sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

TERRORISMO: 7 DE JANEIRO DE 2015 FOI O 11 DE SETEMBRO DE 2001 DOS FRANCESES

A manchete que jornal algum gostaria de publicar.
7 de janeiro de 2015 já pode ser conhecido na história como o dia em que liberdade de expressão sofreu seu mais duro golpe na era contemporânea, desde a ascensão do nazifascismo no século XX. Para muitos, na França, o dia em que três enlouquecidos militantes extremistas islâmicos, encapuzados e armados de fuzis, invadiram em Paris a sede do Jornal  Charlie Hebdo, e fuzilaram a sangue frio 12 pessoas (dentre elas seus principais cartunistas), além de ferirem gravemente mais de uma dezena, significa o 11 de setembro dos jornalistas. Se uma década e meia antes, na citada data, a organização terrorista al-Qaeda, de Osama Bin Laden, visava ferir os Estados Unidos, atacando o governo norte-americano, ao atingir com dois aviões sequestrados as Torres Gêmeas em Nova York, além do prédio do Pentágono, em solo americano; em Paris, os três terroristas que, sozinhos, criaram em poucos minutos um mar de sangue, destruição e desgraça na França de hoje, queriam atingir diretamente a imprensa, principalmente a Imprensa Livre, formada por intelectuais, artistas e ativistas sociais que, além de defender a liberdade de expressão, exerciam de forma bem humorada uma crítica voraz à barbárie do extremismo islâmico fundamentalista, tão caro a um exército de assassinos, conhecido hoje na região da Síria e do Iraque como "Estado Islâmico".

Cena dantesca: a ação assassina dos terroristas em plena rua de Paris.
Por utilizarem as páginas do Charlie Hebdo (uma espécie de "Pasquim" parisiense, que fazia um jornalismo crítico, de forma cômica, valendo-se do humor de suas charges para ridicularizar os excessos dos militantes extremistas), como um libelo ou manifesto contra a irracionalidade e a bárbarie do fundamentalismo islâmico, adotando a postura arriscada e controversa de publicar charges ridicularizando o Profeta Maomé, além de piadas contra todo tipo de intolerância religiosa (seja ela cristã ou muçulmana), chargistas como Stephane Charbonnier (editor e criador do jornal), Georges Wolinski e Jean Cabu, e outros conhecidos por anos em toda a  Europa , acabaram por cavar a sua sentença de morte. Não é possível se esperar bom humor de militantes doutrinados, de olhar ensanguentado, que na sua cegueira fundamentalista vem todos como inimigos a serviço de um grande Satanás.
Entre mortos e feridos o sinal da barbárie.

O saldo da ação assassina dos terroristas que atacaram o jornal também incluiu dois policiais mortos, inclusive um com um tiro na cabeça, quando já estava ferido e dominado, no momento da fuga dos criminosos, que já foram identificados, caçados e mortos.

Com  o sangrento atentado ao jornal parisiense, não tardou para ressoar o eco da extrema-direita francesa, avessa aos imigrantes de origem árabe e africana, defendendo o retorno da pena de morte, além de uma série de medidas legislativas que do ponto de vista da teoria jurídica penal poderíamos definir como "Direito Penal do Inimigo". Essa teoria, desenvolvida há anos pelo grande jurista alemão Günther Jakobs, e bastante comentada após o episódio da queda das Torres Gêmeas no 11 de setembro, retoma a distinção kantiana estabelecida nos primórdios da Filosofia Política moderna, entre cidadão e inimigo. Para Jakobs, indivíduos que não respeitam o pacto social da mínima convivialidade (tais como os terroristas fundamentalistas da atualidade), praticando atos odiosos que atentam contra valores básicos da civilização ocidental, condensados numa ordem jurídica, não deveriam ser tratados como cidadãos, e sim como inimigos. O inimigo, na teoria normativo-funcionalista de Jakobs, não seria um mero infrator, pois existiriam cidadãos infratores e não-cidadãos também infratores; ou seja, o inimigo sequer seria uma pessoa e sim alguém que mereceria tratamento jurídico inferior. Chancelando a desigualdade de status social, o Direito Penal do Inimigo faria uma divisão entre pessoas (um indivíduo reconhecido em seus direitos por uma determinada ordem jurídica) e não pessoas (aqueles a quem sequer seriam reconhecidos direitos). Nesse sentido, tortura ou mesmo a eliminação física dos inimigos seria tolerável dentro de um determinado sistema de direito que, seletivamente, diferencia cidadãos de não cidadãos.

Algumas das vítimas:célebres chargistas franceses.
O perigo da ação dos extremistas islâmicos ao assassinar os jornalistas do Charles Hebdo não é apenas o perigo da expansão do terrorismo islâmico, fundado numa interpretação distorcida da religião muçulmana, mas também na expansão de uma xenofobia equivocada, preso a um islamofobismo de não reconhecimento do outro, principalmente se ele é árabe, lê o Corão e usa turbante. A França é conhecida como uma das nações mais globalizadas do planeta, e tive a oportunidade de conhecer em Paris a convivência pacífica entre milhões de pessoas num mesmo espaço urbano, das mais diferentes etnias, nacionalidades e idiomas. Seria uma pena ver jovens estudantes negros, asiáticos, latinos e escandinavos, deixarem de conviver e compartilhar um piquenique no belo e verde gramado dos campus das universidades francesas, junto com moças de véu na cabeça e rapazes de turbante, tão somente porque políticos de ambos os lados pregam uma separação obrigatória de povos que coexistem, por mero preconceito ou sectarismo, como aconteceu com os judeus séculos atrás e que acabou resultando numa guerra mundial.

Algumas das charges do semanário parisiense faziam rir pela crítica.
Para mim, terroristas não são inimigos do Estado, mas tão somente criminosos, que merecem o mesmo tratamento e rigor penal que outros deliquentes que praticam os chamados delitos comuns. Eles devem ser presos, julgados e condenados dentro de um Estado Democrático de Direito, perto da civilização e longe da barbárie, para que seja dado o exemplo de que nem todos os muçulmanos são fanáticos maníacos assassinos e nem todo cidadão europeu é anti-imigrante e fascista. Seja nas artes, nos cargos públicos ou no futebol, a França já demonstrou com jogadores fabulosos como Zidane ou Karim Benzema (ambos de ascendência árabe), que os imigrantes árabes (assim como os nordestinos em São Paulo, no Brasil), também são cidadãos franceses, porque fazem parte da construção da nação, ocupando escolas, universidades e postos de trabalho no serviço público ou privado.

O próprio policial que foi assassinado por um dos terroristas no ataque ao jornal, no dia 7,  era de origem árabe e muçulmano. Assim como uniu jacobinos e sans-cullotes na Revolução contra o Antigo Regime em 1789, o povo francês deve se unir agora contra o terrorismo, valendo-se mais ainda da tolerância, da convivência pela integração entre povos e promoção da inclusão social dos diferentes, no combate extremado aos extremismos, do que se valer da mera retaliação a um determinado povo ou segmento social. Com certeza, a memória dos chargistas mortos seria muito honrada se continuássemos a louvar a democracia e a liberdade de expressão, deixando que todos se manifestem, inclusive em suas discordâncias, sem que fuzis tenham que ser disparados no lugar disso. Afinal, piadas não deveriam matar!!!

Junto-me ao povo francês e a todos os defensores no mundo da liberdade de expressão e da democracia, para gritar a plenos pulmões:"HOJE, SOMOS TODOS CHARLES"!!!

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