O Gigante acordou! Podem dizer uns. É apenas o retorno da barbárie! Podem dizer outros. Entretanto, tudo o que está acontecendo recentemente no Brasil, com uma onda maciça de protestos, passeatas e manifestações por todo o país, levando ao menos um milhão de pessoas às ruas, tem sua razão de ser. Em diversas capitais foi possível ver milhares de jovens com camisetas estampando bandas de rock ou mensagens revolucionárias, carregando faixas, bandeiras e cartazes, com os rostos pintados ou usando a máscara de Guy Fawkes, do filme "V, de Vingança!". Tais fatos não cabem numa única e reducionista análise político-antropológica, mas sim reacendem o debate sobre o papel dos movimentos sociais e o conceito de desobediência civil; além de levar a uma série de reflexões que podem levar a múltiplos caminhos e interpretações do que está acontecendo.
Em primeiro lugar, não se trata apenas de uma manifestação contra o governo. Como se apressam em falar os governistas de plantão, vinculados a um governo supostamente de esquerda, as cenas que todos nós, brasileiros e o resto do mundo, estamos vendo na televisão ou ao vivo, perto de nossas casas, no espaço público, trata-se apenas de um conluio da direita, de uma manifestação de partidários da oposição à presidente Dilma Roussef, que estão ganhando os holofotes, fazendo do povo massa de manobra, em pleno período de Copa das Confederações, um ano antes da eleição presidencial que se avizinha. É um bom argumento para um bom entendedor que se contenta com isso. Infelizmente, não concordo com ele. Acho por demais simplista e de um genuíno reducionismo considerar que os milhares de jovens que se encontram nas ruas protestando, sejam simplesmente estudantes egressos de uma classe média computadorizada e alienada, que se vale das redes sociais apenas para encher as ruas de vândalos e desocupados, produzindo baderna. Na verdade, quando se enxerga (como eu enxerguei ao participar de um desses protestos), que no meio da multidão encontram-se pessoas e discursos multifacetados, cada qual com seu fundamento e sua linha de razão, vê-se o quanto as passeatas e manifestações gigantescas que agora ocorrem no Brasil, desde o "Fora Collor" há vinte anos atrás, são carregadas de um ineditismo que não permite comparações. Se alguns não concordam, vejamos:
As manifestações dos últimos dias, que tinham um tema específico relacionado com a diminuição das tarifas de ônibus nas grandes cidades (em especial em São Paulo, onde foram verificados os primeiros protestos violentos), ampliaram seu leque de reivindicações, passando a ser conhecidas pelo slogan "Não é só pelos R$ 0,20!". Além do transporte, passou a fazer parte dos protestos cobranças populares acerca de melhoras na educação e na saúde, o combate à corrupção, o desvio de investimentos na Copa do Mundo de 2014, a aprovação na Comissão de Direitos Humanos do Parlamento de um projeto de lei que defende a "cura gay", atingindo toda a comunidade GLS, e, finalmente, críticas ao projeto de tramitação de emenda constitucional que suprime a investigação criminal do Ministério Público, conhecida como PEC 37 (que já foi objeto de artigo postado anteriormente neste blog). Diferentemente de outras grandes mobilizações de massa ocorridas no passado recente do país, desta vez não foram partidos políticos de esquerda e de oposição, ou sindicatos, centrais sindicais e movimentos organizados os responsáveis pela convocação de milhares de estudantes e trabalhadores, para as manifestações que paralisaram ruas e avenidas pelo país. Em relação à campanha "Diretas Já", nos anos oitenta e no "Fora Collor" da década de noventa do século passado, os movimentos dos últimos dias valeram-se pela primeira vez da tecnologia proporcionada pelas redes sociais, com a massificação da internet e do facebook, para chamar às ruas um contingente que totalizou, segundo algumas avaliações, cerca de um milhão de pessoas.
Sobre as redes sociais, os protestos recentes merecem uma observação especial, pois muitos pesquisadores ainda analisam o seu impacto nos processos revolucionários de transformação social no mundo inteiro, não obstante alguns teóricos ainda acharem limitada sua influência. O que ocorreu no Brasil agora assemelha-se em parte às manifestações da Praça Tahir, no Egito, a pouco mais de um ano atrás, e a outras manifestações no Oriente Médio, onde aplicativos como o Twitter foram sobejamente utilizados na divulgação de protestos e na formação de redes de mobilização, que em certas localidades instalaram um verdadeiro clima de guerra civil, na série de eventos históricos conhecidos como "Primavera Árabe". No Brasil, assim como nesses lugares, a chegada da tecnologia, utilizada integralmente por um enorme contingente de jovens e estudantes das camadas médias e mesmo de camadas mais pauperizadas da população (face o uso de aparelhos celulares e smartphones), fez com que muitos desses jovens ocupassem as ruas, numa perspectiva de contestação do modelo de governo e mesmo da cultura tradicional vigente, exigindo transformações. O que se espanta é quanto tempo levou para que no Brasil também acontecessem essas mobilizações, tendo em vista que, em países vizinhos da América do Sul, como na Argentina e no Chile, já faz parte do cotidiano de seus cidadãos a ocorrência periódica de grandes protestos de rua e intensas mobilizações de massa, principalmente em regiões que, no seu passado passaram por ferozes ditaduras militares, para muitos mais autoritárias e sanguinárias do que a ditadura pela qual passou o Brasil. Nesses países, a atuação dos movimentos sociais já faz parte da agenda política frequente de seus governos, e no Brasil tais movimentos pareciam adormecidos desde a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da república. O que, no governo de sua sucessora, Dilma Roussef, parece agora diferente.
Em relação aos movimentos sociais o que acontece hoje é a existência de um foquismo, com diversas pessoas amontoadas, com diversos interesses diferenciados, todas reunidas num espaço público para protestar, que não se diferencia do conceito utilizado pela professora da UNICAMP, Maria da Glória Gohn, sobre os movimentos sociais. Na verdade, não há de se falar de um único movimento, mas de movimentos, que tem um elemento essencial que lhes é próprio, que é a defesa de uma temática específica e conjuntural, que afeta um grande contingente de pessoas. No caso das passagens de ônibus, essa configuração do movimento ficou clara, no momento em que o movimento Passe Livre deixou de ser o principal protagonista das manifestações, e diversos movimentos difusos passaram a se juntar, cobrando diferentes plataformas de reivindicações. O horizonte ideológico desses movimentos também chamou atenção. Tendo em vista que, nos últimos protestos, não era possível discernir se havia jovens somente de direita ou de extrema-esquerda, e sim uma verdadeira aversão a partidos políticos, traduzindo-se em gestos violentos da multidão ante militantes que apareciam com a bandeira de algum partido. Para alguns estudiosos, tal aversão significou apenas um alargamento da alienação dos manifestantes quanto à importantes questões políticas (ao menos da política tradicional, que se dá pela disputa democrática de posicionamentos entre partidos), assim como numa imprecisão quanto à definição do que se queria, realmente, reivindicar.
Para alguns passou-se a impressão de que os protestos partiram de uma maioria de "rebeldes sem causa", e que, na verdade, tais movimentos não passavam de uma encenação dos movimentos contrários ao governo, e dos meios de comunicação, alienando uma juventude inculta, imatura e manipulável. Talvez esse seja o entendimento de estudiosos como o meu distinto amigo e colega da área jurídica, o juiz de Direito e professor Rosivaldo Toscano, pós-graduando em Direito na mesma universidade (a minha saudosa UNISINOS) onde concluí meu doutorado. Para Rosivaldo, que assim como eu escreveu no seu blog sobre os últimos acontecimentos, os atuais protestos escondem o autoritarismo de uma juventude que não tem ideias plenas sobre a importância numa democracia do respeito às instituições e seus atores políticos, cumprindo-se as regras do jogo. Daí as denúncias de vandalismo e as ações violentas de alguns manifestantes, que culminaram com a invasão e depredação de prédios públicos, como nos incêndios e destruição provocados na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no prédio da Prefeitura de São Paulo e no Palácio Itamaraty, em Brasília. Em todos esses lugares pôde-se ver uma turba ensandecida de jovens, que pouco se diferenciava dos garotos que, horas antes, pacificamente se manifestavam pelas ruas com suas bandeiras e faixas, cantando o hino nacional e palavras de ordem. Afinal de contas, esses jovens estão errados?
Para alguns passou-se a impressão de que os protestos partiram de uma maioria de "rebeldes sem causa", e que, na verdade, tais movimentos não passavam de uma encenação dos movimentos contrários ao governo, e dos meios de comunicação, alienando uma juventude inculta, imatura e manipulável. Talvez esse seja o entendimento de estudiosos como o meu distinto amigo e colega da área jurídica, o juiz de Direito e professor Rosivaldo Toscano, pós-graduando em Direito na mesma universidade (a minha saudosa UNISINOS) onde concluí meu doutorado. Para Rosivaldo, que assim como eu escreveu no seu blog sobre os últimos acontecimentos, os atuais protestos escondem o autoritarismo de uma juventude que não tem ideias plenas sobre a importância numa democracia do respeito às instituições e seus atores políticos, cumprindo-se as regras do jogo. Daí as denúncias de vandalismo e as ações violentas de alguns manifestantes, que culminaram com a invasão e depredação de prédios públicos, como nos incêndios e destruição provocados na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no prédio da Prefeitura de São Paulo e no Palácio Itamaraty, em Brasília. Em todos esses lugares pôde-se ver uma turba ensandecida de jovens, que pouco se diferenciava dos garotos que, horas antes, pacificamente se manifestavam pelas ruas com suas bandeiras e faixas, cantando o hino nacional e palavras de ordem. Afinal de contas, esses jovens estão errados?
A grande verdade é que se torna difícil para nós, que já não somos tão jovens, constatar que a juventude que hoje ocupa as ruas é radicalmente diferente da juventude de nossa época ou da época dos heróis rebeldes que nos antecederam. Os jovens que hoje pintam seus rostos, nas passeatas em São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Fortaleza, Recife e Natal, não são os mesmos "cara-pintadas" de minha geração e nem são os mesmos jovens adolescentes ou de vinte e poucos anos que lotaram as ruas num maio de 1968 na França, que integraram a guerrilha nos anos de chumbo, ou que integraram a "Passeata dos Cem Mil", capitaneada pela UNE, em plena ditadura militar, pós-1964. Os jovens de hoje não tem, em suas escolas, a mesma carga de leitura ou o mesmo interesse literário que jovens como eu tinham há vinte anos atrás, porque sequer manuseiam mais com papel, quanto mais com livros físicos. Vivemos a era dos livros digitais, dos textos digitalizados na internet, do fim da imprensa física com o fechamento de jornais com quase cem anos de existência e o predomínio da mídia virtual. Jovens hoje fazem seu dever de casa da escola em seus computadores e tablets, preparam seus textos em trabalhos da faculdade, baseados numa série de recursos de "copiar" e "colar" de sites e links, e não mais na leitura profunda de textos e mais textos impressos de literatura especializada, que produza reflexões profundas; até mesmo porque o tempo de refletir, numa sociedade globalizada e virtualizada que privilegia a velocidade, é muito curto, e por isso não é possível ao jovem de hoje em dia se reunir na célula ou base de um movimento ideologicamente formado, para discutir teses ou participar de debates em assembleias, em longas e extenuantes reuniões.
Foi lapidar o que me disse meu querido amigo, o escritor, poeta e filósofo Pablo Capistrano, ao me encontrar no meio de uma das passeatas, dentre suas impressões sobres os protestos, que o movimento Passe Livre potiguar (ou "Revolta do Busão" como é chamado em Natal) não tinha uma direção ou liderança clara, pois antes do horário marcado para o início das manifestações, havia uma plenária com mais de 500 pessoas discutindo o trajeto da passeata, quando seus integrantes foram pegos de surpresa com a informação de que mais de 10 mil pessoas já estavam ocupando as ruas, na BR-101 em frente ao Shopping Via Direta, formando uma onda humana autônoma, sem direção, que fez com que os jovens que compunham a plenária desfizessem a reunião e corressem para o local em disparada, sob o risco de perder o controle da situação.
Na obra, O Homem Revoltado, o filósofo Albert Camus já previa em teoria a essência das manifestações que acontecem hoje no Brasil, analisando o nihilismo, e como os futuros movimentos de tendência anarco-punk, que na época em que ele viveu ainda não existiam, tiveram sua base e explicação nessa doutrina baseada na revolta pela revolta. A história da revolta do homem é explicada em tintas filosóficas, mas com uma grande aplicação prática ao que vimos recentemente nas manifestações públicas e protestos nas grandes cidades. Por exemplo, quando se vê que entre os manifestantes por passagens de ônibus mais baratas, não havia em muitos casos pessoas que usavam ônibus, mas sim proprietários de veículos solidários com os que usavam transporte público, vimos que, assim como Camus diz em sua obra, a revolta não nasce obrigatoriamente entres os oprimidos; pois aquele que se revolta pode não ser oprimido, mas ver alguém se sentindo oprimido e se revoltar também. Além disso, o texto de Camus tem relevância prática no que tange aos protestos violentos dos últimos dias. Segundo ele, a revolta não se fundamenta fora de si, mas sim em si mesma; ou seja, a violência no ato de alguns manifestantes, considerados vândalos pela mídia ( e por boa parte dos outros manifestantes), é justificável tão somente no âmbito da própria revolta, gerada por um movimento catalisador que conseguiu reunir, num mesmo espaço público, conformistas e revoltados.Como afirmou Camus: “Para combater o mal, o revoltado, já que se julga inocente, renuncia ao bem e gera novamente o mal.” Se a revolta é compreendida como o exercício da violência como uma condição de sua própria existência, a revolta será obrigatoriamente violenta. Para Albert Camus o homem revoltado age primeiro para transformar, sem questionar se sua ação é legítima, para somente depois, verificar se o que foi feito ganha ou não legitimidade. É por isso que nessa linha de raciocínio é possível compreender (e não justificar), como é que, em todos esses movimentos que se iniciam normalmente pacíficos, com o passar das horas acabam se tornando violentos, gerando uma previsível repressão policial, no momento em que alguns de seus integrantes começam a quebrar e depredar coisas, indistintamente, por meio do exercício da revolta.
No que tange aos partidos, grande parte da aversão dos manifestantes aos seus semelhantes que usavam faixas, bandeiras ou camisetas de partidos políticos, mesmo que de extrema-esquerda (as vaias do público em São Paulo aos militantes do PCO foram emblemáticas), deve-se também ao desgaste natural das legendas políticas tradicionais, nascidas após a redemocratização do país há trinta anos atrás, e ao desencanto da juventude atual com o nascente Estado de Bem Estar Social produzido no Brasil com os governos do Partido dos Trabalhadores. Assim como ocorreu com a social-democracia europeia, décadas atrás, o país vive agora certo esgotamento de um modelo político de esquerda. Se o governo de Fernando Henrique Cardoso surgiu com um ímpeto de promover um Estado desenvolvimentista, com a abertura de mercado e a inclusão do Brasil no processo mundial de globalização econômica capitalista e revolução tecnológica, o governo Lula traduziu-se sinteticamente como o governo que aliou desenvolvimento com inclusão social, ao menos em termos de propaganda. Ora, em um país que nos últimos dez anos viu o surgimento de uma nova classe média, graças ao acesso a bens de consumo de milhares de brasileiros pobres, beneficiados por programas sociais do governo, é natural que a juventude oriunda dessas classes sociais passasse a reivindicar mais do que arroz e feijão. Hoje, em um país onde trabalhadores tornam-se contribuintes, num país com uma das maiores cargas tributárias do planeta, a exigência da melhoria dos serviços públicos é natural e fundamental numa sociedade onde os indivíduos começam a exercitar seus direitos de cidadania. Nesse sentido, nada mais justo do que, assegurada constitucionalmente a liberdade de expressão e reunião, que milhares de pessoas fossem às ruas exigir do governo que os compromissos de transformação social, outrora assumidos pelos partidos políticos que assumiram o poder, fossem efetivamente cumpridos. A sensação de que os destinatários dos serviços públicos do Estado não foram devidamente atendidos por um governo cuja legenda partidária prometia transformar o país, contribuiu para gerar um descaso, quando não um verdadeiro desprezo dos jovens pelos partidos políticos existentes. Soma-se a isso as denúncias de corrupção, em especial àquelas relacionadas ainda ao rumoroso caso do "Mensalão", que não obstante a intervenção da mídia, serviu para questionar a credibilidade do maior partido político do país, que em seus primórdios figurava no cenário nacional como paladino da ética e da moralidade na política.
E, finalmente, o assunto que é tema dessa postagem. E atuação do Estado? Como e por que reprimir criminalmente aqueles que participam dessas manifestações, sob alegação de descumprimento da lei, perturbação da ordem ou prática de alguma infração penal?De diferentes formas os governos locais, através de seus aparatos policiais, lidaram com a situação. A atuação mais desastrada foi a da Polícia Militar de São Paulo, quando alguns de seus policiais, revelando um despreparo tremendo ante mobilizações sociais, literalmente "atiraram para todo lado", valendo-se de balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio. O saldo negativo dessa atuação, no terceiro dias de protestos na metrópole paulistana, foi a jornalistas atingidos por balas de borracha, além de populares hospitalizados, que nada tinham haver com os protestos, prejudicados em sua saúde pelo uso indiscriminado das bombas de gás. No confronto direto entre manifestos violentos e policiais truculentos, como se diria no bom jargão popular, juntou-se " a fome com a vontade de comer". O governo de Geraldo Alckmin em São Paulo e o de Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro, preferiu adotar o lema de ver todo manifestante como baderneiro, subestimando o imenso apoio popular que os protestos passaram a ter na mídia e nas redes sociais, após a divulgação das primeiras ações truculentas dos policiais paulistas e cariocas. O discurso da criminalização custou caro aos governantes, que viram violência gerar apenas mais violência. Se era justificável o uso da força em situações extremas (como ocorreu em alguns estados, com a correta atuação da polícia no Rio Grande do Norte, onde as manifestações ocorreram tranquilas em sua totalidade, sendo reprimidos apenas eventos isolados), no caso das ações policiais em São Paulo e no Rio, houve excesso dos dois lados, mas a credibilidade do governo foi prejudicada, quando inicialmente preferiu o confronto do que o diálogo e a conciliação. Agora, podem alguns me perguntar: é possível ter diálogo com uma multidão enfurecida?
Para autores como Zizek e Agamben, todo ato político é violento, ou melhor, a política nasce da violência.Os processos revolucionários são violentos, as tomadas de poder e os golpes de Estado são violentos. Desde Maquiavel, e do que ele escreveu em O Príncipe, na disputa de poder os homens se valem da força ou das armas para conquistar posições políticas. Assim como as facções, assim também são as multidões. Seria uma impropriedade ou mesmo uma profunda ingenuidade ou ignorância eu dizer que os protestos que ocorreram nos últimos dias são um prenúncio de um processo revolucionário. Longe disso. Porém, também não é certo que rumos seguirão esses movimentos. Sabe-se que, historicamente, grandes manifestações populares são seguidas de importantes decisões políticas, e essas decisões podem ser dadas durante uma normalidade democrática ou durante momentos de crise, onde revoluções ou golpes de Estado podem ocorrer. Creio sinceramente que não seja o caso agora, aqui no Brasil, assim como não acho que tais processos radicais possam acontecer tão cedo, em democracias latino-americanas já consolidadas, como na Argentina, Peru, Chile, Bolívia ou Venezuela. Entretanto, é importante salientar que não podemos subestimar a grande capacidade de mobilização das massas, principalmente com o uso das redes sociais. A não ser que queiramos retornar a um regime de exceção, ou nos aproximarmos do regime de teocracias, como no Irã, onde a internet chegou a ser suspensa durante as paralisações de rua, o processo de revolução tecnológica das comunicações, com a comercialização maciça de bens de consumo que permite a integração em tempo real de milhares de pessoas, também pode contribuir para a derrocada de governos que sustentam esse modo de produção econômico, uma vez que, parodiando Karl Marx, as forças produtivas geradas no interior da produção econômica do sistema capitalista acabam por se voltar contra o próprio sistema, como o que está ocorrendo, de forma nem sempre pacífica e potencialmente violenta, nas centenas de manifestações produzidas no Brasil.
É claro que, para muitos que observam os últimos fatos, no caso das manifestações o que vimos em larga escala foi a ação destruidora de um punhado de indivíduos, que se valendo da massa partiu para destruir veículos e prédios públicos. Nesse sentido, poderíamos entender a conduta desses manifestantes como algo mais relacionado com a ação criminosa de gangues e não de grupos revolucionários. Mas a linha que os separa é tênue. Sabemos que, tanto à esquerda quanto à direita do espectro político, temos militantes radicalizados, imbuídos de um extremismo que os faz praticar atos violentos e aparentemente irracionais, com o uso de pedras para quebrar vidraças, ou coquetéis molotov para produzir incêndios, tão somente porque entendem que fazem parte de uma guerra, de embate verdadeiro entre classes ou posições antagônicas, como nas lutas sanguinárias de torcidas organizadas, e sob os efeitos inebriantes e tóxicos da ideologia da multidão, podem esses indivíduos praticar atos bárbaros, considerados por lei como verdadeiramente criminosos.
Seja pelo signo da ideologia, seja pela revolta pura e simples, assim caminha a humanidade e assim caminham os brasileiros, em seus movimentos de opinião e contestação. Se por um lado eu celebro o momento democrático, presenciando milhares de pessoas alegremente ou raivosamente ocupando as ruas, exercendo seu direito de protestar, também me preocupa os rumos que poderão tomar tais manifestações. Sem entrar no discurso maniqueísta de que os protestos beneficiam Grupo ou governo A ou B, ou determinada classe em detrimento de outra, acredito piamente que os protestos são válidos, assim como é válida toda forma de participação popular. Se chegarmos com isso a processo revolucionário, pacífico ou por tomada de armas, que cada um escolha seu lado ou posição; ou que fiquem em casa, como defendem outros, por preferir, conscientemente, estar fora dos processos radicais de transformação política por meio de ações coletivas. Tudo é válido nesse universo chamado democracia. Apenas digo: cuidado para não se machucar! Se for para um protesto violento, leve seu vinagre para o gás lacrimogênio! E do spray de pimenta usado para reprimir manifestantes, só quero o condimento para minha alimentação! Boas lutas a todos!
Excelente texto. Parabéns.
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