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A USP é considerada uma das maiores universidades da América |
A Universidade de São Paulo (USP) é a maior universidade pública do Brasil. Com seus diversos campus espalhados pelo estado de São Paulo, com mais de 76 mil alunos e com uma cidade universitária imensa, com aproximadamente 76.799.555 m2 de área, a USP é um colosso do ensino brasileiro, cuja verba oriunda do orçamento estadual supera a de muitos estados brasileiros da federação. Por toda a sua tradição e nível de excelência é comum ver notícias sobre essa universidade através de periódicos, publicações e sites voltados para a área do ensino, ou, esporadicamente, a USP ganha notícias nos jornais pelas greves de seus professores e funcionários, mas nunca nas páginas policiais. Eis que nos últimos dias, a USP ganhou não apenas manchetes e espaços no noticiário, como foi assunto durante a semana inteira acerca de temas vinculados não com a educação brasileira, mas sim com a violência e a criminalidade.
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A cena do crime |
No dia 18 de maio, por volta das 21:30 horas, o estudante do curso de Ciências Contábeis, Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos, foi morto com um tiro na cabeça, após reagir a um assalto, ao entrar no seu carro, no estacionamento da Faculdade de Administração e Economia (a FEA da USP), no primeiro caso de latrocínio registrado na história da universidade, no interior de um campus vigiado por seguranças da própria universidade e câmeras. A Academia de Polícia Civil, considerada uma das melhores do Brasil no treinamento de profissioanis da segurança, localiza-se dentro do campus. O crime não chocou apenas a comunidade universitária, mas toda a sociedade brasileira, pelo destaque que foi pelos meios de comunicação a trágicos acontecimentos que ocorrem todos os dias nas grandes cidades, mas que não poderiam ser vislumbrados dentro do campus de uma respeitabilíssima instituição de ensino como a USP.
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Estudantes da FEA revoltados com a tragédia. |
Os campus universitários das grandes universidades são vistos como ilhas de excelência e tranquilidade, com suas calçadas bem limpas, suas ruas extensas, seus prédios e laboratórios arrumados, seus centros de convivência e uma área verde imensa, de centros universitários localizados muitas vezes próximo à reservas florestais ou dotados de uma mata nativa, destinada à conservação. Alguns campus de universidades brasileiras que já visitei são uns dos mais bonitos do país, como o próprio campus da USP, o da UNICAMP, no mesmo estado de São Paulo, o campus da UNISINOS, situado no idílico Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul e o belo campus universitário, rodeado de dunas, da UFRN. Na época da ditadura militar, no começo dos anos setenta do século passado, os campus das universidades federais foram construídos em áreas extensas e verdes para desmobilizar o movimento estudantil. Feitos muitas vezes no estilo de fortes, fortalezas ou campos de treinamento, os campus das universidades reproduziam a estrutura arquitetônica do regime político dominante. Com o fim da ditadura e a redemocratização, as universidades públicas permaneceram com a mesma estrutura física, como que a afugentar os estranhos, tendo em vista que no seletivo ensino superior, sobretudo nas melhores universidades gratuitas, geralmente quem entrava eram os filhos da elite dominante, num concorridíssimo vestibular da FUVEST, onde muitos estudantes de origem modesta e oriundos da escola pública eram excluídos, por não ter condições de concorrer com os alunos mais abastados e mais preparados para os processos seletivos da universidade. Após mais de vinte anos, mesmo com a introdução do sistema de cotas, pouca coisa mudou na universidade brasileira.
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Geografia do crime em São Paulo. |
O que mudou foi a crença de que a segurança dos campus universitários no Brasil fosse impenetrável. Muito pelo contrário, quando a plebe percebeu que a cidade universitária não era uma cidadela fortificada pela classe alta, que não dava acesso ao povão, esse mesmo povo obteve o acesso antes negado pelo processo seletivo da universidade. Se não conseguem entrar pela porta da frente como alunos, que entrem como bandidos. A lógica perversa da exclusão social no Brasil gerou uma tétrica e abominável forma de compensação do tempo perdido pelas classes pobres, trouxe o que é de pior em termos de criminalidade, que antes assolava a periferia, o centro e as ruas da urbe lá fora, para dentro da universidade. Não são mais os prosaicos pequenos traficantes de maconha ou vendedores de bebidas, que trazem sua droga para venda dentro do campus nas festinhas das faculdades, patrocinadas por seus centros acadêmicos, mas sim assaltantes, bandidos sequiosos, que com uma arma na mão descobriram um novo filão, de uma suposta "clientela" a ser abordada nos estacionamentos durante a noite, para que entabulem as novas cifras de perfis de vítimas da criminalidade. Afinal de contas, se é o "bacana" ou o "filho de bacana" que pode estudar na universidade pública, então esse bacana vai de carro pra universidade, e de carro e grana é o que assaltante precisa, não é isso??!
O que ocorreu com o jovem Felipe, perdendo a vída precocemente por obra da violência absurda e estúpida da criminalidade nas grandes cidades, é dantesco e sem dúvida horrível, além de ser muito triste, principalmente para a família da vítima, que agora vive em prantos o seu luto, como milhares de famílias enlutadas que perdem seus fihos para a bandidagem ou vítimas de balas perdidas por conta da truculência policial. Por falar em polícia, não demorou para que o imediatista discurso da lei e ordem voltasse a ser entoado nos meios de comunicação, com propostas de atuação ostensiva da PM dentro da USP, ou a volta dos militares ocupando o espaço físico da universidade, como era no período ditatorial. Ledo engano e mero discurso oportunista de ocasião! A USP não ficará mais tranquila depois que as ruas da cidade universitária foram tomadas por viaturas, policiais armados até os dentes e cães a ladrar diante de passeatas e mobilizações de estudantes, funcionários e professores em período de greve. Criticou-se na imprensa o esquerdismo das declarações de representantes do Diretório Central de Estudantes (DCE) e dos sindicatos de professores e funcionários da USP, contaminados pela doença ideológica que infantiliza os pensamentos, a ponto de achar que colocar a polícia dentro do campus fere a autonomia universitária. Nem uma coisa, nem outra.
Na década de 30 do século passado, em outra grande universidade, a de Chicago, nos EUA, uma série de teóricos, pesquisadores, cientistas sociais e professores procurou estudar a criminalidade, a partir do perfil da área urbana da cidade onde a a universidade se encontrava, que passou a ser chamada de "ecologia criminal". Por essa teoria, as condições de degradação física de uma determinada área urbana contribuíriam para o fomento da criminalidade. Dentre as saídas apontadas por esses estudos, caberia a construção de edificios e áreas iluminadas, onde se permitisse formas de controle social de caráter preventivo, que não passassem, necessariamente, pela repressão estatal. Os teóricos norte-americanos acreditavam que conseguiriam controlar a criminalidade a partir de iniciativas arquitetônicas, onde a ação dos gatunos pudesse ser inibida, como investir na iluminação pública, por exemplo. É disso que necessita a USP, com seu campus universitário imenso, incrustado no meio da área urbana de uma das metrópoles mais gigantecas e mais violentas da América Latina, onde a cidade universitária é formada por uma floresta de milhões de árvores sem iluminação, onde, no período noturno, bandidos podem se espreitar à espera de suas vítimas, sem serem incomodados.
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A polícia já tem as fotos dos suspeitos do crime. |
Outro investimento que deveria ter sido feito há muito na USP, a fim de retirá-la do elitismo das classes sociais que geralmente fazem o perfil de sua comunidade acadêmica, é limitar o trânsito de carros e estimular o transporte público, através da realização de uma utopia possível: incentivar o transporte coletivo com linhas de ônibus gratuitas que levassem os estudantes para fora do campus, em terminais específicos para esse fim. Isso evitaria a aglomeração de carros nos estacionamentos da universidade, e desmotivaria a ação de assaltantes. Além de guaritas de segurança, necessariamente colocadas nesses locais, deveria ser estimulada a presença do transporte coletivo, mesmo que os estudantes que não quisessem se livrar do seu carro, apenas se deslocassem nesses ônibus até pontos mais seguros, onde estariam estacionados seus veículos. Com a indústria de estacionamentos privados que se desenvolve em São Paulo, não seria absurda a proposta de que essas linhas de ônibus passassem por locais onde os estudantes pudessem pegar seus veículos, evitando assim que a USP se tornasse o espaço ideal para criminosos transeuntes. Investir em políticas públicas é muitas vezes mais eficiente do que simplesmente botar a polícia na rua. Não adianta apenas colocar um muro na universidade, como símbolo da divisão de classes, que afasta os afortunados do ensino público superior da maioria de miseráveis que sequer viu um quadro negro, giz ou carteira. Que sejam presos e responsabilizados os autores da morte de Felipe, mas que também sejam responsabilizados os gestores públicos, por sua apatia ou falta de compromisso em reverter as desigualdades sociais. Os muros não são suficientes para conter a pobreza, pois a pobreza e falta de assistência social, sempre irá gerar seus monstros que, de alguma forma, sempre se espreitaram por entre a mata e as árvores da bela, mas recheada de perigos, floresta da cidade universitária.
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A familia de Felipe chora a perda de um ente querido. |
Muitos dizem nos meios de comunicação que o triste fato ocorrido semana passada na USP foi um infortúnio, uma infelicidade, uma raridade e um triste fato do destino, tendo em vista que o aluno Felipe estava na hora errada e no momento errado. Alguns amigos de faculdade disseram que o aluno tinha como prática não entregar o que era seu, caso fosse assaltado, o que já se anunciava como prenúncio da tragédia que estava por vir. Pura besteira! O fato é que o poder público é responsável sim, pela falta de segurança, mas medidas para garantir essa segurança são triviais, se for apenas colocado um efetivo policial dentro da universidade, para depois de dias ou meses ser retirado, sob o pretexto da volta à tranquilidade. Uma política criminal tem que ser pensada racionalmente, e, desta forma, mecanismos preventivos de longo de prazo devem ser pensados mais do que simplesmente botar o bloco dos carinhas uniformizados na rua. Dizem nos jornais que os suspeitos do crime já estão sendo identificados e localizados, mas, e daí? O bom seria que uma tragédia como a da última quarta-feira não tivesse acontecido. Cadê o serviço de segurança do campus? Cadê o reitor? Onde está o governador do estado? Enquanto isso, a famíla de Felipe de Paiva chora seu morto, e os bandidos, continuam a perambular pelo campus da USP.
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