quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

DESASTRE NAVAL: "Vada a Bordo!".A culpabilidade do capitão Schettino e o crime culposo, no naufrágio do navio Costa Concordia na Itália.


O Costa Concordia antes do naufrágio. Um navio imponente,
mas que não resistiu às pedras e à irresponsabilidade de
seu capitão (retirado de ancoraemar.com.br)
 Um cruzeiro marítimo no mar Mediterrâneo deve ser uma das experiências mais lindas e românticas, ao se encontrar na condição de passageiro em algum luxuoso transatlântico, com muita festa, comida, bebida, piscinas, quadras de esporte e salões estilizados, música ao vivo e uma pista de dança gigante, onde os convivas podem comemorar datas importantes (casamentos ou a renovação de votos em casamentos antigos, nascimento de filhos, algum prêmio obtido na loteria, o recebimento de uma indenização, o presente por ter se formado e obtido um diploma, um intervalo numa excursão de intercâmbio, ou simplesmente celebrar as merecidas férias). Sim! Guardo comigo o sonho consumista de algum belo dia desembolsar alguns mil reais para pagar uma diversão dessas, tipicamente burguesa (e para alguns, cafona) de cruzar os mares a bordo de um navio. Afinal, sou filho de marinheiro, e o mar, assim como os barcos que navegam sobre ele, ainda me exerce um pleno fascínio e encantamento.


O navio já submerso após o choque contra as pedras que
circundam a Ilha de Giglio. (retirado de veja.abril.com.br)
 Entretanto, para os passageiros e tripulantes do navio italino Costa Concordia, parece que o encanto mágico da viagem dos sonhos foi quebrado repentinamente, após apenas um dia que o gigante transatlântico atravessou o Mediterrâneo, ao colidir contra rochas, nas proximidades da Ilha de Giglio, no litoral da Toscana. Parecia um trecho do filme Titanic, mas sem os personagens da atriz Kate Winslet e do ator Leonardo Di Caprio. As cenas são impressionantes: um navio gigantesco submerso pela metade, com uma rocha imensa crava em seu casco, do outro lado, parecendo um gigante abatido, um mastodonte de aço, vitimado pela fanfarrocine e irresponsabilidade.


O capitão Schettino em uma foto do Facebook. Talento na
pilotagem de um dos maiores navios de turismo da Europa, mas
um ego tão grande quanto a embarcação que naufragou.

Por falar em vítimas, estimam em 13, por enquanto, as perdas fatais do Costa Concordia. A isso soma-se o prejuízo dos passageiros sobreviventes, que vivendo horas de terror devido a falta de orientação para o naufrágio e a celeuma que se seguiu entre tripulação e passageiros no apinhado convés do navio naufragado, perderam todos os seus pertences. O grande responsável? A mídia italiana e mundial só aponta para um culpado: o capitão do navio, Francesco Schettino.




Será que foi essa bela secretária da Moldávia a razão do
naufrágio do Costa Concordia, ou a fanfarronice e
exibicionismo do capitão do navio, querendo se mostrar para a
ragazza? (retirado de veja.abril.com.br)
 Schettino, um bronzeado e boa pinta senhor de meia idade, casado e pai de uma filha, com vasta cabelereira, meio  no estilo mullet dos anos oitenta, parece mais um cantor de música brega do que um capitão de navio. Mas mesmo assim, seu estilo fanfarrão fez muito sucesso na empresa onde trabalhava, a Costa Cruzeiros, apresentando a tripulação em festas e realizando até casamentos dentro do navio, num dos cruzeiros marítimos mais disputados da Europa. Talvez pela fama de bom piloto, as adulações constantes e o apoio de metade da população da ilha de Giglio, onde nasceu, fizeram com que o capitão italiano cedesse à vaidade, e, acompanhado de uma bela moça da Moldávia, na cabine do piloto (muito provavelmente para tentar impressioná-la), Schettino ignorou todas as regras náuticas básicas, desligou o piloto automático do navio, e operando por joystick, decidiu se aproximar da ilha mais do que deveria (cerca de 4 Km da trajetória original), aproximando-se mais e perigosamente do local cercado de rochas, sob o pretexto de saudar os moradores de ilha, indo de encontro diretamente a um conjunto de gigantescas pedras de granito, que destruíram o casco do Costa Concordia, fazendo com que o navio naufragasse.


Detido pela polícia italiana. Schettino é escoltado por policiais
para prestar depoimento à autoridade policial.
 Preso preventivamente em prisão domiciliar por determinação da Justiça italiana, Schettino aguardará o resultado das investigações da polícia acerca do naugráfio; mas, independente da condenação judicial, o capitão italiano já foi condenado pela maioria da opinião pública mundial. É quase certo que ele responda completamente pelas danos e mortes causados, mesmo que não tivesse a mínima intenção de prejudicar ninguém. Afinal, Schettino gostava de aparecer bem nas fotos de turistas e de seus tripulantes, como um rock star do Mediterrâneo, com seu navio de última geração. O orgulhoso capitão só queria agradar a uma bela loira da Moldávia, encantada com as proezas do "senhor dos 7 mares" da Ilha de Giglio. Porém, a façanha poderá custar muito caro para o experiente capitão, que responderá por homicídio devido a sua negligência. Por conta de sua insensatez, Schettino poderá perder não apenas o emprego e a reputação, mas também a liberdade, se for devidamente condenado.


O Costa Concordia submerso. Imagens impressionantes,
causadas por uma conduta imprudente que
 se tornou criminosa
(retirado de mtagora.com.br)
Sabemos que, na literatura penal, nos crimes culposos a culpabilidade não é fixada na intenção pré-ordenada de, conscientemente, se fazer algo para produzir um resultado danoso, mas sim na vontade descuidada; ou seja, numa vontade que não observou o que deveria observar, face a previsibilidade de um resultado. Na inobservância do dever de cuidado que fundamenta a culpa, podem surgir suas diversas modalidades, como a imprudência, a imperícia e a negligência. No caso de Schettino, o capitão italiano agiu de forma imprudente ao deixar de tomar os cuidados que todo navegante teria de tomar ao se aproximar da superfície acidentada, que circunda a Ilha de Giglio, fazendo exatamente o contrário, agindo sem cuidado. As rochas onde o Costa Concordia naufragou já estão lá e são conhecidas pelos navegantes há centenas de anos, e mesmo sabedor de isso, Schettino  recusou orientação das cartas náuticas e mesmo do sonar do piloto automático do navio e preferiu conduzir a embarcação sozinho, agindo sem o dever de cuidado, cometendo uma conduta que inicialmente parecia lícita, mas acabou se tornando criminosa, pelos resultados danosos que  produziu. Certamente, não apenas no ordenamento jurídico brasileiro (se o caso tivesse acontecido aqui) mas no sistema jurídico italiano, condutas como a de Schettino deveriam ( e serão) seriamente punidas. O capitão do navio naufragado tem pouco a explicar com a coleção de provas materiais que foram, exaustivamente divulgadas contra ele pela imprensa mundial. Além disso, desobedecendo as regras naúticas e o regulamento das autoridades portuárias da Itália, Schettino também descumpriu gravemente uma norma administrativa importantíssima: a de que o capitão é o último a abandonar o navio. Pelo que se soube, Schettino foi um dos primeiros a sair da embarcação, aturdido em cima de um bote, enquanto que parte de sua tripulação permanecia dentro do navio naufragado, tão desesperada e perdida quanto os abalados passageiros, que esperavam que, com seus conhecimentos dos procedimentos de emergência, o capitão pudesse orientá-los a como sair do navio que estava afundando.


A vista do Costa Concordia por satélite, no mapa da península
italiana espanta, pelo tamanho do estrago
 (retirado de colunas.revistaepoca.com.br)
 Como numa novela italiana, onde temos a imagem do vilão e do mocinho, na peça trágica que foi o naufrágio do transatlãntico da empresa Costa Cruzeiros, o vilão já foi conhecido como o covarde Schettino, enquanto que a figura do herói restou firmada na figura do comandante da Capitania dos Portos, Gregorio De Falco, que, mostrando-se um fiel seguidor das normas de segurança naútica e demonstrando que o cumprimento de normas não é uma mera atividade mecânica (mas sim algo que tem sua importância na hora de salvar vidas), deu uma aula de ética naval e de compromisso cívico. De Falco foi o personagem da semana no mundo, ao advertir por rádio o capitão italiano das consequêcia de seu gesto impensado e de sua inércia em socorrer as vítimas do naufrágio ao abandonar o navio, ordenando (sem sucesso) que o acovardado capitão voltasse ao navio. De Falco denunciou para os que o ouviam, entre gritos e palavrões revelados nas televisões do mundo inteiro, o quanto a outrora  arrogância do capitão Schettino acabou por se transformou em covardia; enquanto o indignado comandante da Capitania dos Portos reinava absoluto como único herói de um trágico naufrágio, totalmente ocorrido por obra da irresponsabilidade humana.


Gregorio de Falco, comandante da Capitania dos Portos
na Itália: o comandante deu uma aula de conduta cívica
ao repreender o famigerado capitão Schettino
(retirado de semanaonline.com.br)
 Recusando-se a ser chamado de heroi pelos repórteres que tentaram entrevistá-lo sem sucesso, De Falco foi curto nas palavras, e limitou-se a proferir uma frase que parece jargão de todo bom funcionário público, mas que num Estado de Direito ainda é importante ser ouvida pelos agentes públicos: " eu só cumpri com o meu dever". Pois foi na frase que acabou virando slogan de camisetas usadas pelos jovens italianos, que o comandante da Capitania dos Portos mostrou que uma Itália recentemente livre de um Berlusconi no governo, ainda pode ser vista como uma pátria de cidadãos defensores do Direito e da Justiça, em prol dos interesses dos mais necessitados e de quem pede socorro e não dos interesses particulares de arrogantes, que só querem se exibir na direção de um navio. Schettino,assim como Berlusconi, são dois fanfarrões loucos por um "rabo de saia", que, agora, cada um a seu modo, sofrem para sofrer os efeitos da lei italiana, por não terem cumprido seus deveres (um, de conduzir uma nação, o outro, de pilotar um navio). É cumprindo nossos deveres zelosos, vendo a sublime arte de comandar um navio como uma intensa responsabilidade e não como uma brincadeira, é que podemos fazer com que nossos "navios" não venham a naufragar, e não sejamos nós os responsáveis por crimes culposamente realizados por nossa falta de cuidado, fruto de nossa irresponsabilidade ou covardia. No caso de Francesco Schettino, a falta de cuidado lhe custou muito caro!

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