sexta-feira, 16 de julho de 2010

CRIME E FUTEBOL: O que o caso Bruno tem a nos ensinar?

"Foi preso o goleiro estripador!". Bem poderia ser essa a manchete de jornal propagada pelos meios de comunicação diante do triste caso envolvendo o goleiro Bruno, até ontem um consagrado jogador do Flamengo, prestes a ser vendido pelo clube por uma considerável soma ao futebol europeu. Bruno, o craque da torcida alvinegra. Bruno, o herói dos campeonatos estaduais de 2008 e 2009. Bruno, a muralha inexpugnável da defesa do time da maior torcida do Brasil. Bruno, o craque. Bruno, o assassino!

Naturalmente muito ainda deverá ser investigado acerca da participação do atleta na morte de sua ex-amante, Eliza Samudio; mas o que chama mais atenção são os requintes de crueldade e o roteiro macabro de filme de terror, que envolveu o depoimento do adolescente ouvido pela polícia,  sobrinho de Bruno, confessando os detalhes de um crime que acabou por levar atrás das grades o jogador do Flamengo, seu fiel assecla e amigo Macarrão, a própria esposa de Bruno, por ter escondido o bebê de Eliza, e mais um ex-policial civil, conhecido como Neném, suspeito da execução da ex-amante do goleiro.

Mas, em relação à confissão de um dos partícipes do crime, falando de uma vítima espancada e torturada até a morte, seu corpo esquartejado, com parte dele jogado aos cães, o que se pode dizer da conduta do goleiro Bruno? Segundo relatos, impassível até ontem, sorridente, antes da descoberta dos detalhes de um suposto crime dantesco, indiferente, segundo informações dos policiais que o detiveram, e mesmo dado aos goles de uma cervejinha, após, segundo o depoimento do adolescente apreendido, ter ordenado a execução de quem tanto o incomodava: aquela que carregava nos braços uma criança que representava o produto da infidelidade conjugal e de uma suposta orgia praticada pelo jogador, uma ex-atriz pornô, mais uma das infelizes "maria-chuteira", que em busca de fama e cultivando suas fantasias pós-adolescentes, tão somente queria o afeto (ou o dinheiro da pensão por ter engravidado) de um ídolo da torcida futebolística, que, segundo a direção do Flamengo, tornou-se "um pateta que pôs tudo a perder, prejudicando o clube".

Seria leviano responsabilizar o Flamengo pela contratação de um ex-ídolo que acostumado a ser manchete, agora migrou das páginas esportivas para as policiais. Na verdade, o clube rubro-negro tem sim uma grande responsabilidade quanto a regramentos de conduta de seus jogadores, mas isso não implica na previsão de um crime terrível, cometido supostamente por um de seus integrantes. Afinal, como diria Durkheim, o crime em si é um fenômeno normal da sociedade, e qualquer indivíduo que viva no meio social poderia tê-lo praticado. Quantos pedreiros, motoristas, engraxates, faxineiros, garis, favelados, bêbados ou viciados, ou influentes jornalistas como Pimenta Neves, matam diariamente suas esposas ou companheiras, em ocorrências de violência doméstica ou familiar, que não gozam do prestígio, fama ou do polpudo salário de jogadores promissores como o (ex) goleiro Bruno?

Creio que o que nos interessa debater no cenário criminológico é até que ponto pessoas bem sucedidas em seus ofícios podem se valer do prestígio alcançado com o sucesso profissional, para, na soberba de suas intenções, acharam ser superiores aos demais, estarem além do bem e do mal, e, com isso, proporcionar a autoria de delitos que soam perante a opinião pública como absurdos, uma vez que pelo poder econômico o suposto autor destes fatos poderia se ver livre de tais acusações. É a pergunta que não quer calar para muitos, acerca do caso de Bruno: Afinal, por que ele fez isso se era rico e famoso, e tinha todo um futuro promissor pela frente? Somam-se aos gritos de assassino o epíteto ensaiado em coro pela torcida rubro-negra ultrajada: Vacilão!!!

Por detrás do suposto vacilo de Bruno, num exercício de elucubração teórica, está o sentimento de impunidade que Sutherland detectou muito bem ainda nos anos 30 do século passado, numa pujante e emergente enonomia capitalista norte-americana, afunda em sua própria riqueza, ao analisar os white collar crimes (os crimes de colarinho branco). Numa sociedade que estimula a prosperidade e o sucesso, através da acumulação de riquezas como sinômino de prestígio e status social, pessoas destacadas na sociedade (industriais, artistas, empresários, magistrados, homens de Estado) gozam de uma certa invulnerabilidade social. Consideram-se acima dos demais, podendo e fazendo tudo, acreditando que o sistema legal e os meios jurídicos destinados aos outros pobres mortais não lhes alcançam, pelas balizas sociais que a aura de sucesso os tanto impregnou. É isso que se destaca nos depoimentos colhidos que comprometem Bruno, quando na fala da própria vítima, em vídeo gravado por Eliza Samudio, esta diz que o goleiro já a havia ameaçado, por conta do filho e da pensão que ela havia requerido, dizendo inclusive que se sumisse com ela, só quem iria se dar seria mal, pois nada aconteceria com ela, já que ele era Bruno, o goleiro do Flamengo.

Bruno, o infalível. Bruno, o inimitável. Bruno, o poderoso. A armadilha do poder que, de vez em quando, aprisiona os poderosos, serviu para fazer com que um jogador oriundo das classes mais pobres e laureado com o sucesso por seus próprios méritos, agora amargasse o dissabor da execração pública. Bruno acreditou que, devido a seu talento com a bola, a seletividade do sistema penal não o atingiria, por não ser mais apenas um jovem mulato, pobre, como tantos que todos os dias frequentam campos de várzea pelo país, empunhando uma bola nos pés, na esperança de encontrar seu lugar ao sol. Assim como tantos craques da bola, Bruno despontava como promessa, e já era, do seu jeito, um ídolo para a torcida flamenguista, que acompanhou os jogos do primeiro turno do campeonato brasileiro, a passagem pela Libertadores da América, até o atual campeonato carioca, vencido pelo Botafogo. Ocorre que além de manifestar a conduta própria dos poderosos, ao eliminar seus desafetos como bem faziam os poderosos num passado bem recente, Bruno agiu como uma espécie de "coronel da bola", como alguém que por ter fama e dinheiro, simplesmente dispõe de amigos certos nas horas certas, que ele pode fazer agir, no momento em que sente incomodado. "Apareceu uma mulher pedindo pensão por um filho que fiz nela numa noitada? Dar dinheiro pra ela?! que nada?!Se incomodar, eu mando matar!".

Preocupa-me menos um caso agora explorado pelo reality show criminal da mídia, do que o aparecimento ou ressurgimento de "novos Brunos". Tantos, que seduzidos pelo poder e pelo apetite econômico, acabam por resolver controvérsias jurídicas que envolvem filhos ou dívidas por meio do extermínio físico; como se a racionalidade iluminista que conduziu o direito moderno viesse a sucumbir diante de deletérios costumes arcaicos. O fato de mandar eliminar a amante, a concubina, quando ela ameaça a estrutura econômico-familiar da união conjugal tradicional, já fora percebido anteriormente desde a cultura antiga, remontando aos romanos e passando pela Idade Média. Parece que os movimentos de emancipação feminina no século XX não foram suficientes para segurar o ímpeto do macho ferido, do homem ultrajado, que diante da sedução de Messalinas, reage brutalmente por meio do extermínio diante daquela que pelo sexo, pode lhe subjugar. Se o filme queimou para Bruno, ele se encontra ainda mais queimado para muitos homens que não tem a hombridade suficiente de aceitar responsabilidades, e as consequências de seus atos, inclusive de suas escapadas extraconjugais. Em uma palavra para sintetizar a sina de Bruno e daqueles que o acompanharam nesta triste empreitada: covardia.

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