terça-feira, 20 de janeiro de 2015

EXECUÇÃO DE BRASILEIRO NA INDONÉSIA: Não teve jeito, fuzilaram o "Curumim"!

Condenado a morte na Indonésia.(retirado de veja.abril.com)
Marco Archer Moreira era um criminoso. Disso não há dúvidas. Condenado a pena de morte na Indonésia por tráfico de drogas, o brasileiro e carioca Moreira era um conhecido traficante das autoridades de Jacarta. Ele começou a praticar seus crimes ainda no início dos anos 1980; ou seja, há mais de 30 anos. Conhecido pelo apelido de "Curumim"(talvez pelo tempo que gostava de permanecer acampado ou escondido em lugares com selva, como a Amazônia, o Peru ou a própria Indonésia), Marco Moreira trabalhava oficialmente como instrutor de voo livre, mas sua especialidade era traficar drogas (principalmente cocaína), escondida em tubos de asa delta. Ele chegava a se vangloriar por nunca ter sido apanhado durante anos, fazendo a rota Lima, Rio de Janeiro, Amsterdã e Jacarta, até ter sido preso nesta última localidade, em 2003, aos 41 anos, quando foi descoberto no aeroporto quando trazia escondido em um de seus aparelhos de voo, mais de 13 quilos de cocaína. Foi a maior apreensão de drogas da história da polícia indonésia, até então. Naquele momento, a casa definitivamente caiu!!

Mas Marco Archer Moreira também era um ser humano, como muitos dos que cometem erros, praticam crimes, e, por isso, pagam por isso. Criminosos pagam suas penas de diferentes formas. Uns fogem, outros cumprem a pena e se redimem, e outros, simplesmente não conseguem se recuperar. Nesse último caso, nunca saberemos se o traficante brasileiro, preso e condenado na Indonésia, poderia ter demonstrado que aproveitou a oportunidade de se recuperar após cumprir dez anos de pena, enclausurado num presídio asiático. Nesse último final de semana, nas primeiras horas da madrugada de domingo (15 horas e 30 minutos da tarde de sábado, no horário de Brasília), Marco Archer Moreira foi o primeiro brasileiro a ser executado por pena de morte no exterior. Diante de um pelotão de fuzilamento, contando com 12 agentes do destacamento de polícia da Indonésia, Moreira sucumbiu às balas que ceifaram com sua vida e a de mais cinco prisioneiros estrangeiros, condenados pelo mesmo crime.


Com seu advogado, Archer abatido,não havia mais o que fazer.
Moreira nutria a esperança, durante uma década, até o dia em que uma comissão do sistema penitenciário indonésio lhe informou dias antes da triste verdade, que um dia seria posto em liberdade e de que não seria morto. Sua crença, na inaplicabilidade da pena de morte no seu caso, envolveu certa ingenuidade, aliada a experiência de acreditar nas brechas do corrupto sistema judicial indonésio, como também nos apelos do governo brasileiro e de outras entidades de defesa dos direitos humanos. O problema é que ele não contava com o posicionamento do atual presidente da Indonésia, Joko Winodo, recentemente eleito com a promessa de utilizar a mão pesada do Estado para combater narcotraficantes, numa belicista política de guerra às drogas, ao defender a pena de morte. Apegado a um compromisso de campanha que o diferenciava de seus antecessores, considerados lenientes com a criminalidade que assolava o país, o presidente indonésio recusou todos os pedidos das autoridades diplomáticas brasileiras, e do próprio pedido de clemência da presidente brasileira, Dilma Rousseuf, de não executar por fuzilamento o condenado brasileiro. A violência devastadora da pena capital venceu sobre a racionalidade!!

O esquadrão da polícia indonésia serviu como pelotão de fuzilamento.
Existem vários motivos, do ponto de vista jurídico e da política criminal internacional para justificar porque Moreira fracassou no seu pedido de comutação de pena, e porque, afinal na Indonésia ele encontrou seu fim com  a aplicação da pena capital. O argumento mais formal possível é de que o devido processo legal foi obedecido; ou seja, todos os trâmites de recursos permitidos conforme o ordenamento jurídico da Indonésia foram cumpridos e as normas invocadas. Por mais que se recrimine a posição das autoridades asiáticas, a lei penal foi cumprida, por mais dura que fosse, e seu caráter eminentemente preventivo esteve presente o tempo todo, mesmo antes do julgamento e condenação de Marco Archer. Afinal, quando praticou o delito, transportando drogas para Jacarta, o traficante brasileiro já sabia que a legislação do país era dura, e por conta disso o preço da droga era mais valorizado, porque os bandidos que traficam drogas para lá, sabem que os lucros são maiores quando não são apanhados. Por sua própria conta e risco, Marco Archer Moreira cavou seu destino, segundo a lei indonésia, e disso ele não poderia escapar. Prevaleceu a eficácia do Direito positivo.

Após a execução,o corpo é levado para um crematório.
Entretanto, eu iria mais além, e teria mais a acrescentar, no caso da condenação do brasileiro. Como, já dizia o filósofo do direito Ronald Dworkin, as decisões jurídicas (normativas) derivam de decisões políticas. Foi o rumo da política e não o direito que norteou a decisão das autoridades indonésias, o que culminou com a morte de Moreira. Em nome do populismo penal, em que soluções repressivas penais são propostas para solucionar problemas políticos, o presidente indonésio reforçou o batido discurso da guerra às drogas com a defesa abnegada da pena de morte e fuzilamento de traficantes, para justificar o descalabro administrativo do Estado e sua ineficácia para solucionar graves problemas sociais, como a questão da drogadição, o desemprego (que leva muitos dos habitantes locais a trabalhar no tráfico), e o mercado negro estabelecido através do turismo (que envolve drogas, jogo e prostituição), num país de população majoritariamente muçulmana. Pode-se dizer que o drama brasileiro reflete o drama do choque de civilizações diante de uma realidade mundial globalizada e capitalista, onde o continente asiático é conhecido mais como um mercado, para a difusão de bens de consumo lícitos e ilícitos (como as drogas), do que um espaço de diálogo multicultural. 

Talvez a ausência do multiculturalismo na falta de difusão de uma filosofia humanista (e de base fortemente cristã), baseada no perdão e na redenção, na tese da recuperação de criminosos, tenha contribuido também fortemente para o trágico desfecho, que resultou no fuzilamento do brasileiro. Sabe-se que o Direito moderno, de base racionalista, nascido do Iluminismo, pregava a humanização das penas, tendo como um de seus principais representantes, a figura de Cesare Beccaria, um dos mais ferrenhos críticos da pena de morte do século XVIII. Entretanto, mesmo existindo há mais de dois séculos teóricos e modelos penais que rejeitam uma visão unicamente retributiva da pena, e acreditam na reinserção social de apenados por meio de teorias como a prevenção especial (positiva e negativa), nos continentes asiático e africano, a pena de morte ainda aparece como uma espécie de panaceia dos problemas criminais.

Nesse sentido, vale a pena dar uma olhada na interessante obra, A MORTE COMO PENA: ensaio sobre a violência legal, escrita por Italo Mereu (editora Cia. das Letras). No livro, Mereu procura explicar como, mesmo após o advento do Iluminismo e a superação da visão eminentemente religiosa do fenômeno jurídico,  e a pregação racionalista da humanização das penas, a morte ainda continuou servindo como ferramenta de um controle legal punitivo. Trabalhando alguns conceitos como o de "assassinato judicial", Mereu demonstra como o anúncio da morte como consequência funesta do descumprimento da norma penal, ainda serve de inspiração para muitos legisladores nos dias de hoje; como se tal expediente fosse suficiente para intimidar criminosos e evitar delitos.

LIVRO: A morte como pena. interessante reflexão teórica.
Antes de morrer, em suas últimas imagens, Marco Archer Moreira apresentava uma figura bem distante daquele moço bem apessoado e sorridente, que tinha sido preso numa ilha, tentando escapar, apenas duas semanas após uma fuga espetacular do aeroporto de Jacarta, ao ser descoberto com drogas. Com menos cabelos, abatido,  desdentado (por falta de atendimento, Moreira perdeu todos os dentes na prisão), e envelhecido, Marco deve ter encarado seus algozes, antes de lhe ser colocado um capuz no rosto, munido apenas da única certeza: "agora, acabou"!. Sem pais vivos e sem deixar mulher ou filhos, o que sobrou do criminoso brasileiro após sua execução foram apenas suas cinzas, levadas para o Brasil por uma tia chorosa, que sabia que somente um milagre evitaria a morte do sobrinho. Esse milagre, infelizmente para ela, não veio. 


A morte (e não a Justiça) venceu.(retirado de click.rbs.com)
Não se trata aqui, portanto, num gesto de piedade, de exortar a memória de um criminoso, e nem chamá-lo de herói. Muito pelo contrário. Marco Archer foi um criminoso e morreu como um, condenado a uma das penas mais brutais do planeta. É a brutalidade e a inocuidade da pena de morte que se é discutida neste artigo. Pode ser que muitos dos leitores deste blog possam estar pensando que o traficante brasileiro recebeu um fim merecido (afinal, traficantes prejudicam a vida e a saúde de outras pessoas), como pensou o polêmico deputado direitista Jair Bolsonaro (que chegou a enviar uma moção de congratulações ao governo indonésio por sua decisão de matar o brasileiro). Porém, pode ser também que alguns pensem que ninguém esta a salvo de erros, e que todos tem um potencial para delinquir, e cometer dos mais banais aos mais atrozes atos. Uma certeza, ao menos nós temos: seja um traficante, estuprador, homicida ou terrorista. Num Estado democrático de direito, todos tem o direito a um julgamento (e uma pena) justos. Fica para o leitor a valoração disso!!

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