terça-feira, 14 de dezembro de 2010

SEGURANÇA GLOBAL: A prisão do criador do WikiLeaks é a globalização do Estado Policial

Julian Assange era um completo desconhecido da opinião pública, pra quem não lê continuamente jornais e revistas, ou não seja interessado em política internacional; mas, a partir de sua prisão na Inglaterra, virou o primeiro "preso político digital" em nosso mundo globalizado.

A história de Assange começou a partir de seu site na internet: o WikiLeaks. Assim como seu similar na internet, o Wikipédia, o WikiLeaks é uma enciclopédia virtual destinada a revelar vazamentos dos governos (principalmente do governo norte-americano), levando a público casos comprometedores de erros militares, fofocas diplomáticas e opiniões emitidas nos bastidores da política, que somente são captadas pelas parabólicas da contrainformação. No site você pode encontrar documentos outrora sigilosos, dôssies, relatos de espionagem, vídeos proibídos, correspondências secretas e todo tipo de furo ou vazamento no intrincado serviço de informações e espionagem das nações industrializadas. O Wikileaks é o paraíso dos hackers, pois através dele é possível fuçar a vida dos órgãos governamentais e seus segredos mais recônditos. Há citações inclusive ao Brasil, através de seu serviço diplomático, com a divulgação dos comunicados entre seus ministérios e embaixadas, e através do WikiLeaks foi possível saber também do intensivo processo de criminalização do MST, inclusive com iniciativas combinadas dos setores militares com ruralistas e o governo norte-americano, no sentido de implementar uma legislação mais dura, que transformasse os sem-terra em grupo terrorista (vide reportagem dessa semana, da edição nº 626, da revista Carta Capital).

Alguns meios de comunicação no Brasil noticiaram de formas distintas a prisão do criador do WikiLeaks, de acordo com suas preferências ideológicas. Enquanto que semanários como Carta Capital, Época e Isto É enfatizaram o absurdo da prisão do jornalista australiano, a revista Veja preocupou-se mais com a repercussão do caso, narrando a ação de intrépidos hackers, simpatizantes das causas de Assange,  intitulados Anonymous, que logo após a prisão de seu ídolo atacaram diversos sites de programas de compras como a Amazon e as redes Visa e Mastercard,  paralisando ou tornando mais devagar a conexão nesses sites, como forma de protesto ante a suposta arbitrariedade na prisão de Julian Assange, ou como forma mesmo de desdenhar do capitalismo. Acontece que nas publicações brasileiras,na hora de meter pau contra o governo de que é desafeto, a publicação da família Civita cita à exaustão a defesa da liberdade de imprensa contra o suposto "autoritarismo" do governo Lula em controlar a mídia (já que o presidente por diversas vezes criticou a atuação do PIG-Partido da Imprensa Golpista, onde alguns meios de comunicação se valeram das mais estapafúrdias e mentirosas matérias jornalísticas, no sentido de minar a candidatura da candidata do governo); mas, em contrapartida, Veja acaba por revelar sua submissão ao projeto yankee de submissão do mundo aos interesses norte-americanos, ao tomar as dores do governo dos EUA, principal prejudicado com as intervenções virtuais do WikiLeaks, condenando a ação de hackers que desnudam as falcatruas das nações mais poderosas do planeta.


Mas até que ponto o trabalho de Assange e seus discípulos virtuais, colaboradores do WikiLeaks, pode ser considerado exercício da liberdade de expressão na rede  virtual ou crime? A Constituição brasileira estabelece em seu artigo 5º, nos incisos XII, XIVe XXXIII, respectivamente, que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações (salvo por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal), sendo assegurado nesses atos o acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte, bem como é direito de todos receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo e em geral, ressalvadas aquelas cujo sigilo é imprescindível para a segurança nacional. Afinal de contas, é crime o que o pessoal do WikiLeaks fez? Se depender dos EUA, sim!

Ora, a pergunta que deve ser feita no lugar disso é, até que ponto existe, de fato, liberdade de expressão na internet; ou quais são os limites dessa liberdade. Sabe-se que o WikiLeaks prega a liberdade de informação e o direito que tem qualquer cidadão no globo terrestre de saber o que os governos estão fazendo. "A verdade vos libertará", pode ser dito no  versículo bíblico, e é como profeta da informação que Julian Assange se valeu do WikiLeaks para transformar a função de hacker numa atividade oficial.O hacker deixou de ser aquele criminoso virtual tradicional, piolho da computação, que agia irresponsavelmente e malignamente, como um verdadeiro "assaltante de dados", invadindo redes de computadores para instalar vírus destruídores ou para roubar senhas de bancos e cartões de crédito. O hacker do novo milênio também pode ser um revolucionário,  um terrorista de dados, um "Che Guevara" da internet (como agora se porta Assange),e nessa condição, martirizado por sua injusta prisão por determinação da justiça sueca, Julian Assange agora "paga o pato" por se valer de seus conhecimmentos para revelar os podres de governo e corporações. Pergunto se relamente é maldosa a função de quem quer, numa guerrilha virtual, denunciar as sacanagens e a podridão dos governos ditos civilizados.

Através do WikiLeaks, por exemplo, pôde-se ficar sabendo das torturas e do abuso de direitos humanos na ocupação norte-americana no Iraque, os erros do exército do Tio Sam matando civis por engano no Afeganistão, bem como a legitimação de todo tipo de arbítrio e barbárie em prol da chamada guerra ao terrorismo. Pelo site de Assange pudemos descobrir que nenhum governo ocidental é realmente civilizado e bonzinho, e que muito da águia predadora, presente na ideologia de poder wasp norte-americana, ainda está por debaixo do carisma e do sorriso do presidente Barack Obama.

Não ia demorar muito para que Julian Assange fôsse considerado o inimigo público nº 1 das potências globais. Com seu jeito a la David Bowie, com um porte andrógino de replicante tirado do filme Blade Runner, o australiano loiro,  de 39 anos, conhecido por não viver em lugar nenhum, e ao mesmo tempo em todos os lugares, munido de seu inseparável notebook, sempre pronto a destilar mais notícias arrasadoras sobre as picaretagens dos grandes governos, agora é vítima de uma trama cinematográfica, uma acusação estapafúrdia de estupro e abuso sexual, que nem tem previsão na legislação penal brasileira. Afinal, como responsabilizar um cara por estupro, só porque a camisinha dele estourou e ele não quis colocar outra, continuando a transa? Pelas notícias que saem na imprensa, tudo indica que o criador do WikiLeaks foi, sim, vítima de uma perniciosa armação, montada sob o roteiro dos melhores filmes de James Bond. O governo dos Estados Unidos (principalmente o Pentágono e sua Secretaria de Estado) já queria há muito tempo pegar o cara, ficando ele praticamente proibido de pisar no solo norte-americano para não ser preso, e, mediante as revelações da última semana, que colocaram em maus lencóis a diplomacia norte-americana praticamente em todo o mundo, parece que o caldo entornou de vez para o ex-hacker que virou preso político global.

A doutrina Bush, de triste memória, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001,  pregou a inclusão de um modelo de Estado policial a ser seguido em escala planetária, sob os auspícios da propalada "guerra ao terror". Sob o argumento do combate ao terrorismo global, movimentos sociais são atacados, meios de comunicação são silenciados e seus idealizadores presos. É um flagrante atentado a direitos fundamentais universalmente válidos, como a liberdade de expressão e a livre manifestação da opinião, punir donos de meios de comunicação ou escritores de sites, que democraticamente estabelecem suas críticas e revelam erros de governos, uma vez possuindo informações revelantes a mostrar ao público, graças a seus contatos e fontes. Remar contra isso é chancelar um velho modelo imperialista e autoritário, digno dos mais decadentes impérios, e de uma estratégia totalitária que remonta ao período do nazifascismo. Por isso que sou contra a prisão de Assange mesmo que, alegadamente, seu aprisionamento tenha ocorrido por motivos meramente criminais, e que supostamente nada tenha haver com sua atuação política na linha do frente do WikiLeaks ( o que não é verdade!). Acredito piamente que o aparato penal do Estado foi usado de forma oportunista, com claros interesses políticios, no sentido de responsabilizar criminalmente alguém, só para retirar um ser indesejável do circuito, mandando um subliminar recado: "comigo, ninguém pode!".


Se o sigilo das informações confidenciais de um Estado é necessáro para manter a segurança jurídica das instituições e a estabilidade dos regimes políticos, também é verdade que é um direito constitucional, e um direito universalmente válido, a liberdade de expressão, informação e opinião. Não foi Assange ou seus pupilos que quebraram os segredos do exército e das embaixadas norte-americanas, mas sim pessoas que fazem parte do próprio governo, de dentro da administração yankee. São ex-militares, diplomatas, agentes e espiões que decidiram abrir o bico, e por conta da profissão, poderiam ser processados, certamente, mas isso nunca poderia servir de pretexto para silenciar um órgão de imprensa, que divulga na internet informações de órgãos públicos que foram vazadas. A prisão de Assange cria um precedente perigoso, pois através dela, pode-se abrir a possibilidade de se mandar prender qualquer dono de site, blogueiro, jornalista ou proprietário de jornal, que venha a divulgar informações que comprometam operações sigilosas (mesmo que ilegais e criminosas) de governos. O que fazer quanto às denúncias de tortura, corrupção, ineficiência administrativa, demagogia, oportunismo e descoberta de mentiras, no momento em que seus divulgadores forem penalizados? O problema do WikiLeaks, tomado de assalto por uma série de represálias, que vão desde o encerramento de sua hospedagem em sites famosos e suspensão do envio de doações por empresas de cartão de crédito, até a prisão de seu criador e principal expoente, é que na contraofensiva global de determinadas organizações contra o monstro transnacional de interesses capitalistas, militares e corporativos, pode-se revelar que o Davi dos movimentos sociais ainda não está preparado para golpear de morte o Golias estatal. Por isso, somo-me ao coro dos descontentes e dos defensores da liberdade de expressão, gritando bem alto: FREE!! FREE ASSANGE!! ASSANGE FREE!!

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