No filme Um Dia de Fúria (Falling Down, no original, de 1993), do diretor norte-americano, Joel Schumacher, o funcionário desempregado William Foster ( personagem interpretado pelo ator Michel Douglas), tornou o filme antológico, por retratar o dia de um cidadão comum, que sujeito ao stress cotidiano da grande cidade, surta, até sair do carro, no meio de um congestionamento, joga a maleta fora, afrouxa o nó da gravata, e, armado de um fuzil, e um colete à prova de balas, aterroriza a metrópole onde vivia, descarregando no meio urbano todas as suas angústias e frustrações. Era a expressão cinematográfica da teoria da anomia, iniciada no século XIX pelo sociólogo francês, Emile Durkheim, e atualizada no século XX, pelo pesquisador norte-americano Robert Merton. Pela anomia, procura-se explicar os desvios de conduta como resultante de males sociais; ou seja, o mal não é originado somente do indivíduo que pratica algo reprovável (como um delito), mas sim da própria sociedade. O crime resultaria de males sociais que seriam criminógenos, e não do criminoso em si, contrariando a antiga criminologia positivista, de linha lombrosiana, que atribuía ao crime um mal tão somente individual, personificado na pessoa do criminoso.
Na teoria desenvolvida por Durkheim e Merton, os indivíduos que praticariam delitos poderiam ser fruto de um desajuste social. Desajuste esse que seria atríbuído a diversos fatores, todos relacionados com o meio externo, caracterizados pela inaptidão de certos indivíduos a se ajustar a determinadas regras sociais. Essa inaptidão poderia se traduzir num simples sentimento de revolta, como também numa completa apatia quanto ao ambiente social (o comportamento de certos usuários de drogas poderia possuir essa característica), além de condutas voltadas propriamente para o crime, como no caso dos "inovadores", que na teoria de Merton seriam aqueles que inovariam, de forma ilícita, nas formas de busca pela ascensão social, seguindo um caminho contrário ao que determina a lei, praticando crimes. Entretanto, o que mais caracteriza, a meu ver, a teoria da anomia no século XX é a existência de pessoas que simplesmente "piram" diante de uma determinada realidade de pressão social, num ambiente confuso, extremamente veloz, altamente mutável da cidade grande, onde determinadas pessoas simplesmente perdem o ritmo, a ponto de praticaram condutas inusitadas, que vão de encontro a todas as manifestações ditas "normais", de certos padrões da sociedade. Nesse sentido, os loucos ou desajustados de Lombroso seriam os indivíduos anômicos da teoria de Durkheim. Em síntese, um comportamento anômico seria aquele desprovido de harmonia social; pois, na abordagem eminentemente funcionalista dessas teorias, tais indivíduos não estariam correspondendo a sua função social, não estariam agindo conforme as diretrizes sociais.
![]() |
Michel Costa: o criminoso alucinado da movimentada semana onde os paulistas viram cenas cinematográficas de pura adrenalina e desespero (retirado de veja.abril.com.br) |
Michel não tinha antecedentes criminais. Muito pelo contrário, por seu perfil de classe média alta, o atirador tresloucado e paranoico das avenidas paulistas estava muito mais para vítima do que para criminoso. Pelo seu perfil, Goldfarb Costa parecia mais um daqueles cidadãos brancos, abastados, com formação universitária, que são chamados de "homens de bem" do nosso quadro social, nos entoados discursos da sociedade de classes. Porém, numa segunda-feira, dia 9 de janeiro, num dia em que, na metrópole, os cidadãos paulistanos saem apressadamente de suas casas e apartamentos para ir ao trabalho, as cenas vistas na ruas com a passagem meteórica do administrador de empresas roubando carros e atirando em pessoas, pareciam tiradas de um filme de ação ou terror. Sentindo-se perseguido, e sob o pretexto de achar que se sentia ameaçado pelos vizinhos, Michel Costa saiu alucinado pelas ruas, percorrendo perigosamente quilômetros e mais quilômetros da cidade grande, atravessando a cidade de São Paulo, através de carros roubados a cada esquina, munido de um colete e de uma pistola, provocando colisões, ferindo pessoas e aterrorizando uma urbe já bastante aterrorizada pela violência cotidiana da criminalidade e das mazelas de uma selva de concreto que tem todo um lado escuro a revelar. Será que o surto de Costa deu-se a um comportamento típicamente anômico, explicado pelas ciências sociais? Será que a pressão da megalópole, da cidade grande com suas pressões sociais, foi o bastante para fazer um indivíduo de classe média enlouquecer?
![]() |
Nas ruas de São Paulo o rastro de paranoia e destruição provocados pelo administrador de empresas e artista plástico (retirado de g1.globo.com) |
É sabido que, no caso das paranoias, o indivíduo enfermo entra num estado de transe, uma espécie de delírio em que a realidade e as pessoas que se encontram nela possam se tornar perigosas e ameaçadoras. Na paranoia o indivíduo pode cometer delitos e atos os mais bárbaros possiveis, por que todas as suas ações estão a serviço da paranoia. Conheci o caso de um agente de polícia, aposentado por conta de uma doença mental, porque foi diagnosticado como paranoico, pelo fato de, num belo dia, ao ver determinadas fotos de casais andando na praia nus, na internet, achou que sua mulher estava em uma das fotos, e que o outro que aparecia com ela, seria um de seus colegas de trabalho. Na paranoia da infidelidade, o citado servidor público saiu do trabalho armado, determinado a matar a esposa e o suposto amante, sendo que ela nem estava na praia, mas sim trabalhando em outra cidade, sendo obrigados os demais colegas do policial a levá-lo às pressas para um internamento. O indivíduo paranoico necessita ser diariamente monitorado, e no meio de um surto esquizofrênico dessa magnitude, só resta ao enfermo a internação ou o acompanhamento contínuo de parentes. São pessoas que, aparentemente normais, sequer podem sair de casa sozinhas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário