domingo, 1 de agosto de 2010

O QUE O CASO BRUNO E O DE MÉRCIA NAKASHIMA TEM EM COMUM? A POLÍCIA QUE FINGE SER POLÍCIA.

Mercia Nakashima era uma bela e jovem advogada, descendente de orientais, que teve sua vida ceifada abruptamente na margem da represa Nazaré Paulista. Também bonita, e também tragicamente desaparecida, Eliza Samudio foi sequestrada, torturada, morta e esquartejada para que seu corpo não fosse encontrado, segundo tese da polícia de Minas Gerais, expressa no relatório final do inquérito que apura a responsabilidade dos autores de um sórdido crime. Em ambos os casos vemos trágicas semelhanças: ambas eram mulheres, bonitas e jovens, assassinadas supostamente por seus namorados ou amantes, e as duas foram mortas de forma planejada, premeditada, numa resolução de caso difícil, em que os indícios colhidos na investigação criminal foram falhos, fluidos, frágeis, quase que um presente para os advogados de defesa; pois em ambos os casos torna-se difícil condenar os acusados, seja por falta de provas quanto a autoria do crime, seja pela inexistência de um corpo. Como prender Misael, ex-namorado de Mércia, supostamente o autor dos tiros e do afogamento que tiraram a vida da advogada? Como responsabilizar Bruno, seus asseclas Macarrão e Bola, além de sua mulher e outra ex-amante, pelo suposto assassinato de Eliza? Por que é tão difícil condenar quem possivelmente praticou de fato os delitos de que são acusados, já que não existe prova suficiente para isso? Por que as investigações não foram tão eficazes? Por que agora o julgamento de ambos os supostos assassinos terá que ser feito pela opiniião pública e não pelas provas produzidas no processo penal?

A polícia brasileira age conforme uma ânsia midiática. Dos poderes públicos, aquele que é mais movido à mídia trata-se do executivo, através de suas secretarias de segurança. De que adianta mostrar na TV novos prédios de escolas construídas, novos hospitais ou novas ambulâncias, quando o que dá patrocinador e chama anunciantes nos programas televisivos são viaturas, pistolas, coletes e metralhadoras, além de uma polícia que prende, atirando primeiro e perguntando depois? Para que uma investigação criminal paulatinamente séria, austera, isenta, científica, racional, se o que o povão quer é a indicação dos culpados, o big show da hora do almoço, onde as câmeras se esforçam em focar um ex-ídolo do futebol caminhando a passos trôpegos para a cadeia, algemado, com seus trajes de presidiário? Para que se defender um duo process of law, traduzindo, um devido processo legal, se o que interessa é ver um Misael acuado, ao lado de seu atônito advogado, irritado com as perguntas de um delegado de polícia, mas totalmente à vontade na sua impunidade, porque é difícil comprovar e punir um cruel assassinato?

A polícia, em particular a polícia judiciária, ao menos no Brasil atua de forma diferente das suas congêneres de outros países ou regiões. Adota-se uma única linha de investigação, de preferência a mais rápida, a mais cômoda, a que "cole mais rápido", para se dar satisfação ao grande público, num interesse, como disse, muito mais midiático do que processual. Não interessa à polícia brasileira auxiliar na promoção da justiça, mas sim satisfazer interesses: seja dos poderosos, do grande público, dos récordes de audiência ou da sanha dos anunciantes. O policial civil brasileiro, o investigador, joga pra plateia, muito mais do que acreditando no seu próprio potencial, no seu faro investigativo, e por isso, deixa perder muitas luzes que a sabedoria de sua própria investigação poderia conduzir, sem pressões, sem tropeços ou atropelos. Infelizmente, na pressa de querer dar satisfação à mídia, esse mesmo policial pode acabar chutando uma bola fora!

E de bolas fora foi o que acompanhamos no já esquecido caso do Bar Bodega, narrado em livro pelo jornalista Carlos Dorneles (Editora Globo, 2007); onde, num começo de anos noventa, a classe média paulistana acordou assombrada com o desfecho de um crime simbolizado num assalto desastrado a um popular botequim em Moema, pertencente a atores globais, que  resultou na morte de uma estudante de odontologia e de um dentista, ambos baleados, e que gerou um movimento raivoso de caça aos criminosos, onde nove pé-rapados da periferia paulista foram presos e torturados, mesmo sem ter relação alguma com o crime, para que confessassem ser os autores do homicídio de Adriana Ciola. Deveu-se somente a atuação de um promotor consciente, de convicções firmes e respeitador dos príncípios da legalidade e do devido processo penal, a verdadeira resolução do caso,  uma vez que foi possível desmascarar a farsa montada pela polícia paulista e descobrir os verdadeiros autores dos latrocínios, sem, contudo, que antes fossem produzidas mazelas psicológicas inimigáveis no corpo surrado e torturado dos nove jovens que conheceram  injustamente a prisão. A polícia paulista fez um trabalho feio, muito feio, e parece não ser diferente o que vem sendo produzido na apuração de casos como o de Mércia ou do desaparecimento da amante do ex-goleiro Bruno. Mas, afinal, até quando tanta incompetência?

Como receita de bolo eu prevejo, em primeiro lugar, a extinção do inquérito policial, ao menos na forma como se encontra hoje, e uma verdadeira reformulação da investigação criminal, do papel da polícia, do judiciário e do ministério público na resolução de delitos. Precisamos ter promotores mais atuantes, ou seja, mais próximos da policia, assim como devemos ter realmente uma polícia mais subordinada aos interesses do judiciário na coleta de provas, sem medo de se submeter ao titular da ação penal, já que cabe ao ministério público processar os autores de crimes, e, assim como se dá no processo norte-americano, e que podemos ver em seriados de TV, tais como o Lei e Ordem, a polícia atua como uma efetiva colaboradora das promotorias, que dão a linha da investigação, competindo aos policiais, não ouvir burocraticamente na forma de depoimento aqueles que investigam, mas sim de produzir, efetivamente, provas contra eles. É permitido o contraditório, assim como em todo e qualquer processo civilizado de persecução penal. Faz parte das regras do jogo, mas enquanto advogados de defesa tentam resguardar teses e provas para seus clientes, policiais fazem seu trabalho identificando suspeitos, testando variáveis, desenvolvendo várias linhas de pensamento, desdobradas da tese centr:al da acusação, e vão à luta. De forma bem diferente que a atabalhoada apuração do caso Bruno, que mesmo com toda uma pirotecnia, com a utilização de biólogos, peritos e até analistas das fezes dos cães da raça rotwelleir, que teriam supostamente devorado os restos de Eliza, ainda não foram capazes de demonstrar onde está o corpo ou o que sobrou de um cadáver que simplesmente não apareceu. Aí eu pergunto: como é que se faz a materialidade de um crime de homícidio, sem corpo?

E o caso Mércia? Até o presente momento não se reuniram provas suficientes para demonstrar que foi realmente Misael quem matou ou mandou matar sua ex-namorada, apesar das evidências trabalharem em direção a ele. Mas que evidências? Segundo o processualista Aury Lopes Jr., professor da PUC de Porto Alegre, evidência não se confunde com prova, pois que o se mostra evidente, claro, aberto, à luz dos olhos, pode ser desmanchado com uma boa defesa, quando predomina o contraditório, e na fase de livre produção de provas, a mais contundente acusação pode ser derrubada, quando os advogados do réu tão e simplesmente indicam uma prova com uma contra-prova: como é que você consegue provar que fui eu que matei se você não tem prova disso? Ora, na conduta criminosa, existem dois componentes básicos: um subjetivo e um objetivo, que se chamam dolo e ação. Numa explicação simples, eu tenho que provar que no meio desse interregno alguém realmente quis fazer alguma coisa e efetivamente o fez. Esse é o problema na investigação das supostas autorias de Bruno e Misael. Essa é a bandeja que é dada de presente a qualquer bom e inteligente advogado criminalista, até que a polícia consiga o milagre de fazer o corpo de Eliza reaparecer ou de demonstrar eficazmente que foi Misael quem desferiu os tiros mortais que acabaram com Mércia, ou se foi alguém a mando dele. Parece tão fácil, não?!Mas ao mesmo tempo ficou tão difícil. Acoooordaaaa polícia judiciária!!

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