os intelectuais, assim como peguemos leve com as polícias! Afinal, estamos todos no mesmo barco! 

2 comentários:

  1. ENQUANTO OS VAIDOSOS, OS IMPRODUTIVOS, OS CORRUPTOS, OS POLÍTICOS NEFASTOS, OS QUE FAZEM DA POLICIA TRAMPOLIM, SE MANTIVEREM NAS ESTRUTURAS POLICIAIS SE LOCUPLETANDO DO SISTEMA PARA LUCRAREM, AS COISAS VAO CONTINUAR DE MAL A PIOR... INFELISMENTE.

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  2. Gracias pelo comentário, meu caro Jeova. Seja muito bem vindo, toda vez que quiser contribuir.

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