O jornalista, então diretor de redação de um dos jornais mais tradicionais e de maior circulação do país, inicou um romance com sua ex-funcionária, trinta anos mais nova, e uma relação tempestuosa em que, sentindo-se traído emocionalmente e profissionalmente (como alegou para a polícia), Neves acabou matando a ex-namorada com um tiro nas costas e outro na cabeça, sem qualquer possibilidade de reação da vítima.
Condenado por um júri popular após quase 6 (seis) anos da prática do crime, Pimenta Neves seguiu recorrendo, apelando em liberdade, de uma sentença que o condenou há mais de 19 anos de prisão. Ele chegou a obter uma redução da pena, em grau de recurso, baixando o cumprimento da pena para 15 anos, mas manteve-se livre pela sucessão de recursos que interpôs através de seus advogados, aproveitando-se da morosidade da Justiça. O jornalista permaneceu recluso em sua casa, saindo pouco, praticamente sem participar de quaisquer eventos sociais e evitando multidões face o linchamento da opinião pública diante do seu caso, mas não evitou os meios de comunicação, chegando a dar uma entrevista para a revista Alfa, da editora Abril, há poucos meses atrás.
Parecia mais um velho bonachão, de barba branca, mais gordo quando foi preso pela primeira vez em 2001, o jornalista Pimenta Neves, quando saiu de sua casa no elegante, tranquilo e tradicional bairro de Chácara Santo Antonio, na zona sul de São Paulo, em direção à prisão, na noite do último dia 24 de maio. Sabe-se já de antemão por informações da própria Justiça, que Pimenta Neves não terá nenhum benefício apesar da idade avançada, de 73 anos. O máximo que poderá acontecer será ele cumprir a pena em regime domiciliar, saindo do estabelecimento prisional, se conseguir comprovar perante uma Junta Médica que não tem mais condições de saúde para cumprir sua pena no regime fechado. Vocês acham que ele ainda pode se safar? Provável, mas não da forma impune como foi tratado antes.
O problema da impunidade, que cercou durante uma década, o triste caso criminal de um homem poderoso, já idoso, que no ego ferido e no sentimento de macho rejeitado, decidiu alvejar sem piedade sua jovem ex-amante, é corriqueiro e não raro na crônica policial brasileira. Posso citar ao menos uma dezena de casos rumorosos, que ganharam as manchetes dos jornais, em pelo menos um século de história dos fenômenos criminais no Brasil (como o caso de Doca Street, nos anos setenta, que matou a amante, Ângela Diniz), mas prefiro não tecer maiores comentários, a fim de não deixar o texto deste artigo enfadonho. Entretanto, devo assinalar que a ausência de punição, no caso de um assassino confesso, deu-se menos em virtude das deficiências das leis penais e processuais penais, mas muito mais em razão da morosidade judicial e da forma como o Poder Judiciário lidou com o caso envolvendo o influente jornalista. Não foi um problema da lei, mas sim um problema do Estado.
Nos anos quarenta, o criminólogo Edwin Sutherland criou a expressão white collar crime, para definir a criminalidade exercida pelos poderosos. É claro que sua teoria não pode ser aplicada aqui, no caso de Pimenta Neves, mas em pelo menos um aspecto, pode-se ver um dos elementos da teoria de Sutherland que tem plena aplicabilidade no caso analisado, de ampla repercussão social. O caso de impunidade judicial em relação a ausência de cumprimento da pena pelo jornalista durante esse tempo todo, chega a ser citada em salas de aula, em muitas aulas de criminologia e direito processual penal nas faculdades de Direito, e é no sentimento de austeridade que cerca as pessoas ricas, influentes ou de forte prestígio social, que reside a tendência dos julgadores a levar em conta, implicitamente, a condição social do réu, no momento da aplicação da pena. Para outros teóricos, isso é o que se chama de metanorma, quando, no momento de aplicação da norma penal, o juiz carrega consigo, em suas convicções, uma espécie de pré-juízo ou pré-conceito acerca da pessoa a ser julgada, por motivos de distinção de gênero, raça ou classe social. Pimenta Neves é um assassino confesso, e isso é inquestionável; mas a forma como se portou durante todo o processo, o fiel comparecimento a todos os atos processuais, e a disposição de não atrapalhar nenhum ato investigatório sequer, apresentando, ao contrário, uma passividade quanto ao material probatório que era reunido contra ele, não obstaculizou sua condenação na primeira instância no tribunal do júri. Entretanto, uma vez condenado, ele continuou recorrendo, e o Judiciário (pasmem!) contribuiu para mantê-lo solto, apesar de condenado, firme no cumprimento do princípio da presunção da inocência que, mesmo no caso da confissão, nada vale diante da necessidade de se admitir nas instâncias judiciais superiores, o exercício dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Nada contra isso. Porém..........!
Acredito que o Judiciário não errou quando cumpriu fielmente com os princípios constitucionais e com a legislação processual penal, e nem foram os dispositivos normativos os responsáveis por manter Pimenta Neves tanto tempo longe da cadeia. Na verdade o Judiciário não errou mas foi moroso, atrapalhado, lento, vagaroso, quando se tratou de uma questão criminal que envolveu uma pessoa influente, enquanto que outros mais pobres, de semelhante culpabilidade, são presos a qualquer momento por qualquer pedido de prisão preventiva que invoque a garantia da ordem pública, a aplicação da lei ou a conveniência da instrução criminal. Conveniente para quem, cara pálida?!
Os advogados de Pimenta fizeram o que sabiam fazer. Foram bons advogados. No patrocínio da causa de seu cliente, eles apenas se valeram dos dispositivos processuais, abrindo brechas nas falhas ou insuficiências materiais do Judiciário, para garantir ao seu cliente uma década tranquila, ao menos livre do cumprimento de uma pena que era obrigado a pagar, mais dia ou menos dia; e essa hora finalmente chegou! Quer dizer, chegou entre "aspas", uma vez que, apesar de não escapar do cumprimento da pena, Pimenta Neves poderá permanecer preso em regime fechado por menos de dois anos, tendo em vista o direito que tem à progressão de regime, uma vez tendo cumprido um sexto da pena. Isso sem contar a detração, mecanismo processual que permite computar o período de tempo em que o réu permaneceu preso provisoriamente, antes do trânsito em julgado da sentença, subtraído do valor total da pena prevista na condenação. É! Muitos irão dizer que a condenação de Pimenta Neves veio tarde demais, mas ao menos ela veio. É triste ver o estado acabado do pai de Sandra Gomide, hoje enfermo, preso a uma cama, que agora aguarda seu último suspiro, ao menos com a certeza de que o assassino de sua filha foi finalmente preso. É! Sr. João Gomide, ao menos o senhor agora poderá morrer em paz!