quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

POLICIAMENTO EQUIVOCADO: 4 Razões para explicar a morte da jovem Haissa por PMs no Rio de janeiro: DESPREPARO, DESPREPARO, DESPREPARO E DESPREPARO!!!

No ano passado, há mais de cinco meses, no dia 2 de agosto, às 5 horas da manhã, durante uma ronda noturna realizada dentro de uma viatura policial, em Ninópolis, na Baixada Fluminense, os policiais militares Márcio José Watterlor Alves e Delviro Anderson Moreira Ferreira, lotados no 41º BPM de Irajá,  avistaram um veículo Hyunday em atitude suspeita, após abordarem outros dois veículos supostamente ocupados por bandidos. Diante da situação, os PMs Alves e Ferreiria decidiram seguir o referido veículo, e quando este não parou ao ver a viatura policial com a sirene ligada, e, ao contrário, acelerou a velocidade tentando despistar a viatura, os policiais não contaram conversa, e seguiram o carro suspeito a tiros, descarregando no veículo vários disparos de fuzil. A ação toda de abordagem não durou mais do que vinte segundos, mas foi o suficiente para produzir uma tragédia que o Brasil inteiro conheceu somente esta semana. Na ação policial, a jovem Haissa Vargas Motta, de apenas 22 anos,  foi alvejada nas costas, morrendo em seguida no hospital após ser socorrida pelos seus próprios algozes. Na ocasião, os PMs estarrecidos, autores do fato, descobriram, ao atender os prantos das amigas de Haissa, que alvejaram um veículo que só tinha em seu interior jovens inocentes que vinham de uma festa, e não bandidos.

Toda a ação dos policiais foi gravada por uma câmera de vídeo instalada na própria viatura (regra comum no policiamento carioca), e divulgada somente agora, em rede nacional nos telejornais. É possível ver no vídeo que os policiais ainda tentam justificar seu crime, após a ação desastrada que resultou na morte de uma pessoa, em que os mesmos reconhecem o erro cometido. O vídeo mostra que, já na entrada do hospital, mesmo reconhecendo que serão punidos, os policiais envolvidos ainda tentam responsabilizar as vítimas pelo ocorrido. Afinal, por que não pararam ao ver a viatura policial? Por que abriram o vidro da janela do carro? 

O flagrante do despreparo(retirado de veja.abril.com)
Tais perguntas nos fazem pensar o que se passa na cabeça de um policial num momento de tensão, em que ele tem que tomar decisões rápidas. Nos cursos das academias de polícia em que já participei, ministrando aulas,  é comum ver que policiais questionam o que fazer num momento em que tem abordar um veículo numa rua escura. Muitos deles dizem logo, de cara, que não querem dar oportunidade aos bandidos de alvejá-los. Por isso, por  "precaução", ao verem qualquer atitude suspeita que denote hostilidade, eles já reagem de imediato dando tiros. Um exemplo disso é o o simples gesto de abrir uma janela de um carro onde não se  vê o que há em seu interior. Para o policial desconfiado e amedrontado, dali podem sair tiros, num suposto caso que, para os advogados, seria de legítima defesa putativa: onde o autor do fato imagina que está simplesmente se defendendo de uma agressão, quando esta na verdade não existe, reagindo de forma precipitada, com uma violência desnecessária e desproporcional.

Não obstante a recente prisão preventiva dos policias autores do fato, denunciados pelo Ministério Público por homicídio doloso, a dor dos familiares de Haissa só pôde ser diminuída, mas não eliminada. Para uns, será apenas mais um número nas estatísticas oficiais, de vítimas mortas pela Polícia; para a família, um ente querido que se foi; e para os defensores e alguns colegas dos policiais, mais uma  vez, policiais, pais de família, pagam o pato pela "incompreensão" da sociedade, que não vê o dia de dia de tensão porque passam os integrantes da Polícia, em seu cotidiano violento de arriscar a vida em um ambiente urbano hostil, sem saber se ao final do expediente voltarão para casa. Quem está certo e quem está errado?

A jovem Haissa,morta por agentes do Estado.
O preparo da polícia brasileira não é o de policiamento, mas o de confronto. Assim como os exércitos são treinados para confrontar, em situações bélicas de risco, os policiais brasileiros, mormente os militares, recebem treinamento de guerra, para atuar nas ruas como se estivessem prontos a dar um tiro em alguém em qualquer momento. O policiamento de patrulhamento (ostensivo) exercido pela Polícia Militar, não exerce, portanto, seu caráter meramente preventivo, de intimidação pela presença dos agentes da ordem no espaço público e criação de uma sensação de segurança, mas sim segue uma lógica de enfrentamento, onde qualquer atitude suspeita é vista como uma atividade hostil, que suscita uma reação na base da rajada de balas. Como o Estado não consegue se impor em todas as áreas, permitindo que as lacunas dos vazios sociais sejam ocupados pelo crime, é até natural conceber que aqueles que deveriam promover a segurança, já entram nas ruas inseguros, porque não dizer apavorados, achando que a qualquer momento podem levar um tiro, e, portanto, numa situação dessas melhor atirar primeiro e perguntar depois!!

Foi exatamente isso que aconteceu há meses atrás com a desastrada atuação dos PMs cariocas, que resultou na perda da vida da jovem Haissa Motta. Se forem levadas em conta as declarações do recentemente empossado governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, não há nada de errado na formação do policial carioca, uma vez que o a preparação deles na Academia de Polícia, quando ingressam na corporação, tem o mesmo prazo de duração de outras polícias do mundo, entre seis a oito meses. O problema é que não se discute o prazo de duração do curso, mas sim o preparo que é dado ao policial durante sua realização. Ora, historicamente, não é de hoje que se fala do despreparo de nossas corporações e o assunto sempre vem à baila quando a polícia age de forma desastrada, como ocorreu no recente caso, envolvendo a pobre menina Haissa; mas o problema é que não se chegou ainda no país a uma política criminal de resolução dos problemas concentrados nas raízes desse despreparo. 

Os inconsoláveis pais de Haissa pedem Justiça e uma Polícia melhor.
Nossos policiais matam e matam muito, simplesmente porque foram criados numa subcultura de confronto, onde são treinados para serem matadores. Numa visão autoritária, e até mesmo fascista do aparato policial, pensa-se que a organização policial é feita para matar bandidos, antes que os bandidos matem o próximo ou até a própria polícia. É num estado de guerra que vivemos, como diria o filósofo italiano Antonio Negri, e é nesse estado de guerra contraditório a um estado de democracia, que temos uma Constituição que prega a existência de uma organização policial diametralmente oposta. Parece esquizofrênico falar de uma Polícia que mata a esmo cidadãos, porque exerce um policiamento na base de tiros, quando temos uma sociedade de hoje que prega a liberdade individual, o direito de ir e vir e o de fazer qualquer coisa se não for contrário ao que diz a lei. Como então podemos caminhar nas ruas sem correr o risco de ser confundidos com bandidos e levar um tiro de policiais? Como exercer essa liberdade, como viver nessa democracia? Ao amedrontar cidadãos toda vez que aparece uma viatura, a Polícia brasileira exerce, na verdade, uma função autoritária, que a equivale a efetivos policiais das piores ditaduras. O que fazer para resolver isso? Acredito que o problema não seja de sanidade, mas sim de maturidade de nossas instituições.

Creio que o caminho da desmilitarização do efetivo policial é apenas um dos trajetos a serem trilhados para uma melhor qualificação do policial no Brasil. A abolição da tática do confronto nas abordagens normais, assim como a efetivação do uso progressivo da força e a integração do setor de comunicações, com viaturas interligadas numa mesma área por sistema de rádio, onde barreiras possam ser facilmente montadas, sem a necessidade de que outra equipe de policiais efetive uma perseguição arriscada, onde seus integrantes se sintam obrigados a atirar, é apenas um pequeno rol de propostas que poderiam ser facilmente implementadas, se houvesse compreensão e vontade política. O fim da visão militar na atividade policial auxiliaria a diminuir a mortalidade de cidadãos no exercício da função repressiva estatal, quando policiais saíssem às ruas com a consciência de que estão atendendo pessoas, e não combatendo inimigos. Somente com o fim desse estado de guerra é que podemos salvar outras Haissas!!

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