quarta-feira, 8 de junho de 2011

PROTESTO: Liguem as sirenes! Agora são os bombeiros a incendiar o Rio de Janeiro!

Durante anos o Corpo de Bombeiros foi o primo pobre das corporações de segurança pública. Relegados a segundo plano nas suas funções de defesa civil, acostumamo-nos em nosso imaginário coletivo, há desde criança, ver o bombeiro como aquele sujeito fardado camarada, entre baldes e mangueiras d'água, como o herói entre chamas e cinzas que apaga incêndios, impede desabamentos, resgata pessoas, e salva vidas inteiras impedindo afogamentos no mar. Sem dúvida, é uma das funções mais nobres do Estado, mas sempre deixada na categoria de coadjuvante das ações policiais. Afinal! Para muitos,  vale mais uma polícia reprimindo e botando na cadeia marginais ou metendo bala nos bandidos, do que bombeiros salvando pessoas e patrimônios, mesmo que seja apenas para resgatar um singelo gatinho preso no telhado.

Parece que agora a situação mudou na metrópole carioca, a minha cidade maravilhosa do Rio de Janeiro. Em um gesto inédito, pude ver que manifestações salariais intensas e que tomam as ruas com passeatas e motins, não são apenas atribuídas às polícias militares, mas também ao corpo de bombeiros. Na última sexta-feira, dia 03 de junho, numa mobilização histórica, mais de dois mil integrantes da corporação do Corpo de Bombeiros de todo o Estado do Rio de Janeiro ocuparam as ruas da capital, paralisaram o trânsito, invadiram o quartel-general da corporação, amotinando-se com caminhões e viaturas parados, e após uma noite inteira de negociação, o prédio foi ocupado pela Polícia Militar através da tropa de choque, com direito a cacetetes, bombas de gás lacrimogênio e efeito moral, tiros, pedradas e tudo o que se pode imaginar num momento de confronto social.

O saldo da manifestação dos bombeiros resultou em mais de 400 amotinados presos e cerca de 600 processados pela Justiça Militar, que poderão ser demitidos da corporação. O governador Sérgio Cabral, acompanhado do secretário de segurança, José Maria Beltrame, apressaram-se em chamar os bombeiros amotinados, acampados dentro do quartel, de "vândalos" e que sua conduta não poderia ser admitida num Estado Demócrático de Direito. O governador cobrou respeito à instituição centenária dos bombeiros, representada por seu oficialato e disse que as reivindicações dos manifestantes não poderia culminar em atos de ilegalidade e quebra do respeito à hierarquia e disciplina, com a ocupação de sua sede e o confronto com a Polícia Militar, que resultou em um oficial da tropa de choque ferido.

Chega a ser até gozado, se não fosse trágico, ver o governador do Rio de Janeiro chamar de vândalos aqueles que, até pouco tempo, eram chamados de heróis, em função de seus prestativos esforços na salvação das vítimas dos desabamentos, sofridos pela população carioca, nas últimas chuvas catastróficas que se abateram pela cidade. Pois é! Aqueles mesmos bombeiros cobertos de lama que tentaram, inutilmente, com os olhos marejados, socorrer crianças moribundas, soterradas nos escombros das casas levadas pelas águas, também verteram lágrimas de indignação, agora não com a impossibilidade de salvar vidas, que é a sua função principal, mas sim a de salvar sua própria dignidade e autoestima, no momento em que são  vítimas do autoritarismo, da falta de sensibilidade e da ausência de diálogo do governo carioca, que determinou a prisão de 439 pais de família, que seguem encarcerados por terem aviltado, segundo o governo, às sagradas normas da hierarquia e disciplina militar.

Por decisão da justiça carioca, proferida no dia anterior a este texto, a juíza militar que apreciou o caso entendeu que os bombeiros amotinados devem permanecer presos, no sentido de manter a ordem pública. Ora, eu pergunto, que ordem pública pode estar sendo mantida no momento em que até os postos de salva-vidas nas praias estão vazios, num protesto que agora não envolve mais somente os bombeiros do Rio de Janeiro, mas sim o país inteiro, num movimento cívico que se inicia nas redes sociais como o twitter, sob o slogan "somos todos bombeiros"?!


A legislação castrense (militar) é extremamente clara e rígida acerca da proibição de greve dos servidores públicos militares, mas se subordina à Constituição Federal, que estabelece como direitos fundamentais à liberdade de reunião e associação, assim como a liberdade de expressão. Ora, se o direito de protesto não é um exercício da liberdade de expressão, diante da insatisfação coletiva de uma corporação acerca dos baixos salários e do mau tratamento dado a um corpo de agentes do Estado, então não sei mais o que é direito. O movimento dos bombeiros cariocas está ganhando a opinião pública, porque o governo fluminense não consegue demonstrar que se  trata apenas de uma mera manifestação de baderneiros de farda, mas sim de servidores que se expõem a risco diário suas vidas, e que não aguentam mais receber um dos piores salários do serviço público do país. Enquanto o governador Cabral se vale da Polícia Militar, como os verdugos dos bombeiros, sob o pretexto de restituir a paz social, através de policiais militares que servem de vitrines para as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora, principal vetor de votos para a reeleição do governo atual), o Corpo de Bombeiros permanece à míngua, apesar de serem os principais responsáveis por essa paz social e harmonia desejadas pelo governo, no momento em que são eles que suam a camisa, combatendo incêndios, resgatando pessoas de inundações, retirando vítimas de desabamentos, promovendo o salvamento de banhistas que se afogam nas praias, além de uma série de outras atividades de emergência, que somente uma corporação qualificada e treinada como os bombeiros pode realizar. A pergunta que fica paira no ar. Cadê a remuneração condizente com tanta responsabilidade? Para emitir a resposta o governo permanece em silêncio, pois, na lógica do executivo estadual, "vândalos" não merecem resposta".

Enquanto isso, a luta dos bombeiros cariocas continua, conquistando o país inteiro, com as vozes progressistas se unindo num único grito: LIBERDADE PARA OS BOMBEIROS, JÁ!!!

2 comentários:

  1. Por que o ato dos bombeiros cria um precedente perigoso

    Os bombeiros assim como qualquer categoria têm o direito de pedir melhoria salarial, ocorre que por servirem junto com a PM, sob regime militar, lhes é vetado o direto à greve. Nos últimos dias o que tenho visto no Rio é um circo. Uma categoria que vem sendo “doutrinada” por políticos faz meses, chega ao ponto de rasgar sua lei militar, invadir um quartel, ocupar e inutilizar viaturas.
    Ora, isso é inadmissível em um estado de direito. Imaginemos se médicos decidem fazer greve, invadir hospitais, furar pneu das ambulâncias e trancar as portas; E se um dia policiais em greve ocuparem os presídios e ameaçarem soltar os presos? Não obstante, teríamos ainda a possibilidade de Soldados do exército em greve, colocarem tanques para obstruir vias. Pergunto: Onde a sociedade vai parar? É esse o precedente que a sociedade deseja abrir com os bombeiros?
    Para que não corramos esse risco há uma legislação militar que rege as FFA, Bombeiros e a PM. Independente de qualquer pleito salarial, ela tem de ser respeitada. No momento em que a sociedade permitir que essa lei seja ignorada, estará pondo em risco sua própria ordem.

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  2. Fizeste um bom contraponto, Carlos, propiciando uma troca de ideias, interessante. Fez-me recordar a Revolução dos Cravos em Portugal, na década de 70, quando foi derrubado o governo salazarista. Naquela ocasião, militares também tomaram a ponta dos movimentos sociais, mas sem se valer de armas ou tanques, num movimento pacífico que também envolveu paralisações e ocupações de bases e quartéis.Se houve violência partiu por parte do Estado, em não reconhecer legítimas reivindicações sociais. Entendo, diferentemente do colega, que movimentos como o dos Bombeiros não aflige o Estado de Direito uma vez que a livre manifestação dos movimentos sociais já se encontra prevista pela Constituição. Corremos no risco de nos ver presos no discurso oportunista de lei e ordem, toda vez em que uma categoria, corporação ou coletividade toma as ruas, com suas manifestações. Ora, se o movimento é manipulado politicamente, todos os movimentos organizados de grupos de interesse tem interesses políticos, contando com o apoio velado ou não de políticos de dentro da institucionalidade. E não vejo problema algum nisso! Faz parte do jogo democrático vc ter por trás de movimentos representantes de lobbys, grupos de pressão ou partidos políticos. O que não pode haver é a instrumentalização de um ou outro movimento ou sindicato por um político ou partido específico. Quanto à comparação do Corpo de Bombeiros com a PM ou com o Exército, acho o argumento equivocado, até por aqui é bem diferente a atividade dessas corporações, independente delas serem militarizadas ou não, e as funções específicas dos Bombeiros estão muito mais relacionadas com atividades de defesa civil (tão essenciais quanto à saúde provida pelos médicos, como falaste), do que com atividades propriamente militares, onde qualquer forma de paralisão é extremamente perigosa para a sociedade ,face a ausência de uma defesa nacional. Permaneço firme e forte na luta dos bombeiros, não por oportunismo, mas por coerência ideológica.

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