terça-feira, 24 de maio de 2011

PROCESSO PENAL: A condenação do jornalista Pimenta Neves após dez anos. Até que enfim!!

Quando um dos maiorais da imprensa brasileira, o jornalista do Estadão, Antônio Marcos Pimenta Neves, assassinou sua ex-namorada, Sandra Gomide, em um haras de sua propriedade, em agosto do ano 2000, ligando depois para seus familiares, confessando o que havia feito, creio que ele não pensava que seu crime corresponderia a um dos maiores casos de impunidade e morosidade judicial da Justiça Brasileira, com repercussão internacional.

O jornalista, então diretor de redação de um dos jornais mais tradicionais e de maior circulação do país, inicou um romance com sua ex-funcionária,  trinta anos mais nova, e uma relação tempestuosa em que, sentindo-se traído emocionalmente e profissionalmente (como alegou para a polícia), Neves acabou matando a ex-namorada com um tiro nas costas e outro na cabeça, sem qualquer possibilidade de reação da vítima.

Condenado por um júri popular após quase 6 (seis) anos da prática do crime, Pimenta Neves seguiu recorrendo, apelando em liberdade, de uma sentença que o condenou há mais de 19 anos de prisão. Ele chegou a obter uma redução da pena, em grau de recurso, baixando o cumprimento da pena para 15 anos, mas manteve-se livre pela sucessão de recursos que interpôs através de seus advogados, aproveitando-se da morosidade da Justiça. O jornalista permaneceu recluso em sua casa, saindo pouco, praticamente sem participar de quaisquer eventos sociais e evitando multidões face o linchamento da opinião pública diante do seu caso, mas não evitou os meios de comunicação, chegando a dar uma entrevista para a revista Alfa, da editora Abril, há poucos meses atrás.

Parecia mais um velho bonachão, de barba branca, mais gordo quando foi preso pela primeira vez em 2001, o jornalista Pimenta Neves, quando saiu de sua casa no elegante, tranquilo e tradicional bairro de Chácara Santo Antonio, na zona sul de São Paulo, em direção à prisão, na noite do último dia 24 de maio. Sabe-se já de antemão por informações da própria Justiça, que Pimenta Neves não terá nenhum benefício apesar da idade avançada, de 73 anos. O máximo que poderá acontecer será ele cumprir a pena em regime domiciliar, saindo do estabelecimento prisional, se conseguir comprovar perante uma Junta Médica que não tem mais condições de saúde para cumprir sua pena no regime fechado. Vocês acham que ele ainda pode se safar? Provável, mas não da forma impune como foi tratado antes.


O problema da impunidade, que cercou durante uma década, o triste caso criminal de um homem poderoso, já idoso, que no ego ferido e no sentimento de macho rejeitado, decidiu alvejar sem piedade sua jovem ex-amante, é corriqueiro e não raro na crônica policial brasileira. Posso citar ao menos uma dezena de casos rumorosos, que ganharam as manchetes dos jornais, em pelo menos um século de história dos fenômenos criminais no Brasil (como o caso de Doca Street, nos anos setenta, que matou a amante, Ângela Diniz), mas prefiro não tecer maiores comentários, a fim de não deixar o texto deste artigo enfadonho. Entretanto, devo assinalar que a ausência de punição, no caso de um assassino confesso, deu-se menos em virtude das deficiências das leis penais e processuais penais, mas muito mais em razão da morosidade judicial e da forma como o Poder Judiciário lidou com o caso envolvendo o influente jornalista. Não foi um problema da lei, mas sim um problema do Estado.

Nos anos quarenta,  o criminólogo Edwin Sutherland criou a expressão white collar crime, para definir a criminalidade exercida pelos poderosos. É claro que sua teoria não pode ser aplicada aqui, no caso de Pimenta Neves, mas em pelo menos um aspecto, pode-se ver um dos elementos da teoria de Sutherland que tem plena aplicabilidade no caso analisado, de ampla repercussão social. O caso de impunidade judicial em relação a ausência de cumprimento da pena pelo jornalista durante esse tempo todo, chega a ser  citada em salas de aula, em muitas aulas de criminologia e direito processual penal nas faculdades de Direito, e é no sentimento de austeridade que cerca as pessoas ricas, influentes ou de forte prestígio social,  que reside a tendência dos julgadores a levar em conta, implicitamente, a condição social do réu, no momento da aplicação da pena. Para outros teóricos, isso é o que se chama de metanorma, quando, no momento de aplicação da norma penal, o juiz carrega consigo, em suas convicções, uma espécie de pré-juízo ou pré-conceito acerca da pessoa a ser julgada, por motivos de distinção de gênero, raça ou classe social. Pimenta Neves é um assassino confesso, e isso é inquestionável; mas a forma como se portou durante todo o processo, o fiel comparecimento a todos os atos processuais, e a disposição de não atrapalhar nenhum ato investigatório sequer, apresentando, ao contrário, uma passividade quanto ao material probatório que era reunido contra ele, não obstaculizou sua condenação na primeira instância no tribunal do júri. Entretanto, uma vez condenado, ele continuou recorrendo, e o Judiciário (pasmem!) contribuiu para mantê-lo solto, apesar de condenado, firme no cumprimento do princípio da presunção da inocência que, mesmo no caso da confissão, nada vale diante da necessidade de se admitir nas instâncias judiciais superiores, o exercício dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Nada contra isso. Porém..........!

Acredito que o Judiciário não errou quando cumpriu fielmente com os princípios constitucionais e com a legislação processual penal, e nem foram os dispositivos normativos os responsáveis por manter Pimenta Neves tanto tempo longe da cadeia. Na verdade o Judiciário não errou mas foi moroso, atrapalhado, lento, vagaroso, quando se tratou de uma questão criminal que envolveu uma pessoa influente, enquanto que outros mais pobres, de semelhante culpabilidade, são presos a qualquer momento por qualquer pedido de prisão preventiva que invoque a garantia da ordem pública, a aplicação da lei ou a conveniência da instrução criminal. Conveniente para quem, cara pálida?!

Os advogados de Pimenta fizeram o que sabiam fazer. Foram bons advogados. No patrocínio da causa de seu cliente, eles apenas se valeram dos dispositivos processuais, abrindo brechas nas falhas ou insuficiências materiais do Judiciário, para garantir ao seu cliente uma década tranquila, ao menos livre do cumprimento de uma pena que era obrigado a pagar, mais dia ou menos dia; e essa hora finalmente chegou! Quer dizer, chegou entre "aspas", uma vez que, apesar de não escapar do cumprimento da pena, Pimenta Neves poderá permanecer preso em regime fechado por menos de dois anos, tendo em vista o direito que tem à progressão de regime, uma vez tendo cumprido um sexto da pena. Isso sem contar a detração, mecanismo processual que permite computar o período de tempo em que o réu permaneceu preso provisoriamente, antes do trânsito em julgado da sentença, subtraído do valor total da pena prevista na condenação. É! Muitos irão dizer que a condenação de Pimenta Neves veio tarde demais, mas ao menos ela veio. É triste ver o estado acabado do pai de Sandra Gomide, hoje enfermo, preso a uma cama, que agora aguarda seu último suspiro, ao menos com a certeza de que o assassino de sua filha foi finalmente preso. É! Sr. João Gomide, ao menos o senhor agora poderá morrer em paz!

sábado, 21 de maio de 2011

CRIME: Tá lá o corpo estendido no chão.......... da USP!!!!

A USP é considerada uma das maiores universidades da América
A Universidade de São Paulo (USP) é a maior universidade pública do Brasil. Com seus diversos campus espalhados pelo estado de São Paulo, com mais de 76 mil alunos e com uma cidade universitária imensa, com aproximadamente  76.799.555 m2 de área, a USP é um colosso do ensino brasileiro, cuja verba oriunda do orçamento estadual supera a de muitos estados brasileiros da federação. Por toda a sua tradição e nível de excelência é comum ver notícias sobre essa universidade através de periódicos, publicações e sites voltados para a área do ensino, ou, esporadicamente, a USP ganha notícias nos jornais pelas greves de seus professores e funcionários, mas nunca nas páginas policiais. Eis que nos últimos dias, a USP ganhou não apenas manchetes e espaços no noticiário, como foi assunto durante a semana inteira acerca de temas vinculados não com a educação brasileira, mas sim com a violência e a criminalidade.

A cena do crime
No dia  18 de maio, por volta das 21:30 horas, o estudante do curso de Ciências Contábeis, Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos, foi morto com um tiro na cabeça, após reagir a um assalto, ao entrar no seu carro, no estacionamento da Faculdade de Administração e Economia (a FEA da USP),   no primeiro caso de latrocínio registrado na história da universidade, no interior de um campus vigiado por seguranças da própria universidade e câmeras. A Academia de Polícia Civil, considerada uma das melhores do Brasil no treinamento de profissioanis da segurança, localiza-se dentro do campus. O crime não chocou apenas a comunidade universitária, mas toda a sociedade brasileira, pelo destaque que foi pelos meios de comunicação a trágicos acontecimentos que ocorrem todos os dias nas grandes cidades, mas que não poderiam ser vislumbrados dentro do campus de uma respeitabilíssima instituição de ensino como a USP.

Estudantes da FEA revoltados com a tragédia.
Os campus universitários das grandes universidades são vistos como ilhas de excelência e tranquilidade, com suas calçadas bem limpas, suas ruas extensas, seus prédios e laboratórios arrumados, seus centros de convivência e uma área verde imensa, de centros universitários localizados muitas vezes próximo à reservas florestais ou dotados de uma mata nativa, destinada à conservação. Alguns campus de universidades brasileiras que já visitei são uns dos mais bonitos do país, como o próprio campus da USP,  o da UNICAMP, no mesmo estado de São Paulo, o campus da UNISINOS, situado no idílico Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul e o belo campus universitário, rodeado de dunas, da UFRN. Na época da ditadura militar, no começo dos anos setenta do século passado, os campus das universidades federais foram construídos em áreas extensas e verdes para desmobilizar o movimento estudantil. Feitos muitas vezes no estilo de fortes, fortalezas ou campos de treinamento, os campus das universidades reproduziam a estrutura arquitetônica do regime político dominante. Com o fim da ditadura e a redemocratização, as universidades públicas permaneceram com a mesma estrutura física, como que a afugentar os estranhos, tendo em vista que no seletivo ensino superior, sobretudo nas melhores universidades gratuitas, geralmente quem entrava eram os filhos da elite dominante, num concorridíssimo vestibular da FUVEST, onde muitos estudantes de origem modesta e oriundos da escola pública eram excluídos, por não ter condições de concorrer com os alunos mais abastados e mais preparados para os processos seletivos da universidade. Após mais de vinte anos, mesmo com a introdução do sistema de cotas, pouca coisa mudou na universidade brasileira.

Geografia do crime em São Paulo.
O que mudou foi a crença de que a segurança dos campus universitários no Brasil fosse impenetrável. Muito pelo contrário, quando a plebe percebeu que a cidade universitária não era uma cidadela fortificada pela classe alta,  que não dava acesso ao povão, esse mesmo povo obteve o acesso antes negado pelo processo seletivo da universidade. Se não conseguem entrar pela porta da frente como alunos, que entrem como bandidos. A lógica perversa da exclusão social no Brasil gerou uma tétrica e abominável forma de compensação do tempo perdido pelas classes pobres, trouxe o que é de pior em termos de criminalidade, que antes assolava a periferia, o centro e as ruas da urbe lá fora, para dentro da universidade. Não são mais os prosaicos pequenos traficantes de maconha ou vendedores de bebidas, que trazem sua droga para venda dentro do campus nas festinhas das faculdades, patrocinadas por seus centros acadêmicos, mas sim assaltantes, bandidos sequiosos, que com uma arma na mão descobriram um novo filão, de uma suposta "clientela" a ser abordada nos estacionamentos durante a noite, para que entabulem as novas cifras de perfis de vítimas da criminalidade. Afinal de contas, se é o "bacana" ou o "filho de bacana" que pode estudar na universidade pública, então esse bacana vai de carro pra universidade, e de carro e grana é o que assaltante precisa, não é isso??!

O que ocorreu com o jovem Felipe, perdendo a vída precocemente por obra da violência absurda e estúpida da criminalidade nas grandes cidades, é dantesco e sem dúvida horrível, além de ser muito triste, principalmente para a família da vítima, que agora vive em prantos o seu luto, como milhares de famílias enlutadas que perdem seus fihos para a bandidagem ou vítimas de balas perdidas por conta da truculência policial. Por falar em polícia, não demorou para que o imediatista discurso da lei e ordem voltasse a ser entoado nos meios de comunicação, com propostas de atuação ostensiva da PM dentro da USP, ou a volta dos militares ocupando o espaço físico da universidade, como era no período ditatorial. Ledo engano e mero discurso oportunista de ocasião! A USP não ficará mais tranquila depois que as ruas da cidade universitária foram tomadas por viaturas, policiais armados até os dentes e cães a ladrar diante de passeatas e mobilizações de estudantes, funcionários e professores em período de greve. Criticou-se na imprensa o esquerdismo das declarações de representantes do Diretório Central de Estudantes (DCE) e dos sindicatos de professores e funcionários da USP, contaminados pela doença ideológica que infantiliza os pensamentos, a ponto de achar que colocar a polícia dentro do campus fere a autonomia universitária. Nem uma coisa, nem outra.

Na década de 30 do século passado, em outra grande universidade, a de Chicago, nos EUA, uma série de teóricos, pesquisadores, cientistas sociais e professores procurou estudar a criminalidade, a partir do perfil da área urbana da cidade onde a a universidade se encontrava, que passou a ser chamada de "ecologia criminal". Por essa teoria, as condições de degradação física de uma determinada área urbana contribuíriam para o fomento da criminalidade. Dentre as saídas apontadas por esses estudos, caberia a construção de edificios e áreas iluminadas, onde se permitisse formas de controle social de caráter preventivo, que não passassem, necessariamente, pela repressão estatal. Os teóricos  norte-americanos acreditavam que conseguiriam controlar a criminalidade a partir de iniciativas arquitetônicas, onde a ação dos gatunos pudesse ser inibida, como investir na iluminação pública, por exemplo. É disso que necessita a USP, com seu campus universitário imenso, incrustado no meio da área urbana de uma das metrópoles mais gigantecas e mais violentas da América Latina, onde a cidade universitária é formada por uma floresta de milhões de árvores sem iluminação, onde, no período noturno, bandidos podem se espreitar à espera de suas vítimas, sem serem incomodados.

A polícia já tem as fotos dos suspeitos do crime.
Outro investimento que deveria ter sido feito há muito na USP, a fim de retirá-la do elitismo das classes sociais que geralmente fazem o perfil de sua comunidade acadêmica, é limitar o trânsito de carros e estimular o transporte público, através da realização de uma utopia possível: incentivar o transporte coletivo com linhas de ônibus gratuitas que levassem os estudantes para fora do campus, em terminais específicos para esse fim. Isso evitaria a aglomeração de carros nos estacionamentos da universidade, e desmotivaria a ação de assaltantes. Além de guaritas de segurança, necessariamente colocadas nesses locais, deveria ser estimulada a presença do transporte coletivo, mesmo que os estudantes que não quisessem se livrar do seu carro, apenas se deslocassem nesses ônibus até pontos mais seguros, onde estariam estacionados seus veículos. Com a indústria de estacionamentos privados que se desenvolve em São Paulo, não seria absurda a proposta de que essas linhas de ônibus passassem por locais onde os estudantes pudessem pegar seus veículos, evitando assim que a USP se tornasse o espaço ideal para criminosos transeuntes. Investir em políticas públicas é muitas vezes  mais eficiente do que simplesmente botar a polícia na rua. Não adianta apenas colocar um muro na universidade, como símbolo da divisão de classes, que afasta os afortunados do ensino público superior da maioria de miseráveis que sequer viu um quadro negro, giz ou carteira. Que sejam presos e responsabilizados os autores da morte de Felipe, mas que também sejam responsabilizados os gestores públicos, por sua apatia ou falta de compromisso em reverter as desigualdades sociais. Os muros não são suficientes para conter a pobreza, pois a pobreza e falta de assistência social, sempre irá gerar seus monstros que, de alguma forma, sempre se espreitaram por entre a mata e as árvores da bela, mas recheada de perigos, floresta da cidade universitária.

A familia de Felipe chora a perda de um ente querido.
Muitos dizem nos meios de comunicação que o triste fato ocorrido semana passada na USP foi um infortúnio, uma infelicidade, uma raridade e um triste fato do destino, tendo em vista que o aluno Felipe estava na hora errada e no momento errado. Alguns amigos de faculdade disseram que o aluno tinha como prática não entregar o que era seu, caso fosse assaltado, o que já se anunciava como prenúncio da tragédia que estava por vir. Pura besteira! O fato é que o poder público é responsável sim, pela falta de segurança, mas medidas para garantir essa segurança são triviais, se for apenas colocado um efetivo policial dentro da universidade, para depois de dias ou meses ser retirado, sob o pretexto da volta à tranquilidade. Uma política criminal tem que ser pensada racionalmente, e, desta forma, mecanismos preventivos de longo de prazo devem ser pensados mais do que simplesmente botar o bloco dos carinhas uniformizados na rua. Dizem nos jornais que os suspeitos do crime já estão sendo identificados e localizados, mas, e daí? O bom seria que uma tragédia como a da última quarta-feira não tivesse acontecido. Cadê o serviço de segurança do campus? Cadê o reitor? Onde está o governador do estado? Enquanto isso, a famíla de Felipe de Paiva chora seu morto, e os bandidos, continuam a perambular pelo campus da USP.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

TERRORISMO: A suposta morte de Bin Laden no Paquistão é um verdadeiro Tratado de Direito Penal do Inimigo Aplicado

Gunther Jakobs é um jurista alemão a quem se atribui o conceito de " Direito Penal do Inimigo ", uma nova corrente do pensamento jurídico-penal, bem consentânea à realidade global pós-11 de setembro. Como se sabe, o atentado às Torres Gêmeas do World Trade Center em Nova York, no começo da década passada, inaugurou definitivamente o século XXI, e com ele a política de "Guerra ao Terror", iniciada no governo norte-americano de George W. Bush. Os conceitos tradicionais de direitos humanos, soberania e guerra justa, trazidos do Iluminismo, passaram a ser revistos pelos Estados Unidos da América, outrora considerado um modelo de democracia para as nações ocidentais, segundo o pensador francês Alex de Tocqueville, em sua clássica obra A Democracia na América.

Essa mesma democracia que permitiu a chegada pela primeira vez na história, de um afrodescendente a comandar a nação mais poderosa do planeta, parece não ter resistido à política bélica de segurança adotada pelo governo norte-americano, e pela sua tradição imperialista, de querer resolver a maior parte dos conflitos pelas armas, quando não consegue pela invasão comercial; uma vez que é sabido que os EUA tem hoje, o maior e mais imbatível efetivo militar do planeta. Veja-se as experiências recentes desse novo século, como a Guerra no Iraque, a manutenção do predomínio militar yankee no Afeganistão, a permanência de presos ilegais, suspeitos de terrorismo, na base militar de Guantánamo, além da atual ação militar contida numa operação secreta, digna dos melhores filmes de ação, onde os SEAL, a tropa de elite dos marines(fuzileiros navais americanos), invadiu um condomínio fechado, na cidade de Abbottabad, no Paquistão, na madrugada da última segunda-feira, e matou supostamente o terrorista Osaba Bin Laden, líder espiritual do grupo terrorista Al Qaeda, autor declarado dos atentados de 11 de setembro, e inimigo número um do povo norte-americano.

Ora, não foi outro governo, senão o norte-americano, que mais seguiu ao pé da letra os ensinamentos da controvertida teoria penal de Jakobs. Pelo Direito Penal do Inimigo, existe uma divisão no tratamento penal entre pessoas e não-pessoas, entre cidadãos e inimigos. Aos primeiros, compete a aplicação das leis penais destinadas a um regular Estado de Direito, com a manutenção de seus direitos fundamentais, como a legalidade da prisão, a presunção da inocência e a garantia de um devido processo legal. Já para aqueles que não são considerados pessoas, dentro de um marco legal que não os reconhece como sujeitos de direitos e sim como inimigos, à margem da legalidade estabelecida, aí vale qualquer coisa (ou no jargão empregado por Jakobs: aplicam-se  as chamadas "medidas de segurança"), inclusive prender sem motivo expresso ou por mera suspeita, torturar e matar. A tese de Jakobs provocou um verdadeiro terremoto no pensamento jurídico ocidental, especialmente entre as correntes garantistas e adeptas da criminologia crítica ou da intervenção penal mínima, por ser considerada uma teoria reaçonária, autoritária e totalmente desprovida de legitimidade, pois elaborada ao arrepio dos mais elementares princípios de direito relativos à dignidadade humana, ao devido processo legal e pelo que se entende por um direito racional.

Entretanto, apesar de não ser nova a teoria (afinal, começou a ser desenvolvida ainda nos anos oitenta do século passado), o Direito Penal do Inimigo de Jakobs encontrou sua materialização efetiva nas ações do governo norte-americano, no combate ao terrorismo. Caiu como uma luva no governo anterior de Bush Junior, a tese de um direito para inimigos, outro para cidadãos, quando foram redigidos os Patriot Acts: uma série de medidas governamentais altamente questionáveis e abusivas, que proibiam entre outras coisas a entrada em solo americano de pessoas de ascendência árabe, ou, na pior das hipóteses, sua detenção para averiguação até que se soubesse quais seriam as "reais intenções" de um saudita, marroquino, palestino ou paquistanês de querer entrar em território norte-americano. A aplicação dessas medidas legais acabou por generalizar um clima de histeria e uma sensação de paranoia coletiva, motivada por um sentimento geral de insegurança que tomou conta da sociedade norte-americana, após os atentados de 11 de setembro. Afinal, na Guerra Contra o Terror os inimigos eram invisíveis e não inimigos declarados. Um terrorista com suas bombas poderia estar em qualquer lugar, nos aeroportos, nas escolas, nas paradas de ônibus ou estações de metrô, nos locais de trabalho, ou poderia até ser o seu vizinho. Nesse clima de alarma que suscitou políticas punitivas de emergência, a doutrina de Jakobs encaixou-se perfeitamente.

Agora o que se vê nas últimas notícias relatadas sobre a morte de Osama Bin Laden, após mais de dez anos de perseguição ininterrupta pelas forças de segurança norte-americanas, é que a operação montada para localizar o terrorista árabe tinha a função, desde o início, de matá-lo. Não se pretendia prender alguém e levá-lo a julgamento, como se fez após a Guerra do Iraque, com a prisão de Saddam Hussein e seu julgamento por um tribunal local, quando foi condenado à morte por enforcamento, à vista dos canais de TV de todo o mundo. A ação militar que resultou na aniquilação do terrorista teve os requintes de uma execução por fuzilamento, tudo sob a autorização e supervisão dos olhos atentos do presidente Obama, que tudo viu e a tudo chancelou, para seus eleitores atônitos e já desacreditados de seu presidente, que agora voltam a entoar o coro em praça pública: Yes, We can! Para recobrar sua popularidade, Obama autorizou uma execução ao vivo,  às custas do sacrifício de direitos fundamentais a qualquer ser humano acusado de crimes. Obama não tolerou Osama!  Não permitiu que o líder da Al Qaeda sequer fosse preso e tivesse um julgamento justo. O que interessava para os norte-americanos era simplesmente sangue, de preferência muito, mas muito sangue. E no sentimento de vingança real que assolou uma nação inteira depois da infâmia de serem atacados em 2001, no seu próprio solo (coisa que não se via desde Pearl Harbor), o presidente Barack Obama acabou por referendar a mais polêmica das teorias atualmente veiculadas nos círculos penais. Obama acabou estudando pela cartilha de Jakobs, assim como seu antecessor fez, na Casa Branca. Agora, o que resta a milhares de prisioneiros, ainda detidos irregularmente em Guantánamo, é a sorte de não serem aniquilados como Bin Laden foi, porque se correrem o risco de serem pegos desprotegidos em suas casas, podem ter o mesmo fim de terminarem a noite crivado de balas, junto com seus familiares, seguranças ou assessores, como ocorreu com Osama Bin Laden.

Resta comprovado nos meios de comunicação, que o serviço de inteligência norte-americano valeu-se da tortura para obter a localização de Bin Laden, assim como empregou inteiramente o meio militar, como forma não apenas de imobilizar seu inimigo, como de também destruí-lo. Sabe-se, pelos relatos enviados até agora, que Osama estava desarmado quando foi morto, e que até teria utilizado (para júbilo daqueles que enaltecem a covardia do terrorista nos jornais) de uma de suas mulheres como escudo humano, inútil diante dos projéteis de grosso calibre, disparados à exaustão pelos fuzis militares norte-americanos. A ação militar que resultou na morte de Bin Laden contrariou os dispositivos da Convenção de Genebra, que disciplinam o uso da força contra inimigos derrotados e desarmados, e apenas realçou os aspectos mais frios e mal lidos da teoria do jurista e diplomata holandês Hugo Grotius, quando escreveu no século XVII, sua célebre obra De Juri Belle ec Pacis (Do Direito da Guerra e da Paz), que trabalhou na formação dos acordos de paz, como alternativa à Guerra dos 30 Anos, e que estabeleceu as bases do direito internacional moderno. Se a guerra é legítima, como instrumento de autodefesa das nações, então se deve empregar meios legítimos para combater a violência do inimigo, mas isso não envolve a violação da soberania de um país aliado (como a invasão das forças norte-americanas, com total desconhecimento do governo do Paquistão), o emprego da tortura contra civis e a execução sumária de autores de crimes contra a humanidade, sem ao menos terem sido submetidos a julgamento por um júri local ou por um tribunal internacional. Inclusive, ao jogar o corpo de Bin Laden no mar, como noticiaram as agências de comunicação norte-americanas, o governo dos EUA agiu como o governo argentino, na época da ditadura militar do século passado, quando se fazia o mesmo com os opositores do regime. Para os inimigos, não se admite nem um enterro decente!

É óbvio que Osama Bin Laden era um monstro. Mas num Estado Constitucional de Direito, dentro da racionalidade construída na formação do Estado moderno e na gênese das democracias, até os monstros merecer ser julgados. Foi assim com os criminosos de guerra nazistas em Nuremberg, e assim se procedeu com grandes e famosos genocidas, como Slobodan Milosevic, da Sérvia, os tiranos de governos africanos e os algozes militares das ditaduras latino-americanas, como na Argentina e no Chile. O Direito Penal moderno surge exatamente como uma das alternativas desse Estado moderno, como a ultima ratio de medidas punitivas que tem que ser adotadas, a fim de garantir a tutela de bens jurídicos inquestionáveis, como a vida, a liberdade e a dignidade das pessoas. A segurança é muito mais uma garantia constitucional do direito de liberdade, mas segurança só pode ser efetivada se normas penais tiverem eficácia, e sua eficácia deriva de sua legitimidade. Como dizer que são legítimas práticas punitivas baseadas na eliminação imediata de seres humanos, por mais perversos que sejam, se não é lhe dado o direito sequer de serem ouvidos num tribunal? Mesmo que seja um tribunal que não reconheçam, por conta de seu fanatismo, extremismo ou de uma visão louca e totalmente distorcida do mundo, como tinha Bin Laden, é fato que, sem dúvida, terroristas devem ser presos, julgados e punidos, na forma do direito interno de cada país ou conforme os tratados internacionais. Eles não podem simplesmente ser assassinados, por forças de segurança de uma nação que sabe que é poderosa, e não teme impor a força se for para satisfazer seu sanguinário sentimento de vingança ( o governo de Israel costuma, comumente fazer isso, e quase sempre se dá muito mal!).

Que fiquem  sempre gravadas na memória dos interessados nos temas do direito penal, as cenas cinematográficas da intervenção miltar norte-americana, no Paquistão, que restou na morte do procurado terrorista  Osama Bin Laden, mas que também fique registrado a completa lição de antidireito, que foi dada pelo governo de Obama. A experiência vivida nos últimos dias, com a catarse coletiva nas ruas norte-americanas, em frente a Casa Branca, só funcionaram muito mais como moeda de troca eleitoral na previsível política demagógica norte-americana, do que como uma efetiva ação de combate ao terrorismo e de minimização da violência extremista exercida por alguns grupos paramilitares, no mundo globalizado em que vivemos. Dentro da política errante do governo de Barack Obama, foi um achado e ganho político ter encontrado e matado Bin Laden, satisfazendo o sentimento de vingança de milhares, fazendo o que seu antecessor republicano não fez em oito anos de mandato; mas, do ponto de vista jurídico e sociológico, foi mais uma ação truculenta de uma nação que se considera dona do mundo, mas com um sistema de segurança altamente fragilizado e desprovido de legitimidade global, e que só sabe resolver seus piores conflitos da forma mais fácil que uma nação imperialista sabe resolver: pela força. Osama Bin Laden é apenas o troféu passageiro de um combate que não dá os mínimos sinais de que irá terminar, e que, ao contrário, nos leva a crer que a teoria de Jakobs, assim como novas e sucessivas ações terroristas, com sua reação bélica por conta das nações poderosas, ainda irá cultivar muitos cadáveres, tiros e explosões por aí, à custa da destruição do Estado Democrático do Direito, dos direitos fundamentais e das liberdades conquistadas a tanto custo, pelo preço pago por tantos que deram seu sangue por um mundo melhor, em processos revolucionários historicamente anteriores. Isso é muito preocupante!!